A grande mídia ainda pauta os debates públicos? No digital, ela apenas corre atrás

Em 2024, só 11,8% do engajamento digital veio da mídia tradicional. No restante, os temas quentes nasceram nas redes, enquanto a imprensa apenas repercutiu. A imprensa parece ter virado espectadora.

Renato Dolci

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Publicidade

Nas redes sociais, tudo parece espontâneo. Uma hashtag explode, um vídeo viraliza, um novo escândalo ocupa os trending topics. Mas a pergunta real é: quem está puxando essas conversas? Somos nós, os algoritmos ou a velha e ainda influente mídia tradicional? A resposta não é tão simples quanto parece.

No Brasil, as redes sociais têm se mostrado uma força poderosa na formação de opinião. Uma pesquisa do DataSenado indicou que 83% dos brasileiros acreditam que as redes sociais influenciam significativamente a opinião das pessoas. ​Por outro lado, a mídia tradicional ainda desempenha um papel crucial na disseminação de informações. Ela centraliza a divulgação de notícias, cria tendências e molda formatos.

Os dados mostram que quando um assunto viraliza nas redes, os jornais correm para cobrir. E quando um assunto aparece na TV ou em um portal de grande alcance, ele ganha um segundo ato digital, retroalimentando mais ainda os debates online. Jornalistas olham para as redes e as redes olham para os jornalistas. Um ciclo infinito de influência mútua.

Continua depois da publicidade

Mas quem será que influencia mais? Será que em todos os contextos, a influência a mesma? E no Brasil? Como eu sempre falo: vamos aos dados!

Realizei mais uma pesquisa exclusiva para a coluna, junto com meu time na Timelens, tentando trazer mais luz ao debate e os dados são bem interessantes: em 2024, 11,8% do engajamento digital foi pautado pela mídia tradicional. Nos outros 88.2% dos casos, os assuntos mais repercutidos nas redes sociais eram tópicos que não foram as principais manchetes na mídia. E mais: tudo gira em torno de quem consegue criar o primeiro fato gerador. Nem todo tipo de conteúdo é nativo digital e quando nasce fora das redes, a imprensa ainda apresenta maior relevância. Assuntos como Economia, Política e Futebol, onde o fato gerador precisa de cobertura, a imprensa cresce. Já na Fofoca, a via é de mão dupla: mais de 73% dos conteúdos que aparecem em páginas de fofoca são nativos digitais e foram gerados em cima de stories de famosos e quem amplifica o conteúdo e retroalimenta o debate, é a mídia tradicional.

TemaMídia tradicional iniciou as conversas em 2024 (%)
Economia18,4%
Política16,3%
Futebol15,3%
Fofoca13,3%
Humor10,1%
Lifestyle8,0%
Reality Shows4,9%
Religião3,1%
Outros10,6%

Fonte: 671.427.632 menções em Facebook, Instagram, X, Tiktok e Youtube no intervalo de janeiro de 2024 a dezembro de 2024 e 3.069.073 notícias de 742 veículos de comunicação

Continua depois da publicidade

É uma relação ambígua e complexa, mas indissociável. No debate econômico, pautado por relatórios de mercado e dados oficiais, a objetividade se mantém, mas perde espaço para influenciadores do setor financeiro. Criadores de conteúdo ganham credibilidade dentro de seus nichos, e a mídia tradicional, antes formadora de opinião, agora a repercute.

Em 2013, os protestos de junho explodiram nas ruas e nas redes, mas a virada aconteceu quando as câmeras do Jornal Nacional mostraram a repressão violenta em São Paulo, em uma época em que a TV construía o debate do dia nas redes em 31% das vezes. A partir dali os protestos que começaram pequenos foram amplificados pela mídia, e o ciclo se completou.

O Brasil tem uma peculiaridade: o WhatsApp. Aplicativos de mensagem funcionam como uma camada invisível de informação. Na política, enquanto jornais e TVs cobrem eleições, fake news e memes mobilizam milhões no subterrâneo digital.

Continua depois da publicidade

Nos EUA, Trump levou esse jogo ao extremo. Durante seu primeiro mandato, seus tuítes eram notícia por si só—ataques ao New York Times ou ameaças a países tornavam-se pauta imediata. O resultado? Uma presidência guiada pelo imediatismo das redes, onde um post de 280 caracteres alterava mercados e estratégias diplomáticas. Dados confirmam: 17% das notícias sobre Trump em seu primeiro mandato foram baseadas em seus tuítes. Será que algo mudou?

É claro que também há de se levantar o fato de que a mídia perde cada vez mais espaço pela suposição crescente de manipulação, desinformação e tendências ideológicas de suas editorias e tal característica aprofunda mais ainda a menor capacidade de pautar os debates em sociedades mais nichadas e polarizadas. E é inegável que os creators assumiram um pedaço relevante do que era território da mídia tradicional no sentido de criar informação e pautar debates sociais, já que são vistos como pessoas desinteressadas e mais genuínas, apesar de cada dia mais, estarem profissionalizando seus trabalhos e se transformando em marcas ou veículos de mídia.

No fim, os jornais tentam se reinventar enquanto influenciadores moldam narrativas e desafiam os antigos intermediários da informação. O jogo mudou: não é mais sobre dominar a narrativa, e sim sobre controlar os canais de distribuição – e quem faz isso, tem o verdadeiro poder sobre a informação e sua repercussão.

Tópicos relacionados

Autor avatar
Renato Dolci

Renato Dolci é cientista político (PUC-SP) e mestre em Economia (Sorbonne). Atua há mais de 15 anos com marketing digital, análise de dados e pesquisas públicas e privadas de comportamento digital. Já desenvolveu trabalhos em diversos ambientes públicos e privados, como Presidência da República, Ministério da Justiça, FIESP, Banco do Brasil, Mercedes, CNN Brasil, Disney entre outros. Foi sócio do BTG Pactual e atualmente, é diretor de dados na Timelens, CRO na Hike e CEO na Ineo.