A CEO italiana por trás da ascensão da marca Saint Laurent

O crescimento da YSL tem o potencial de reduzir a dependência da Kering em relação à Gucci e, por consequência, gerar altos retornos para os acionistas do conglomerado francês

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Desfile da coleção Outono/Inverno 2022-2023 da Saint Laurent na Semana de Moda de Paris, em 1º de março (Victor Boyko/Getty Images)
Desfile da coleção Outono/Inverno 2022-2023 da Saint Laurent na Semana de Moda de Paris, em 1º de março (Victor Boyko/Getty Images)

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O conglomerado francês de luxo Kering (KER) é dono e controlador de 13 marcas. Hoje, o grupo é sinônimo da marca Gucci, que gera 55% de sua receita e mais de 70% de seu lucro operacional.

De fato, a casa italiana tem sido responsável pelas maiores e mais bem-sucedidas coleções dos últimos anos na moda mundial, o que tem sido refletido em seu crescimento – impulsionado ainda mais pela expansão da marca na China.

Mas o holofote poderoso da Gucci tende a esconder o brilho da joia oculta da Kering, a Yves Saint Laurent.

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A marca de luxo Yves Saint Laurent (YSL) foi criada pelo designer homônimo e seu parceiro Pierre Bergé em 1962, na França, e foi comprada pela Kering em 1999.

Conhecida pelos desenhos elegantes, linhas estruturadas e estética clássica, a marca passou por muitas transformações ao longo do tempo.

Uma das mais notáveis é a que está em curso desde 2013 com a entrada de Francesca Bellettini como CEO da Saint Laurent.

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Essa decisão foi longe de óbvia e até mal vista por muitos insiders: uma italiana que não fala francês liderando uma marca intimamente conectada à elite francesa.

Seis anos depois, seu impacto foi tamanho que, em 2019, ela recebeu a mais alta distinção civil da França, a Ordem Nacional da Legião de Honra.

Hoje, a marca sob seu comando promete ser a próxima grande marca global de luxo.

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A italiana começou sua carreira nos anos 1990 em bancos de investimentos, primeiro no Goldman Sachs e depois no Deutsche Bank, atuando na área de fusões e aquisições.

Nessa época, os banqueiros priorizavam os mercados dos três Rs – restaurants (restaurantes), real estate (imobiliário) e retail (varejo).

O varejo de luxo era menosprezado por seus colegas. Mas, ao receber uma proposta do grupo Prada, decidiu aceitar porque “gostava de moda e tinha 29 anos”.

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Depois de quatro anos no grupo, Francesca Bellettini foi para a Kering em 2003, ocupando o posto de diretora de planejamento estratégico na Gucci. Em 2008, foi para Bottega Veneta, também da Kering, onde permaneceu até ir para YSL, em 2013.

Quando ela assumiu como CEO da YSL, a empresa tinha uma receita anual de 557 milhões de euros e uma margem operacional de 13,8%.

A executiva fechou o ano de 2021, o nono ocupando o cargo, com 2,5 bilhões de euros em receitas e uma margem operacional de 28,3%. A evolução da Saint Laurent é notável:

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A mudança de nome da marca de Yves Saint Laurent para Saint Laurent foi parte de uma estratégia mais ampla de rebranding por parte de Bellettini, uma vez que a associação com o fundador da casa não mais ajudava a aumentar a lealdade de clientes ou garantir o reconhecimento dos consumidores mais novos – chave para a longevidade da marca.

A maior crítica da CEO à atuação de seu antecessor era a falta de clareza que acabou reduzindo a relevância da linha de luxo no setor.

Para reverter isso, foi adotado um marketing mais ousado, usando a imagem do fundador, enquanto era anunciada a mudança do nome. Além disso, foram introduzidos designs mais modernos, elevando a elegância já associada à marca.

Esse foi o pontapé inicial do turnaround liderado pela CEO italiana.

Outra iniciativa essencial que contribui para esse desempenho é a mudança nos canais de distribuição: a marca passou a priorizar lojas próprias em detrimento de revendedores, gerando uma melhora nas margens.

O e-commerce triplicou de tamanho nos últimos três anos e ainda representa uma parcela pequena das vendas da empresa, o que configura uma oportunidade de crescimento futuro.

Além disso, vem reduzindo os descontos, o que cumpre dupla função: garantir um patamar superior de lucratividade e proteger o valor da marca como exclusiva e cara, o que é fundamental no setor de luxo.

A venda de estoque descontado pode ajudar a reduzir prejuízos com itens não vendidos, mas, se for feito em excesso, pode prejudicar o valor e posicionamento da marca, o que pode ter consequências mais severas, como sua degradação gradual.

No varejo de luxo, a boa relação entre a diretoria executiva e o departamento de criação é essencial para a boa performance.

Em 2016, o diretor criativo Hedi Slimane saiu da marca para assumir a direção da parisiense Celine, parte do conglomerado rival LVMH. Boa parte do mundo da moda interpretou essa saída como o fim da trajetória de ascensão da Saint Laurent.

Para a vaga, Bellettini apontou o belga Anthony Vaccarello, então na Versace. A discussão sobre relevância, originalidade e inventividade das coleções não nos compete. Mas os números mostram que essa transição foi bem aceita pelo público-alvo da marca.

A mudança do mix de produtos também ajuda a explicar a performance da YSL. Historicamente focada em artigos de couro, a marca inaugurou uma nova era com a aceleração do crescimento de mais categorias de vestimentas, dentro do que chamam de ready-to-wear, diversificando então as fontes de receita da casa.

Todo o trabalho de transformação da marca e das operações foi ameaçado pela pandemia. O mercado de luxo foi um dos mais afetados, sobretudo pela interrupção das viagens, parte fundamental do funcionamento desse negócio.

A Saint Laurent sofreu menos que seus pares por conta da estratégia de impulsionar as vendas para clientes locais, implementada ao longo dos últimos anos.

A CEO decidiu adaptar o marketing e as lojas para o consumidor local, lutando contra a dependência do turismo. Isso foi feito a partir do entendimento da cultura de cada região, que orienta a forma de comunicação com a clientela nos canais online, lojas físicas e marketing.

Bellettini percebeu que clientes locais são mais seletivos que turistas. Por isso, investiu agressivamente no treinamento dos lojistas, o que melhorou as métricas de conversão.

Em 2020, 60% das vendas da Saint Laurent vinham de clientes domésticos. Assim, a pandemia impactou menos a companhia, que já retomou sua trajetória ascendente.

Agora, a marca busca atingir o patamar de 5 bilhões de euros de receitas e se consolidar como uma gigante no setor.

As maiores ferramentas para atingir essa marca devem ser a continuação da transição dos canais de venda, a ascensão do ready-to-wear, a redução de descontos e o maior investimento em NFTs e iniciativas análogas que apresentam altas margens.

O crescimento da YSL tem o potencial de reduzir a dependência da Kering em relação à Gucci e, por consequência, gerar altos retornos para os acionistas do conglomerado francês.

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Maria Antonia Viuge

Sócia e analista sênior da Nextep Investimentos. É economista formada pela UFRJ e pela Kingston University London

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Roberto Vinhaes

Roberto Vinhaes é sócio da Nextep Investimentos. Engenheiro formado pela PUC-Rio, foi um dos fundadores da Investidor Profissional, a 1ª gestora independente de fundos do país