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De tempos em tempos surgem umas discussões no Brasil, sem sabermos exatamente a sua origem ou a sua pertinência. De repente, elas ganham uma relevância na política e na imprensa, passando a impressão, de que estávamos diante da solução dos nossos problemas e que nem a mente mais brilhante conseguira perceber isso antes.
A bola da vez é com relação a jornada de trabalho, 6×1, que foi instituída em 1943, com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). A Emenda Constitucional que tramita em Brasília, quer reduzir essa jornada para 4 x 3, aumentando o período de descanso do trabalhador, sem a redução proporcional do salário.
Na década de 50 não possuíamos dados estatísticos confiáveis, mas era certo que estávamos num período de transição econômica preponderantemente rural para industrial. Estima-se que, nessa época, aproximadamente 25% da população ocupada tivesse alguma espécie de registro formal, enquanto a maioria da população trabalhava na informalidade ou na agricultura de subsistência. Pequenos negócios e autônomos eram bastante comuns. Alguns incentivos da era Juscelino Kubitschek começavam a atrair fábricas e indústrias, em especial nos setores automobilístico e siderúrgico.
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Os primeiros sindicatos no Brasil surgiram no início do século XX, com forte influência dos movimentos operários europeus, especialmente dos imigrantes italianos, espanhóis e portugueses, inspirados por ideais anarquistas e socialistas. Na primeira década, operários da indústria têxtil já lutavam por reduções de jornadas de trabalho – que chegavam a 14 horas diárias – aumento salarial, descanso semanal, regulamentação do trabalho infantil e fim da exploração do trabalhador.
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Durante o governo Getúlio Vargas, o Estado começou a regulamentar os sindicatos com a CLT, surgindo o sindicato oficial, ligado ao ministério do trabalho e com o imposto sindical obrigatório. Os sindicatos passaram a atuar como intermediários entre trabalhadores e empregadores, mas também enfrentaram críticas por sua dependência estatal e falta de autonomia.
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Durante o período militar, dos anos 60 aos anos 80, verificou-se um movimento crescente de greves e manifestações por direitos trabalhistas, que culminaram no fortalecimento das centrais sindicais, que resultariam no processo de abertura política.
E foi justamente nesse período, com a Lei da Reforma Bancária e a posterior Lei do Mercado de Capitais, que apareceria pela primeira vez a figura do antigo agente autônomo de investimentos, atual assessor de investimentos, que na contramão de uma tendência sindicalista, já nascia pela Resolução nº 76/67, do Banco Central do Brasil, como uma atividade “sem vínculo trabalhista”, sendo o precursor do que mais tarde chamaríamos de atividade “terceirizada”.
“O agente autônomo de investimentos foi regulado pelo Banco Central do Brasil em 1967 e já nascia sem vínculo trabalhista.”
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Após quase 60 anos exercendo uma atividade legal, regulamentada e fiscalizada, cujo fruto está diretamente ligado a meritocracia, a educação financeira e a intensidade dos esforços dedicada a ela, sem que para isso incorra em nenhuma garantia trabalhista ou que possa se dar ao luxo de reduzir a sua carga de dedicação, com o risco de não fechar o mês no positivo, acompanhar uma discussão de redução da jornada de trabalho para 4 x 3, como a que está sendo colocada agora, é no mínimo curioso.
“O assessor de investimentos do Século XXI, está 24/7 pronto para atender o seu cliente.”
O que chama a atenção dessa proposta, que está em fase inicial de discussão no Congresso, é que aparentemente ela não trouxe nenhum estudo de viabilidade e/ou sobre os seus impactos em determinados setores econômicos. E a dúvida matemática elementar é como manter o equilíbrio, reduzindo o horário de trabalho, mas mantendo os salários dos empregados, num País que não prima pelos melhores índices de produtividade.
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A sensação que nos passa é que a autora do projeto, utilizou a teoria do Ócio Criativo, proposta por Domenico De Masi, que possui a sua essência na ideia de que o tempo livre e a criatividade são fundamentais para o bem-estar e a inovação. De Masi argumenta que, em um mundo altamente automatizado, a redução das jornadas de trabalho permitiria às pessoas dedicarem mais tempo ao lazer, à reflexão e a atividades criativas, o que poderia gerar mais produtividade e inovação. Ele defende que a criatividade é potencializada quando as pessoas têm liberdade para pensar fora dos limites das atividades repetitivas do trabalho.
Tudo isso seria maravilhoso e verdadeiro, fosse a nossa sociedade mais justa e capacitada. Não podemos comparar a realidade brasileira com outras que possuem um contexto econômico mais harmônico, com crescimento estável, alta produtividade e qualificação profissional intensiva em investimentos.
A recente pandemia, que assolou o mundo, contribuiu para a flexibilização de normas e costumes nas relações de trabalho, em parte pelos esforços dos Estados em buscarem formas alternativas de manutenção dos empregos, com a aceitação de formatos virtuais e digitalização de processos, mas em grande parte pela evolução das relações entre empregadores e empregados, que sem dúvida alguma foi o principal responsável pelo seu sucesso.
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A assessoria de investimentos foi um exemplo típico de sucesso e aumento de produtividade, nesse período, crescendo exponencialmente o número de profissionais ativos, mas especialmente o número de investidores atendidos e o volume negociado na B3.
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A B3 vinha há algumas décadas buscando formas de aumentar o número de pessoas físicas operando e uma junção de juros baixos, com a atuação dos assessores fez com que esse objetivo fosse finalmente alcançado em 2022, quando saltou dos 800 mil CPFs registrados em 2018, para os mais de 5 milhões registrados hoje.
Ou seja, os assessores de investimentos aproveitaram o momento da pandemia, em que muitas empresas e bancos estavam analisando os seus impactos e demorando para tomar decisões disruptivas, para intensificar a sua jornada de trabalho e conquistar os clientes dos bancos, que estavam, a bem da verdade, abandonados pelos seus gerentes de contas.
Esse exemplo, ilustra bem os impactos que a redução da jornada de trabalho poderá causar, em determinados setores, quando não atrelada a maior capacitação e ao aumento da produtividade.
Agora, imaginem as consequências de uma medida dessas para o cenário brasileiro, onde mais de 54 milhões das famílias dependem de algum auxílio do governo para subsistir, apenas 46,6 milhões possuem carteira assinada, 39 milhões do mercado de trabalho é informal e aproximadamente 30 milhões trabalham por conta própria, incluindo os MEI’s?
De Masi, de certo, não apoiou a sua tese do ócio criativo em um cenário tão emergente quanto o brasileiro, muito menos para um País com um quadro educacional tão crítico quanto o nosso.
No exame PISA 2022, que avalia a aprendizagem de estudantes de 15 anos em diversas nações, o Brasil obteve resultados que colocaram o país entre os piores do mundo, com destaque negativo nas áreas de Matemática, Ciências e Leitura, ficando abaixo da média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Em relação ao ranking global, o Brasil ocupou a 65ª posição em Matemática, a 52ª em Leitura e a 62ª em Ciências, estando entre as 30 piores posições, com 73% dos estudantes não atingindo o patamar mínimo de aprendizagem em Matemática. Esses dados revelam uma estagnação nos resultados desde 2009, sem grandes melhorias significativas.
Esses dados educacionais aliados ao projeto de redução da jornada de trabalho, podem se transformar em uma bomba atômica em países menos evoluídos, onde sem dúvida o ócio não levará ao aumento da criatividade, mas sim da inflação.
As opiniões contidas nesse artigo não refletem necessariamente as opiniões da ABAI, ficando ao autor a sua responsabilidade.