Viabilidade econômica de clubes de futebol: a dura realidade

A viabilidade passa pela capacidade de manter as contas em dia, mas essencialmente de retornar os investimentos feitos

Cesar Grafietti

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

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Na semana passada, a coluna começou a tratar o tema “viabilidade de um clube de futebol”. Trouxemos um exemplo bem genérico e algumas condições ligadas à expectativa de dirigentes e torcedores em relação às possibilidades esportivas de um clube.

Pois bem, vamos aprofundar um pouco mais o tema da viabilidade econômico-financeira de um clube de futebol. Qualquer estudo de viabilidade econômica começa pelo estudo de mercado. Antes de começar a avaliar em detalhes o projeto-alvo, é fundamental entender o contexto da indústria, como localização, tamanho do mercado, poder de compra dos consumidores, relação com os fornecedores, cadeias produtivas, etc.

Começa aqui o problema de se avaliar a viabilidade de um clube brasileiro. Primeiro, precisamos delimitar sua área de atuação. Porque falar em milhões de torcedores no Brasil é coisa para poucos. Muitos dos clubes chamados de grandes no futebol brasileiro possuem torcidas concentradas regionalmente e que atingem perto de 2 milhões de pessoas.

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Logo, exceto se falarmos de um grupo pequeno e seleto de clubes, mercado-alvo é sempre local, e é sob esta ótica que deve ser analisado. Por exemplo, um clube do interior de São Paulo tem raio de atuação limitado à cidade-sede e talvez à região mais próxima. E olhe lá, pois ainda tem que disputar espaço e interesse com os clubes de alcance nacional.

Podemos seguir explorando o fato de o futebol ser uma indústria de serviços, cujo alcance na captação de mão-de-obra é limitado, e a competição por ela extrapola os limites da região de influência. Ainda mais com redes de agentes e intermediários capazes de captar garotos no Maranhão e levá-los para clubes do Rio Grande do Sul.

Daí temos as dificuldades de uma estrutura competitiva fragmentada. Dificuldades que podem ser oportunidades. Num estado como São Paulo, é sempre mais complicado alcançar as principais divisões, dada a quantidade de séries. Mas em estados menores como o Espírito Santo é relativamente mais fácil, pois são apenas duas divisões profissionais.

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Sem alongar demais dentro do aspecto “mercado”, e entendido que ele tem desafios e oportunidades, vamos para a avaliação mais detalhada do projeto em si: o clube de futebol.

Pense que primeiro é preciso entender qual o modelo de negócios. A partir dele, você precisa definir uma estrutura de custos básica. E ela está associada ao custo de formação, com ajuda de custo, salários, encargos, gastos administrativos, viagens, partidas, educação das categorias de base. E, claro, a manutenção das estruturas físicas, como estádio e centro de treinamentos.

Muitas vezes, há demanda por investimento inicial, seja para construir ou reformar essas estruturas que comentei. Há mínimas condições ética e moralmente aceitas para manter categorias de base sob gestão, atletas em treinamento, torcedores acompanhando as partidas.

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Estruturados os custos e investimentos, chega a hora da confusão: com que dinheiro pagamos as contas?

Aí veremos que, quando dizem que o Brasil tem mais de 800 clubes profissionais, essa é apenas uma figura de linguagem. Clube profissional deveria ser aquele que consegue manter uma estrutura operativa e pagando as contas por toda a temporada, de forma a garantir a mesma condição para a temporada seguinte e assim sucessivamente.

Pausa para um exercício: você sabe qual a receita média dos clubes das três principais séries do Campeonato Brasileiro? Pois bem, anote, baseado em números de 2019:

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– Série A: R$ 248 milhões
– Série B: R$ 25 milhões
– Série C: R$ 10,4 milhões

Se formos para as Séries D e os clubes que atuam apenas nos estaduais, a realidade é de receitas bem menores. Motivos não faltam: não há receitas de transmissão, a bilheteria é pequena, não existem programas de sócios. O que sobra é algum incentivo da economia local através de patrocínios e a receita com negociação de atletas.

Um clube que disputa a Série A2 do Campeonato Paulista custa cerca de R$ 6,5 milhões anualmente, segundo levantamento que fiz com demonstrações financeiras de alguns clubes. São os dados, por exemplo, do XV de Piracicaba, que, na temporada 2020, teve cerca de R$ 8 milhões de receita, sendo que metade veio de Publicidade e Arrecadação de Jogos. A TV representou 10%, assim como a negociação de atletas.

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Já um clube que disputa a Série B do Paulista (equivalente a quarta divisão), como o XV de Jaú, custou R$ 660 mil em 2020 e teve receitas de R$ 190 mil, basicamente com Publicidade e mensalidade dos sócios. Assim como a Matonense, que na mesma competição em 2019, custou R$ 1,2 milhão e teve os mesmos R$ 1,2 milhão de receitas, basicamente Publicidade.

Outro caso que serve de exemplo é o Paulista de Jundiaí, que em 2019 teve R$ 1,5 milhão de custos e R$ 1 milhão de receitas, basicamente vindas de doações.

Estamos falando de competições do maior estado do país em termos econômicos, de clubes de cidades de boa capacidade financeira, mas que ainda assim nem sempre conseguem se sustentar, e no máximo empatam a operação.

Falemos agora de outros estados, como no caso do Guarani de Palhoça, de Santa Catarina, que, jogando a Série B Catarinense em 2019, teve R$ 4 milhões de custos, com R$ 1 milhão de receitas. Como fecha a conta? Com dinheiro de sócios.

Mas qual o objetivo desses números? Mostrar que o futebol pode ser viável, mas não será para todos. Estamos falando de clubes que disputam competições locais, que contam com apoio da economia local, incluindo seus torcedores, ou de empresários que apostam no desenvolvimento de atletas das categorias de base para retornarem o investimento feito.

Entretanto, quanto mais os clubes sobem de divisão e se aproximam das competições de grande alcance, como as Séries A, B e C do Brasileirão, maior o nível de empenho econômico-financeiro. Maiores também são os custos, investimentos e, essencialmente, a necessidade de fazer receitas. Claro que a TV ajuda em boa parte, claro que há maior presença de torcida, publicidade. Mas nem sempre é suficiente para gerar competitividade perene.

Quer uma informação adicional, baseada nas análises que faço para suportar investimentos em clubes? Para se manter na Série A nos últimos 10 anos, um clube precisava desembolsar em custos com Pessoal pelo menos R$ 80 milhões anuais. Com menos que isso, aumenta (e muito) o risco de cair para a Série B.

Agora, lembre-se que um clube que acabou de subir da Série B tem em média R$ 25 milhões anuais de receitas. Quando sobe, esse valor pode dobrar, mas os custos crescem de forma relevante também. Veja o exemplo do Coritiba, que, em 2019, na Série B, teve custos com Futebol profissional de R$ 39 milhões. Na Série A, em 2020, eles foram para R$ 64 milhões. Não por acaso, o clube voltou para a Série B.

Agora, viabilidade passa pela capacidade de manter as contas em dia, mas essencialmente de retornar os investimentos feitos. Nos casos que citamos acima, mesmo equilibrando receitas e custos, não sobra dinheiro. Ano após ano é um grande sofrimento para fechar as contas. E essa dificuldade gera enorme volatilidade no desempenho esportivo, aumentando as dificuldades de desenvolvimento.

O futebol brasileiro precisa de um grande marco regulatório. Ele começa com a Lei da SAF e a Lei do Mandante, mas passa necessariamente por um modelo restritivo de Licenciamento e Fair Play Financeiro, de forma a separar clubes profissionais e capazes de serem viáveis de clubes amadores, que precisam seguir suas vidas formando atletas, competindo em níveis locais, mas sem a pressão de ter que pagar contas que acabam virando dívidas e aportes de recursos a fundo perdido.

Temos que colocar isso nos debates para reorganizar a indústria, atrair investimentos e receitas, aumentar a conscientização sobre custos e investimentos. Mas, essencialmente, para que o futebol volte a ser um entretenimento atraente para o torcedor.

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Cesar Grafietti

Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti