Superliga de clubes: o contra-ataque da política

Não foi só na União Europeia que políticos aproveitaram a trapalhada causada pelos dirigentes de Real Madrid, Barcelona e Juventus para tirar uma casquinha e se meter num negócio estruturado. Os políticos ingleses também resolveram agir

Cesar Grafietti

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Lembra da Superliga de clubes europeus? Pois bem, vamos atualizar o tema a partir de acontecimentos dentro e fora de campo desde a ascensão e queda em poucos dias. E mostrar os riscos que a estrutura corre quando os processos são feitos de forma açodada.

Há cerca de um mês o Parlamento Europeu, através da comissão de Cultura, aprovou uma espécie de “proposta de lei” cujo tema é “a defesa das regras que protegem um modelo de competição baseado em valores para as próximas gerações”. Parece vago, mas a aprovação rechaça “forças que ameaçam o modelo europeu e perseguem uma visão puramente de negócio no esporte”.

Segundo os representantes parlamentares que aprovaram o projeto de lei com 29 votos favoráveis, 1 voto contrário e 1 abstenção, “O objetivo é defender um modelo baseado em valores, diversidade e inclusão, sem que haja margem para que o esporte seja dominado por clubes ricos e poderosos”.

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A partir dessa premissa, o projeto de lei que vai a votação em breve se opõe a “competições dissidentes que se contrastam com a visão inclusiva que rege e União Europeia”.

A situação criou também a oportunidade de colocar o dedo em outros temas, como por exemplo demandar das organizações maior transparência em relação às negociações de atletas, ao mesmo tempo em que recomenda que os estados coloquem em debate a possibilidade de consolidar no futebol europeu o modelo de controle acionário alemão, conhecido como “50%+1”, onde a associação possui o controle da empresa que opera o futebol.

Obviamente esta última demanda é apenas uma forma de se colocar politicamente ao lado dos torcedores, que no fim do dia são os eleitores. Mas a aplicação de tal ideia depende de regras individuais de cada país, inclusive em relação ao direito à propriedade dos atuais acionistas.

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Mas não foi só na União Europeia que políticos aproveitaram a trapalhada causada pelos dirigentes de Real Madrid, Barcelona e Juventus para tirar uma casquinha e se meter num negócio estruturado. Os políticos ingleses também resolveram agir.

Aliás, reforço o que disse desde o início dessa discussão: o que efetivamente derrubou a Superliga não foram as ameaças da UEFA e da FIFA, mas sim o governo de Boris Johnson ameaçando tomar os clubes dos atuais acionistas. Sem os clubes ingleses a Superliga seria uma competição frouxa, especialmente porque os alemães já estavam fora e o PSG também.

A partir disso, o governo de Boris Johnson encaminhou ao parlamento uma proposta de revisão do que seria uma espécie de “estatuto do esporte” britânico. Dentre as 47 alterações propostas estão a inclusão de uma taxa de 10% sobre negociações de atletas feitas por clubes da Premier League.

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Uma espécie de “luxury tax” cujo destino dos recursos seria irrigar as estruturas menores do futebol inglês, ou seja, as divisões abaixo da Premier League. O estudo do governo britânico aponta que isto geraria cerca de € 175 milhões anualmente para serem distribuídos aos clubes a partir da 2ª divisão local.

Note que há uma ideia semelhante da UEFA para seu novo modelo de Fair Play Financeiro – que francamente é um erro – e poderia se tornar uma sobreposição de custos aos clubes ingleses.

Acima disso está a criação de uma espécie de agência reguladora” do futebol, que controlaria as finanças dos clubes, sua governança, as relações trabalhistas e com o estado. Inclusive a troca de controle acionário, a partir de regulamentos que hoje já são aplicados a bancos e empresas de mídia.

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Mas não fica nisso. O marco regulatório propõe também coisas como:

• Golden share para os torcedores: a associação de torcedores (cada clube inglês tem a sua) teria direito a uma Golden share que trataria de cuidar de temas como símbolos, marcas, localização, e etc, de forma a garantir a história.

• Clubes deveriam criar um “conselho de administração paralelo”, formado por torcedores, que seria consultado em temas chaves dos clubes, como por exemplo a participação em competições fora do sistema estrutural do futebol.

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• Limitação de recursos aportados por acionistas nos clubes, seja como capital, receitas, empréstimos, de forma a garantir maior equilíbrio competitivo. Confesso que esta regra tem meu total apoio. Precisamos cuidar para que o mecenato em suas mais diversas formas seja coibido, o que garante maior estabilidade ao esporte, redução de custos e enquadramento do futebol à realidade econômica de longo prazo do mundo.

• Inclusão de cláusulas de rescisão contratual em caso de mudança de liga – acesso e rebaixamento – de forma que os clubes e os atletas possam tanto renegociar salários em caso de acesso, como os clubes rescindirem contrato em caso de rebaixamento.

• Revisão do modelo de desenvolvimento do futebol feminino, de forma a torná-lo mais célere.

• Revisão sobre o consumo de álcool nas dependências dos estádios, de forma a controlá-lo.

Note que são ações que invadem de forma relevante a estrutura do futebol britânico, assim como algumas das recomendações dos parlamentares europeus.

Isto só aconteceu porque um grupo de clubes em dificuldade resolveu criar um modelo de negócios elitista em defesa de seus direitos, ignorando que o futebol demanda justamente uma estrutura flexível.

Clubes deixaram uma porta aberta para que os políticos entrassem. E entraram com tudo.

Agora, uma das ideias por trás da Superliga era aumentar a quantidade de partidas entre clubes “grandes” o que traria maior interesse e dinheiro para eles. Vamos dar uma olhada em alguns números da atual temporada.

• LaLiga: Após 1/3 da competição, o Atlético de Madrid é quarto colocado e o Barcelona é sétimo;

• Seria A: Passados os mesmos 1/3, a Juventus é 8ª colocada;

• Premier League: neste momento, após 12 rodadas, temos Tottenham em 7º e Manchester United é 8º;

Mas não é só isso. Na Champions League já tivemos alguns confrontos entre clubes que supostamente fazem parte do grupo de elite do futebol. Lembro que o Barcelona perdeu de 3 a 0 do Bayern em casa, a Juventus perdeu de 4 a 0 do Chelsea, e quando venceu em casa por 1 a 0 a partida foi jogada no tradicional catenaccio italiano.

O Milan sofre horrores para se classificar num grupo com Liverpool – o clube italiano mais vitorioso da Europa parecia amador diante da equipe de Klopp – e junto com ingleses e italianos há o Atlético de Madrid, que também sofreu nas mãos de Salah e Mané.

Ou seja, a ideia de que a Superliga só traria glórias cai por terra à medida em que o futebol não é uma ciência exata. Haveria um risco claro de muitos clubes jamais serem campeões novamente, porque o dinheiro que entraria seria para todos.

Imaginem ingleses com ainda mais dinheiro? Por isso exigiam permanecer nas competições nacionais, pois era a forma de permanecer com a chance de conquista. Lembra bastante o conceito dos campeonatos estaduais no Brasil, não?

Enfim, uma ideia ruim e, mal conduzida, fez com que os clubes acabassem se complicando mais que se resolvendo. Agora, além de brigar com a UEFA eles precisam lutar contra a política. É bom tomarem cuidado, pois há risco de goleada contra.

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Cesar Grafietti

Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti