SAF, retorno, investimento: pausa para um ajuste

O movimento das SAFs tem que sair das rodas de conversas que só querem facilidades e ouvir quem busca um futebol novo e sustentável

Cesar Grafietti

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Jeffinho comemora gol do Botafogo contra o Atlhetico, pelo Campeonato Brasileiro de 2022 (Vitor Silva/Botafogo)
Jeffinho comemora gol do Botafogo contra o Atlhetico, pelo Campeonato Brasileiro de 2022 (Vitor Silva/Botafogo)

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Quando a Lei da SAFs fez um ano, escrevi neste espaço que a avaliação, naquele momento, era de um processo em amadurecimento. A visão geral que sempre tive não mudou: seguia sendo uma lei com falhas, com riscos e oportunidades, e cada um estava tentando se organizar com ela da melhor maneira possível.

Na semana passada, vimos o primeiro incômodo de um dono de SAF com a lei. John Textor, proprietário do Botafogo, veio à público reclamar que recursos do clube foram retidos pela CBF, mesmo que ele estivesse pagando em dia o acordo pactuado por meio do Regime Centralizado de Execução (RCE), mecanismo pelo qual o clube separa 20% das receitas para pagar credores cíveis e trabalhistas.

Refrescando a memória: a lei permitiu que a SAF, a empresa que cuida do futebol, ficasse com os ativos (atletas e contratos) e deixasse as Associações com as dívidas (fiscais, trabalhistas, bancárias, esportivas).

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Entretanto, na letra fria da lei, a SAF deveria destinar 20% das receitas, excluídas as vendas de atletas, para pagar as dívidas trabalhistas e cíveis. Para as dívidas esportivas (com outros clubes, por exemplo) e fiscais (Refis, Profut) ela fez “olhos de mercador”, ou seja, não obrigou que a SAF arcasse com elas.

Estava na cara que isso geraria problemas. Não parece lógico imaginar que a SAF não fosse sucessora da Associação em relação a todas as dívidas, de forma que, em algum momento, ela seria chamada a pagar por todas as dívidas.

Pois bem. John Textor descobriu que nem tudo que contaram para ele era verdade. Se ele tivesse lido este espaço, teria entendido como funciona o futebol brasileiro, mas preferiu seguir outros caminhos. Agora quer mudar a lei, porque ela não é boa.

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C’mon! Ela nunca foi boa, caro Textor! Ela tinha pegadinhas e cascas de bananas que, em algum momento, chegariam aos clubes menos atentos.

Desde sempre estava claro que a única maneira de fazer o projeto da SAF funcionar sem riscos era agir de forma mais dura que a lei, fraca e incompleta desde seu nascimento. O ideal seria assumir todas as dívidas e colocá-las na conta de aquisição. Nem que para solucionar o problema fosse necessário pedir uma Recuperação Judicial na sequência.

Cair no conto do RCE era fácil. Tanto que clubes que não viraram SAF tentaram seguir por esse caminho. Brecha deixada na lei, que deixava parte do problema para a Associação, limitava o dano no fluxo de caixa da SAF e ainda deixava espaço para que houvesse investimentos na montagem de um time competitivo.

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Mas isso geraria uma dificuldade adicional ao projeto das SAFs, que é a atratividade do negócio.

Já disse várias vezes que as SAFs foram negociadas a valores muito caros. Tenho enormes dificuldades em visualizar retornos para os investidores a partir da simples boa gestão dos clubes. Isso porque alguns nem consideraram todas as dívidas nas contas. Se fossem obrigados a pagar tudo, talvez os negócios não aconteceriam.

Qual a chance de retorno ao garantir investimentos de R$ 400 milhões e ainda destinar 20% das receitas para pagar algumas dívidas? Numa conta simples, isso significa aplicar uns € 100 milhões em cinco ou seis anos. Posso garantir que, por esse valor, é possível comprar clubes em mais de uma liga na Europa, aportar recursos para que eles se desenvolvam e ainda triplicar o valor do investimento em cinco anos.

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Qual a chance de isso acontecer no Brasil? Pouca, seja porque ninguém sabe se haverá um mercado de negociação de clubes no futuro, muito menos como será a relação entre acionista e torcedores, à medida em que a única forma de fazer dinheiro for a negociação de atletas.

Lembram daquelas ideias de times fortes no Brasil? Esquece. Para essas estruturas que estão sendo montadas, o Brasil será sempre fornecedor de atletas – se não for, a conta não fecha. Ainda mais se a SAF tiver que bancar integralmente as dívidas das associações.

Recebo inúmeras ofertas para negociação de clubes no Brasil e na Europa. Ainda por esses dias, vi uma de um clube da Série B cujas premissas apontavam para números grandiosos daqui três ou quatro anos, com estabilização na Série A e receitas crescentes. Mesmo assim, além do valor de compra, o clube demandaria aportes de capital todos os anos.

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E esse cenário acontece num clube sem dívidas. Imagine num clube endividado, com pressão da torcida para ser competitivo e com o dono ainda tentando recuperar o dinheiro investido?

O grande problema de se criarem soluções mágicas e facilidades para que alguns negócios aconteçam é que, quando a realidade se sobrepõe à fantasia, a empolgação dá lugar à preocupação e ao desencanto. E pior, abre a possibilidade de estragar ainda mais algo que já é ruim.

Por exemplo, já surgiram ideias de “revisar” a Lei das SAFs usando como referência o horroroso projeto que competia com ela nas discussões no Congresso. A chance de retrocesso é enorme.

Isso assusta investidores, como já afastava aqueles que pararam meia hora para analisar os riscos jurídicos da Lei das SAFs. Exceto para casos como o Bahia-City Football Group, que assume integralmente as dívidas de um clube que era pouco endividado.

O mais importante aqui não é simplesmente acabar com a ideia das SAFs. Ao contrário, é aproveitar as coisas boas, como a questão fiscal e adaptar os pontos que nasceram tortos, criando um ambiente mais seguro para quem quer investir no futebol. Seguro porque abarca todos os interessados no tema e não corre o risco de mudar a qualquer momento.

Este é um movimento sem volta. Dá para criar alternativas para atrair investimentos, reestruturar passivos, buscar formas diferentes de tratar as dívidas e as gestões.

Mas ele tem que sair das rodas de conversas que só querem facilidades e ouvir quem quer um futebol novo e sustentável. Não é hora de retrocessos, mas de corrigir rotas para pavimentar um caminho seguro.

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Cesar Grafietti

Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti