SAF: entre o investidor estratégico e o financeiro

O futebol não é diferente dos outros negócios: há investidores financeiros e estratégicos. Mas precisamos começar a qualificá-los e diferenciá-los.

Cesar Grafietti

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Getty Images
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Outro dia estava num bate-papo com amigos e veio uma pergunta: se tivéssemos dez clubes brasileiros realmente dispostos a se transformarem em SAF e buscarem investidores, quantos investidores estratégicos qualificados existem no mundo do futebol capazes de transformarem os clubes brasileiros?

Toda pergunta é boa. Não há pergunta desnecessária ou inútil quando ela nasce de uma dúvida sincera ou da falta de conhecimento sobre algum tema. Esta, então, é uma pergunta pertinente neste momento. Mas precisamos de algumas linhas para desenvolver uma resposta justa.

Primeiro, precisamos separar os investidores em qualquer negócio em dois tipos básicos: os financeiros e os estratégicos.

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Financeiros são aqueles que aportam dinheiro em negócios maduros esperando simplesmente retorno financeiro. Podem até aportar alguma melhoria na estrutura do negócio adquirido, mas, essencialmente, está buscando retorno financeiro. É comum que sejam associados aos fundos de private equity, que compram empresas para fazê-las crescer e vende-las no futuro por um valor maior.

Os estratégicos são aqueles que, além de recursos, aportam conhecimento sobre o negócio adquirido. Eles agregam inteligência de gestão, aprimoram os modelos de negócios, supervisionam o dia a dia. Geralmente são empresas que já atuam no mesmo segmento do ativo comprado, como, por exemplo, uma rede internacional de supermercados comprando uma rede local.

No futebol, não é diferente. Há investidores financeiros e estratégicos. Mas precisamos começar a qualificá-los e diferenciá-los. Já antecipo que, ao final, teremos uma surpresa na conclusão.

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A primeira coisa que precisamos ter em mente num mercado como o brasileiro, que enquanto marketplace de negociação de clubes está apenas começando a se desenvolver, é que os investidores estratégicos estão na Europa.

Os mercados desenvolvidos, que apresentam as melhores estruturas de negócios, entendem que a liga de clubes é a alternativa necessária para o desenvolvimento do produto, compreendem de forma correta o uso do scouting e das ferramentas de gestão esportiva, veem o marketing como investimento e não como gasto. Enfim, todos que pensam o futebol como negócio, estão lá.

Logo, por mais que algumas pessoas tenham sonhos com o poderoso mercado norte-americano, que tem dinheiro, entende de ligas fechadas e seus esportes e vive numa realidade diferente do futebol, é na Europa que estão os destaques da indústria.

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Muitos investidores financeiros norte-americanos estão direcionando mais e mais dinheiro ao futebol europeu, o que confirma a ideia de que os estratégicos são europeus, uma vez que atraem prioritariamente investidores financeiros.

Se pensarmos nas quatro maiores ligas europeias que possuem clubes com donos – excluímos a Alemanha por conta da regra do 50%+1 que dificulta a presença de acionistas nos clubes – e analisarmos seus clubes, veremos que a maioria é composta por donos únicos ou grupos econômicos.

A maior parte dos clubes possui donos únicos. Numa boa parte dos casos, os chamados Multiclub Ownerships (MCO) são compostos por dois clubes, casos do Brentford, cujo clube-irmão é o dinamarquês Midtjylland, ou a Udinese, que tem no Watford o irmão controlado pela família Pozzo. Já Milan e Toulouse são irmãos controlados pelo fundo RedBird.

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Ou seja, quando falamos em investidores estratégicos, pensamos na capacidade que os acionistas têm de aportar “tecnologia” ao novo ativo.

Mas a maioria dos casos em que há esta troca é ainda feita por novos entrantes, que geralmente não operam nos mercados mais desenvolvidos.

É comum termos casos de fundos de investimentos que controlam equipes nas segundas e terceiras divisões das ligas europeias ou mexicanos que possuem equipes de menor expressão na Espanha e na América do Sul. Mas nada que justifique chamá-los de “estratégicos”. Estão mais para financeiros buscando oportunidades para negociar atletas.

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O desenvolvimento desse mercado está acontecendo. Por isso, ainda vejo que a Red Bull e o grupo City Football são os grandes estratégicos desse setor. Nomes como Eagle (de John Textor) e 777 Partners estão ainda na fase de estruturação dos seus negócios. Os mais antigos nesse mercado, como a família Pozzo, parecem comedidos em relação a uma expansão.

Nesse sentido, a possível consolidação desse mercado ainda está longe e demanda estratégias muito bem desenhadas para fazer com que o conceito de MCO faça sentido e não seja um amontoado de clubes. Além disso, falta mão-de-obra que possa aportar conhecimento e técnica aos mercados em expansão.

E aqui vale um parêntese: os mercados de futebol são muito diferentes entre si. Isto é muito claro dentro de campo e passa desapercebido para os torcedores quando o assunto é fora das quatro linhas. A relação com liga, federação, demais clubes, cidades, torcedores, patrocinadores, cultura: tudo isso influencia a gestão de um clube de futebol. Reconhecer esses aspectos é fundamental. Ter profissionais que saibam transitar por eles, também. Sempre amparados por orientações do investidor estratégico.

Por isso, o que vejo como um futuro próximo é o movimento de grandes clubes europeus em busca de oportunidades em mercados fora da sua origem. Imaginar o Liverpool, o Chelsea, a Juventus, o Milan, o PSG, o Real Madrid explorando novos mercados não é absurdo. E esses são os verdadeiros investidores estratégicos do futebol que, se chegarem amparados por investidores financeiros, podem fazer a diferença no Brasil.

Enquanto escrevo saem as notícias mais quentes sobre a negociação entre EC Bahia e City Football Group, sem dúvida um golaço dos baianos. A SAF do Cruzeiro conseguiu apresentar bons resultados, pois vem sendo gerida por estratégicos – profissionais do futebol comandados por Ronaldo. Já Botafogo e Vasco seguem em momentos diferentes sua transição.

O Botafogo está precisando de um ajuste de rota, natural dentro de um projeto de longo prazo, e o Vasco merece mais tempo, pois está em fase inicial – qualquer profissional que já transitou pelo mundo corporativo sabe que esses movimentos de turnaround são complexos e lentos. Não dá para esperar soluções mágicas.

Voltando enfim à pergunta inicial, a realidade é que não há uma grande quantidade de investidores estratégicos no futebol, neste momento. O que não significa que investidores financeiros sejam ruins.

O que fará a diferença para os clubes brasileiros é ver os financeiros amparados por profissionais qualificados e que conheçam o mercado, tanto o brasileiro como o global. Saber as limitações e se associar a quem ter conhecimento será fundamental para que as futuras SAFs brasileiras tenham sucesso.

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Cesar Grafietti

Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti