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A coluna desta semana começa com um exercício: vamos trabalhar com a ideia de que os clubes de futebol realmente deixam de ser associações e viram empresas. E essa transformação indica que todos os clubes precisam apresentar um business plan sustentável no longo prazo. Ou seja, devem mostrar que são viáveis como negócio. E, a partir daí, encontram um investidor, um novo dono.
O exercício não tem nada de revolucionário, pelo contrário. Qualquer plano de negócios tem como objetivo ser viável. Todas as análises de custos, receitas e investimentos são feitas de forma a encontrar a melhor equação que permita esta viabilidade. Ou não. Podem simplesmente mostrar que aquele negócio é inviável, seja porque os custos são incompatíveis com as receitas possíveis, porque os investimentos são muito altos para o retorno esperado – o famoso custo de oportunidade – de forma que, muitas vezes, ao final das análises, é melhor deixar o dinheiro no CDI que empreender em algo cujo retorno é menor.
Então temos um clube com seus 3 milhões de torcedores, conforme indicam as pesquisas nacionais, e está sediado numa capital. Tem história e conquistas, mas vive um momento ruim, com constantes idas-e-vindas entre as Séries A e B, muitas dívidas, receitas irregulares, depende muito da negociação de atletas para fechar as contas e precisa recorrer aos famosos atrasos salariais e ao não recolhimento de FGTS e Imposto de Renda referente aos salários dos funcionários, incluindo atletas.
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O exercício já começa a ficar mais realista. Esse cenário deve acontecer com vários clubes brasileiros, bastando apenas alterar a quantidade de torcedores e a localização.
Agora seguimos, adicionando o fato de que a torcida cobra títulos, os dirigentes da associação querem deixar seus mandatos com uma marca positiva na história do clube e justificam o cenário por conta do “amor ao clube” e respeito ao torcedor. Então, as contratações sem lastro financeiro e as diversas trocas de treinadores vêm para dar aquele fôlego que o clube precisava. Pena que não era para buscar o título, mas fugir do rebaixamento.
A partir desse cenário, e retomando a ideia do exercício, esse clube é viável? Qual a condição para sua viabilidade?
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O primeiro tema que precisamos ter em mente: receitas não dão em árvore, nem crescem de forma milagrosa. A viabilidade de um clube passa, portanto, pela capacidade dele se sustentar sem conquistar títulos nem precisar negociar atletas. Porque essas são receitas incertas, chamadas de “não-recorrentes”. Se você cair na armadilha do “precisamos investir e aumentar os gastos para sermos competitivos”, então já começou errado.
Sim, clubes com mais investimentos e capacidade de pagar melhores salários tendem a ter equipes mais competitivas. Mas destaco a palavra “capacidade”. Não basta querer, é preciso conseguir fazê-lo. Gastar contando com receitas incertas no futuro é um dos caminhos mais óbvios para que o clube não seja sustentável. Porque o futebol não é um negócio exato, no qual basta comprar uma máquina nova que você já sabe quanto ela produz, qual a economia e qual o resultado que permitirá pagar pelo investimento.
Investir antes esperando o acontecimento positivo é ignorar que existem outros 19 clubes fazendo o mesmo – e muitos deles com capacidade maior que a sua.
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Então temos uma questão a ser resolvida: quais meus custos e investimentos máximos possíveis a partir da receita que eu tenho alguma autonomia de gestão? Pronto. Já ficou melhor. Mas ao fazer as contas é possível que se perceba que, com os recursos disponíveis, o clube não tem mais R$ 150 milhões para investir e bancar a conta anual: o disponível é de R$ 80 milhões.
Agora o novo dono olha e fala: “Com esse valor fica difícil competir. Já não dá mais para brigar pelo título. No máximo, dá para conseguir uma vaga na Copa Sul-Americana”. Bem-vindo à realidade. Aquele clube que era mais ou menos competitivo também atrasava salários, não recolhia encargos e tributos, não pagava dívidas com outros clubes. Ele competia sem ter dinheiro para tanto. Por isso, foi deixando um rastro de problemas pelo caminho.
Mas calma. Ainda não terminamos. Porque esse mesmo clube tem um montante elevado de dívidas, boa parte delas fruto de anos e anos de atrasos nos pagamentos. E elas se transformaram em diversos acordos. E essa dívida demanda pagamentos anuais da ordem de R$ 20 milhões, sem contar os acordos que ainda precisam ser feitos pelo novo dono. Afinal, onde tem dinheiro os credores aparecem. Portanto, daqueles R$ 80 milhões que haviam sobrado, na verdade, a disponibilidade é de R$ 60 milhões. Agora nem a Sul-Americana dá para ter como expectativa. O objetivo passa a ser permanecer na Série A, porque, se o time cair para a Série B, esses R$ 60 milhões viram R$ 30 milhões.
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Aquele novo dono agora já pensa em desistir do negócio. Porque a viabilidade desse clube começa a ser colocada em dúvida. Aquele valuation “Mandrake” feito por alguém que usou as premissas erradas e levou em consideração marcas, troféus, valores de atletas irreais e um engajamento de torcedor que nunca existiu dizia que o tal clube vale R$ 500 milhões. Afinal, ele tem milhares de seguidores nas redes sociais. Basta lançar um token e gerir essa massa ávida por relacionamento que o dinheiro aparece.
Como diz uma daquelas figurinhas do WhatsApp: “Extra! Extra! Mais uma pessoa enganada!”.
Fechamos nosso exercício com uma constatação: muitos clubes no Brasil são inviáveis se considerarmos a condição atual deles. E não será simples, nem rápido, transformá-los. Primeiro porque há um enorme e doloroso trabalho de reestruturação de passivos, estrutura e gestão antes de pensar em colher algum fruto. E isso passa pela necessidade de todo mundo ser paciente, especialmente o torcedor, mas também alguns amigos jornalistas, que cobram contratações e reforços num dia para criticar o clube porque atrasou salários no dia seguinte.
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Depois, será preciso redimensionar o tamanho e as possibilidades esportivas de boa parte desses clubes. Um clube pode ser viável faturando R$ 100 milhões, mas certamente ele não será capaz de brigar efetivamente pelos títulos das competições que disputará. Porque o que ele disputa hoje está lastreado em vento: dívidas e não em receitas. Dá para fazer coisas interessantes com boa gestão esportiva, com diretores esportivos competentes, que trabalham de maneira moderna e seguindo modelos europeus, mas não dá para sonhar em vencer o campeão da Champions League.
Esse cenário traz alguns temas para debate. O primeiro é o do desespero: os dirigentes precisam se agarrar em algo para se manterem competitivos. Então surgem ideias “brilhantes”, como pedir novas ajudas para o governo incentivar o futebol, mas deixando que a atual estrutura societária se mantenha gerindo o clube. O segundo é o da mudança de poder competitivo, que já tenho falado e está claro para muitos torcedores: clubes regionais organizados tendem a ocupar o lugar que antes era de clubes de grande torcida.
Temos um problema? Depende. Enquanto os clubes não entenderem que precisam de grandes ajustes e realismo na gestão, sim, temos um problema. Não dá para ser competitivo sem ser viável, pois isto é momentâneo, vira risco no médio prazo. Ainda vemos muitos clubes distantes dessa realidade, por mais que a qualidade de gestão tenha melhorado nos últimos 10 anos.
O futebol tem viabilidade, mas vai dar trabalho alcançá-la.