Os caminhos para a mudança do futebol brasileiro

Nunca tivemos um momento tão propício à mudança que o futebol brasileiro precisa. Precisamos apenas trabalharmos em conjunto para que as transformações ocorram

Cesar Grafietti

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(Getty Images)
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Para quem teve acesso ao Relatório Convocados/XP, um dos tantos temas abordados foi uma análise sobre as necessidades de evolução que o futebol brasileiro precisa apresentar se quiser encontrar o caminho da relevância no longo prazo.

Listamos cinco movimentos necessários para essa transição do modelo quase-profissional para um modelo efetivamente corporativo. Por “corporativo” não significa necessariamente que os clubes precisem virar empresa, mas sim se comportar como tal. Em outras palavras, é a criação de uma indústria stricto sensu.

Os movimentos necessários são:

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Explorando um pouco mais, o Caderno de Licenciamento é uma evolução que já está em curso, capitaneada pela CBF, e que tem possibilitado evoluções importantes em termos de estrutura e infraestrutura dos clubes da Série A.

Não há críticas ao conceito. Mas o futebol brasileiro precisa de uma aplicação ampla para separar profissionais de amadores, o que não é fácil num ambiente político.

O Fair Play Financeiro, que está sendo corretamente renomeado para “Sustentabilidade Financeira do Futebol”, é um modelo que já vinha sendo testado no Brasil pela CBF, mas que nunca conseguiu ser implantado de fato. O motivo é a resistência dos clubes.

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Fui responsável pela criação de um modelo robusto e completo, que possibilitava colocar os clubes nos trilhos. Alguns até passaram a seguir a regras de maneira interna. O processo está em reorganização e espero que possa ser colocado em prática, numa versão “light” que discuti com a entidade. Mas ele é fundamental para que tenhamos estruturas financeiramente saudáveis no desenvolvimento do esporte.

A Liga de Clubes é uma ideia que vai e vem. Parecia que ela estava pronta para seguir um caminho seguro. Mas ela tem divisões que ficam escondidas atrás das discussões sobre divisão de direitos de transmissão e que, na prática, são velhos atritos entre dirigentes e parceiros. A solução é “zerar” a conversa e trazer gente que não tem história, nem histórico, com o debate, de forma a gerar uma construção independente. Não tenho dúvidas que teremos uma liga. Mas a Lei do Mandante possibilitou que criassemos o pior inimigo dos clubes: a divisão.

O calendário está mais para uma solução da liga do que para uma mudança anterior a ela. Precisamos repensar os campeonatos estaduais, transformá-los em competições de entrada – 5ª, 6ª, 7ª divisões – e limitá-los ao Sub-23, com exceções. E deixar que uma fase final seja disputada no início da temporada pelos clubes das Séries Nacionais, a título de pré-temporada.

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Do jeito que está, consumindo mais de três meses do calendário, os estaduais sufocam os clubes. Sem falar na Copa do Brasil, que deveria deixar os clubes de séries nacionais entrando ao longo do tempo e distribuindo mais dinheiro para os menores e menos para os finalistas.

Falemos então de clubes-empresa.

Sim, já evoluímos bastante ao possibilitar a chegada das SAFs. Se elas não são a solução de todos os males, e nem servem a todos os clubes, ao menos temos a possibilidade real de termos clubes fora do sistema associativo.

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Sei que os chatos de plantão dirão que já era possível ser empresa. Mas basta o mínimo de honestidade intelectual para saber que a questão tributária inviabilizava a escolha. Então, passamos a ter a possibilidade dos donos.

Os primeiros chegaram fazendo barulho aos clubes que precisavam mudar para não acabar. Mas a segunda onda tende a ser mais lenta, especialmente nos clubes de Séries A e B. O que temos visto é uma mudança mais forte nas divisões estaduais, com clubes começando suas atividades como SAF, ou a transformação de associações em SAF para regularizar situações nas quais o clube já tinha um dono informal ou algum acordo com agentes. Ótimo, pois assim formalizamos as estruturas.

O fato é que não há investidores em abundância neste momento. Exceto por mais uma ou duas operações prestes a sair, não existem tantos “investidores estratégicos” – e os fundos americanos estão mais interessados em mercados maduros do que desbravar o Brasil. A Lei da SAF ainda é nova e os dirigentes ainda resistem em abrir mão do poder secular. Natural que demore. Mas quem começar o processo antes chega mais bem preparado para a próxima onda.

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Agora, vemos falácias aqui e ali por parte dos detratores da SAF. Natural, pois é gente que corre o risco de deixar de ser influente numa associação para se transformar em mero torcedor.

Essas pessoas costumam dizer que “o investidor pode ter interesse desalinhado torcedor”, numa ideia de que o investidor quer lucro e, o torcedor, títulos. Como se os dirigentes amadores e abnegados estivessem alinhados aos torcedores.

Primeiro que o dirigente pode querer títulos, mas a forma costuma ser atabalhoada e ineficiente, a ponto de deixar clubes na penúria, que foram e serão obrigados a encontrar alguém que os salvem.

“Alinhamento de interesses” não pode ser apenas em relação aos títulos, mas à sustentabilidade dos clubes. É importante ganhar hoje, mas é fundamental seguir torcendo daqui dez, 15 ou 30 anos.

O outro ponto é a falácia de que o investidor quer saquear o lucro dos clubes e receber gordos dividendos. “Pelamor”! Total falta de entendimento de como funciona a indústria. Ninguém compra clube para retirar dinheiro. O retorno de um investimento em clube vem de comprar o ativo numa condição frágil, melhorá-lo e vendê-lo com mais receitas. E isso só acontece se o clube for bem, à medida em que isso traz mais dinheiro de performance, publicidade, bilheteria. O investidor quer que o time vá bem. Tirar dinheiro o enfraquece!

“Ah, mas olhe o Manchester United e blá blá blá…”. Quem usa esse exemplo está pegando um caso e o transformando em regra. Se perguntarem mais dez clubes relevantes que tiram dinheiro por meio de dividendos ninguém dará novos exemplos – porque eles não existem. Mas se fizer um esforço mínimo e procurar clubes que recebem aportes generosos dos donos para fechar suas contas e contratar atletas, encontrará vários. Ou seja, é conversa de quem está querendo se agarrar ao poder.

Mas virar empresa não é solução para todos e nem ter dono único é a alternativa. Basta não ter preguiça e procurar alternativas, que vão desde a aplicação de governança clara nas associações que pretendem seguir assim, até a escolha de modelos de capital aberto, com presença do torcedor no controle e criação de fundações que tragam o sócio para o negócio, garantindo a cultura esportiva do clube.

A verdade é que nunca tivemos um momento tão propício à mudança que o futebol brasileiro precisa. Os movimentos necessários são claros e muitos já estão em curso. Precisamos apenas trabalharmos em conjunto para que as transformações ocorram. Não será rápido, mas não pode ser lento demais. Precisa de um ritmo e um objetivo, que não pode ser diferente de transformar o futebol brasileiro num produto interessante.

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Cesar Grafietti

Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti