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A última semana trouxe um pouco dos desafios “burocráticos” da implantação de uma liga de clubes de futebol no Brasil. O processo é muito mais complexo do que simplesmente pensar em um calendário e em receitas com venda de direitos de transmissões.
Tratar desses temas e da parte visível é sempre mais fácil, agradável e chama mais a atenção. Mas sem pensar a estruturação do negócio, é como se o rabo abanasse o cachorro.
E, convenhamos, o rabo já começou a sacudir o bicho. Nesta semana, tivemos o andamento em caráter de urgência do PL do Mandante, que é a volta da MP do Mandante numa roupagem diferente, ou seja, através de um projeto de lei e não de uma medida provisória.
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Pois bem, todo mundo sabe que o que faz a diferença para uma boa negociação e valorização dos direitos de transmissão é a negociação coletiva deles. O PL do Mandante trata do tema secundário, a posse dos direitos, sem que tenha sido organizada a conversa de negociação coletiva, das competições.
E não é à toa que isso deve sair antes da liga, pois, assim que for aprovado, tira uma pressão nas negociações da liga entre os clubes. Faltou um complemento no PL: direitos são individuais, mas devem ser vertidos para o organizador negociá-los coletivamente.
Num modelo genuinamente construído para que os negócios sejam feitos coletivamente, o modelo de posse dos direitos é irrelevante. Mesmo na condição atual – que é uma aberração à brasileira – seria possível negociar tudo em conjunto, fatiando a venda e transmissão da mesma forma que se faz nas ligas competentes. Com o PL aprovado, não será surpresa se a formação de liga esfrie.
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Na construção da liga brasileira é preciso separar um pouco as narrativas. A liga sozinha não vai mudar a cara do futebol brasileiro, pelo simples fato de que ela é capaz de fazer evoluir apenas algumas partes da indústria. Por exemplo, como dissemos, na capacidade de negociar os direitos de transmissão de forma eficiente. Para isso é preciso abrir mão da individualidade, ou a liga será um mero escritório burocrático que prepara calendários.
Mas não é a venda de direitos que fará o futebol triplicar suas receitas. O valor não está nos direitos, mas no produto que se oferece, que são os jogos. Daí que vem a narrativa mais estranha: o problema do futebol brasileiro está no que se vê em campo. Mas, novamente, temos a ideia de que basta criar uma embalagem bacana para podermos fazer dinheiro rapidamente, afinal, nosso futebol só está escondido.
Bonito discurso, mas a prática é outra. A liga portuguesa é profissional e pouca gente vê além de Portugal. A Liga MX no México está ao lado dos EUA, com um enorme mercado consumidor em crescimento, e não consta que seja um grande sucesso financeiro. Pelo contrário, os clubes são grandes caixas-pretas privadas, pouco ou nada transparentes, e teve que usar de artimanhas como suspender o rebaixamento ou tratar de uma fusão com a MLS para tentar se tornar mais interessante.
Dizer que precisamos vender nossos direitos no mercado internacional também é uma grande sacada, mas tirando as 5 grandes ligas europeias, ninguém vende seus direitos de forma relevante. Tanto é que recentemente vimos um movimento de 10 ligas de 3º e 4º escalões da Europa se juntando para vender pacotes internacionais por € 17 milhões para 3 temporadas, conforme noticiou o jornalista Rodrigo Capelo no Redação SporTV. Por quê? Porque ninguém quer ver o campeonato da Letônia ou da Suíça. E por quê? Porque o futebol praticado é frágil quando comparado às maiores ligas.
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Um dos grandes desafios do mundo corporativo é saber trabalhar com a expectativa correta. Orçamentos bem calibrados garantem expectativas justas, e expectativas justas diminuem frustrações. Sempre falo da equação da Frustração – (Frustração = Expectativa – Realidade) – e o futebol ainda está longe de entender esse conceito básico. Acreditar que basta formarmos uma liga, padronizarmos meia dúzia de informações e conceitos – do número das camisas aos caracteres das transmissões – e pronto! temos um produto que o mundo consumirá. Nada.
Não basta enfeitar o produto para que ele passe a ser bom. Recomendo fazer uma pesquisa de campo: apresente o Campeonato Brasileiro a qualquer torcedor europeu médio e veja o que acham das partidas. Posso dizer por que fiz isso. O resultado não é bom, especialmente para os mais jovens.
E isso me lembra de outra falácia: precisamos mudar a forma de falar com os jovens, transmitir jogos em redes sociais, usar o Twitch e um cara engraçadinho transmitindo. Bacana, mas tudo isso é estratégia para vender produto ruim, igual festa infantil que precisa de monitor para entreter a molecada.
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A liga de clubes não vai mudar a cara de um produto ruim. Por isso precisa ser tratada de forma estrutural, passando necessariamente por um movimento de reconstrução do jogo no Brasil. A França se tornou a liga das revelações porque houve uma grande revolução no modelo de formação de atletas, assim como a Premier League passou a revelar mais jovens porque o modelo de formação também foi alterado.
Quer ver outra narrativa interessante? “O futebol brasileiro não pode viver de vender seus atletas”. É verdade. Mas são os dirigentes que fazem isso para tapar os buracos que eles mesmos criam! Se todo mundo trabalhasse dentro de suas realidades não seria necessário vender atletas. Quer ver outra coisa?
Segundo estudo do Itaú BBA que conduzo anualmente, os 25 clubes de maior relevância financeira no Brasil negociaram em 2020 o equivalente a € 224 milhões. O Real Madrid fez € 101 milhões em negociações na temporada 2019/20. Só o Real Madrid vendeu 45% do que o Brasil negocia, e nem foram atletas de primeiro nível. Vender atletas faz parte da dinâmica do negócio, mesmo para clubes globais de ligas de ponta. A liga não vai mudar isso.
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“Ah, então a liga não serve para nada?”. Calma lá. Serve e muito. Mas tem toda uma construção que precisa ser feita. Se somarmos o que trouxe na semana passada com as linhas que rabisquei acima, me parece bastante claro que o processo será lento e precisa ser construído de forma ampla e com a expectativa correta. Veja alguns números da Premier League:
Esses números representam as receitas diretas da liga, representadas na parte “Mundo” por direitos de transmissão internacionais, e na parte “UK” por direitos locais e publicidade.
Em 2020 há um efeito similar ao que vimos no Brasil, quando parte das receitas foram postergadas para o ano seguinte. Mas note que os números crescem em ondas.
Houve um salto pequeno em 2001, outro aumento em 2008, depois apenas em 2014 e uma nova onda em 2017. Mas o crescimento enquanto liga foi lento. E uma parte dele está associado ao desenvolvimento de marketing e venda de ingressos dos clubes, que vai além da liga.
Se tomarmos como referência este desenvolvimento, aplicando ao cenário do futebol atual, os desafios de crescimento são grandes, pois há menos players dispostos a pagar por direitos – as empresas de streaming fazem conta e investem pouco no cenário internacional – ainda que existem mais players dispostos a entrar no futebol.
De outro lado talvez seja possível melhorar as receitas com PPV se reduzirem os valores e acessarem mais assinantes, além de repartir o bolo de forma diferente.
Mas isso tudo são hipóteses, que podem levar anos para atingirem uma maturidade que a simples menção à palavra “liga” faz todo mundo sonhar com cifrões cada vez maiores.
Se há um desafio importante na construção de um modelo sólido, estruturado, profissional, há outro tão grande quanto que é ter e apresentar as expectativas corretas. Uma parte da solução pode vir através da liga, que deve se empenhar em desenvolver algo além do calendário e da venda de direitos de transmissão, chegando ao desenvolvimento do jogo.
Mas passa necessariamente pela evolução nas gestões dos clubes, que precisam ser cada vez mais profissionais, menos políticas e mais estáveis. E por mudanças na legislação trabalhista, fiscal, das regras de controle acionário.
Dá para construir algo incrível, mas é preciso uma mudança estrutural e profunda, alinhada à expectativa correta.
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