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Começou a temporada de demonstrações financeiras dos clubes brasileiros de futebol. É uma época de enorme trabalho para entender o que aconteceu com as finanças do futebol brasileiro em 2021. E, pelo que tenho visto, há boas e más notícias.
Não vou entrar em detalhes, nem citar clubes, porque estou no chamado “período de silêncio”. Entre o final de maio e o início de junho, teremos o “Relatório Convocados + ? : Finanças, Mercado e História”, apresentando as análises que vão além do empilhamento de dados que vocês encontrarão por aí já no início de maio. O “?” do título é porque o relatório terá casa nova, que em breve será divulgada.
O processo de formatação das análises é bastante complexo. Não basta encher uma planilha com informações publicadas nos balanços. É preciso depurá-las, reclassificá-las e compará-las dentro de cada clube – e com outros clubes. E ir além dos famosos rankings, que geram “likes”, mas dizem pouco quando publicados sem a análise correta.
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Alguém pode perguntar se a publicação não é suficiente para tirarmos conclusões ou se as explicações que os clubes dão não deveriam ser aceitas como verdade e pronto. Pois bem, essa noção é mais velha do que andar para frente. Os dirigentes costumam se utilizar desse artifício para defender seus feitos e questionar quem apontou outra direção.
As respostas são “não” e “não”. Contabilidade e análise financeira são duas coisas diferentes.
A contabilidade tem seus critérios de registros de informações financeiras. Mas, para avaliar a condição financeira, é preciso fazer os ajustes, seja excluindo aspectos não operacionais das receitas e custos, seja ajustando as dívidas de forma a observar o que efetivamente precisa ser pago pelo clube, além de entender como isso será feito.
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Sem contar que temos ao menos quatro peças que conversam entre si – balanço patrimonial, demonstrativo de resultados, fluxo de caixa e quadro de mutações do PL – e um monte de notas explicativas. É sério que alguém acha que basta tabular números e acreditar no dirigente?
Essa não é uma peculiaridade dos clubes de futebol. Acontece a mesma coisa nas empresas de capital aberto. Elas publicam trimestralmente seus resultados e, junto, vem sempre um relatório com uma série de cálculos e explicações. Depois disso, elas fazem conversas com os analistas de mercado. Ainda assim, cada um vai para frente do seu computador e reavalia tudo, recalcula de outras formas e sob outras perspectivas. Algumas empresas podem até reclamar, mas não é nada comparado ao exagero passional dos dirigentes de futebol.
Mas eu disse que há boas e más notícias. Pois bem, as boas é que alguns clubes apresentaram boa evolução dos números, recuperando o resultado ruim de 2020. Natural que fosse assim, pois algumas receitas de 2020 foram postergadas para 2021. Para os que souberam usar o período da pandemia para ajustar custos e ainda utilizaram bem as receitas adicionais, o ano foi bom.
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Agora, as más notícias são a repetição de alguns velhos comportamentos que não mudam. Aliás, apesar da pandemia e de tantos exemplos como os do Cruzeiro, muitos dirigentes seguem a cartilha do erro: não aprenderam nada, não esqueceram nada.
Dívidas que seguiram crescendo, outras que se mantiveram estáveis, mas na estratosfera. Alguns até garantem que reduziram suas dívidas e mostram isso como troféus. Mas em percentuais tão irrisórios que não valeriam nem um diploma de Honra ao Mérito.
A ideia é sempre a mesma. E o caminho para o desastre costuma seguir sempre o mesmo mapa:
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– Prometa a austeridade quando eleito, dispense alguns atletas, reduza contratações e mostre algum número que indique redução de dívidas ou custos;
– Os resultados não virão, porque geralmente falta o pilar da boa gestão esportiva (desenvolvimento de cultura esportiva, governança, equipes técnicas qualificadas, diretos esportivos competentes, scouting efetivamente utilizado);
– Daí muda-se o caminho. E, com a pressão da torcida e da imprensa (a mesma que elogiou a austeridade passa a cobrar reforços), agora é hora de investir. Tem que contratar, reforçar o elenco, porque, com isso, o haverá melhor desempenho. E daí, aumentam as receitas de premiação, a bilheteria, tudo;
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– O problema é que, nesse caminho, gasta-se na frente e depois busca-se o dinheiro para pagar a conta. Nessa hora é fácil cair no conto do patrocinador que vai pagar a conta e ignorar que, na sua frente, há umas três ou quatro equipes mais bem qualificadas, estruturadas e equilibradas, que conseguirão melhor desempenho. Resultado: plano frustrado.
– Pede ajuda ao app de localização e ele responde dizendo: “negocie uns atletas”. Pois bem, isso funcionava bem até há uns três ou quatro anos. Hoje, não funciona mais. Os europeus contratam menos, são mais criteriosos, pagam menos e a dica usual já não funciona. Inclusive porque os contratados não estão rendendo. Então, tem que usar a base para ajudar a salvar o clube e, se vendê-los, faltará qualidade em campo;
Então, temos os bônus ao longo do caminho: dívidas com agentes que são implacáveis na hora de cobrar; com outros clubes que viram problema junto à Fifa; rescisões de contratos milionários, e que mostram como a gestão do futebol no Brasil é pouco interessada no controle do dinheiro.
Vem daí também a rejeição ao sistema de fair play financeiro.
No final, como o caminho é longo e tortuoso, poucos querem trilhá-lo. E, para muitos clubes, a situação é tão complexa que apenas com a operação tradicional não será possível se recuperar. O resultado disso é que aquele abismo entre organizados e desequilibrados vai aumentar. Claro que a aleatoriedade do futebol – a bola entra por acaso, sim senhor – dá um respiro aqui e outro ali – conquistar um Estadual, chegar num semifinal de copa – mas aquela realidade da chance de conquista grande e sustentável já era.
Ao torcedor que chegou até aqui, espero que seu clube esteja claramente entre os organizados. Porque, para os outros, a solução é um bom chá de camomila.