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Na semana passada o tema foram as cidades-sedes. Nesta semana, dando sequência ao tema Copa do Mundo, gostaria de falar sobre o “legado a Copa”.
Quando um país se candidata a sede de uma competição grandiosa como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, uma das principais teses que justifica a adesão ao pleito é “o legado” (as melhorias estruturais que o país terá por conta de abrigar uma competição que movimenta milhões de pessoas em um curto período).
Para os Jogos Olímpicos costuma ser uma chance de evolução de uma cidade, enquanto as Copas do Mundo afetam várias sedes. Tudo aquilo que governos deveriam fazer de forma organizada, como infraestruturas viárias, transporte público e aeroportos, mas que sempre ficam em segundo plano, viram necessidades instantâneas. Se adicionarmos os estádios e instalações, temos um verdadeiro pote de ouro em termos de interesses financeiros e econômicos.
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Agora, observando o histórico recente de competições desse porte, onde e quais foram os legados relevantes que tivemos? Essa conversa de “legado” é real ou apenas uma embalagem bonita para vender um produto supérfluo?
Talvez o caso dos Jogos Olímpicos de Barcelona tenha sido a grande marca em termos de legado. A cidade viu acontecer uma revolução a fórceps, com reestruturações relevantes em várias regiões e construções que foram além das instalações olímpicas — e que posicionaram a cidade no mapa das cidades mais visitadas do mundo. Não que fosse uma mera desconhecida, mas há documentação suficiente que mostra o antes e o depois da cidade.
Na sequência, talvez possamos dizer que Londres foi uma cidade que teve bons resultados, ainda que já partisse de uma base mais bem estruturada. O Rio de Janeiro teve altos e baixos, com melhorias pontuais em transporte público e a revitalização parcial de algumas regiões, mas uma série de instalações que ficaram subutilizadas, inclusive a rede hoteleira e as moradias.
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Tóquio investiu muito e com retorno negativamente impactada pela pandemia, e teremos Paris em breve. A ver se há algum legado que a Cidade Luz possa apresentar.
Legado da Copa no Brasil
Quando pensamos em Copa do Mundo a coisa muda um pouco de figura.
Antes, o que é legado? De maneira mais comum, a ideia de legado é quanto de melhorias infra estruturais o país-sede passa a ter após a realização da competição. Mas vamos que não é só isso.
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Pensando no conceito mais comum, avaliar o legado significa fazer uma relação custo-benefício-prioridade-tempo de execução. O fato de a Copa do Mundo ser disputada em várias cidades já traz uma complexidade de gestão, mas também permite espalhar os benefícios.
Copas disputadas em países estruturados demandam menos correções e melhorias; quando vão para países em desenvolvimento, acabam geram oportunidades. No Brasil, tivemos um excesso de sedes, com construção de estádios em regiões de pouca demanda – Manaus, Brasília, Cuiabá e Natal, por exemplo – e outras que ficaram subutilizadas, como Pernambuco.
Uma das situações mais estranhas foi a sede de São Paulo, pois desenvolveram um projeto de metrô para atender o estádio do Morumbi e posteriormente transferiram a sede para a atual Neoquímica Arena — atrasando o projeto de infraestrutura, que saiu anos depois.
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EUA 1994 e Alemanha 2006
Independente disso, podemos também entender o legado de uma Copa do Mundo sob outras perspectivas. Vamos falar dos Estados Unidos em 1994 e da Alemanha 2006.
Fazer uma competição de futebol nos EUA em 1994 foi um grande desafio. Até que ponto o esporte, que era muito praticado por jovens, mas tinha baixíssimo interesse de quem banca a conta, seria um sucesso (inda mais em um país cujo legado físico era quase irrelevante, visto que a infraestrutura e os estádios estavam prontos)?
Pois bem, o legado veio de outra forma. Primeiro, foi um sucesso turístico, com torcedores circulando o país durante o período da competição. A primeira Copa com sedes itinerantes trouxe uma nova possibilidade logística. Mas o melhor efeito foi despertar o interesse do público e de investidores a ponto de ser o pontapé inicial da MLS.
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Podemos até discutir o motivo de a liga americana ter adotado uma estratégia de desenvolvimento mais lento, com menos aporte de recursos, mas é inegável que se transformou em um negócio interessante. Mesmo sendo tecnicamente pouco atraente, cresce em qualidade continuamente, a ponto de deixar de ser destino de aposentados e levar jovens promessas e atletas em fase competitiva. Tudo graças à Copa de 1994, de boas lembranças para nós.
Se seguirmos no tempo e chegarmos à Alemanha de 2006 veremos outro tipo de legado: o orgulho e a abertura cultural. A Copa de 2006 foi um momento de despertar do povo alemão. Mesmo tendo sediado os Jogos Olímpicos em 1972 e Copa em 1974, sempre houve uma ideia de um povo frio e pouco receptivo.
Mas a Copa de 2006 muda completamente a forma como os alemães recebem os torcedores de outros países, e como eles mesmos se soltam em direção à sua seleção, sem amarras e medos de um período esquecível da humanidade. O legado para o alemão não estava nas obras, desnecessárias, mas na capacidade de pertencer ao mundo e não mais se isolar dele (nem se sentir culpado de nada).
Benefícios indiretos da Copa
Deixe-me voltar ao Brasil. Ainda que nosso legado tenha sido mais ou menos em termos de infraestrutura, não dá para dizer que a Copa de 2014 fica apenas marcada por aquela fatídica semifinal. Há dois aspectos que gostaria de trazer como legados: desenvolvimento de profissionais e do futebol em algumas regiões.
A Copa foi o primeiro grande evento esportivo no Brasil em anos. Precisamos lidar com as demandas da Fifa, a construção de estádios, a reforma de outros, a gestão dessas instalações, logística, organização e marketing. Passamos com louvor nesse teste e hoje temos um nível mais elevado na qualidade dos profissionais do futebol em diversas áreas fora de campo, a ponto de muitos terem seguido para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro e para fora do Brasil, participando das Copas do Mundo da Rússia e agora do Catar na gestão. É um legado oculto, mas importante.
Outro legado pode ser visto em cidades como Curitiba e Fortaleza. Ainda que o Athletico Paranaense já fosse uma estrela em ascensão, a finalização da Arena da Baixada permitiu ao clube uma aceleração no processo de desenvolvimento. E o que dizer de Fortaleza e Ceará? Desde a reinauguração de um Castelão moderno, os clubes cearenses se tornaram muito mais competitivos, acessaram de forma mais eficientes seus torcedores, e elevaram sua capacidade esportiva.
A queda do Ceará par a Série B na próxima temporada não muda esse cenário, especialmente porque teremos o Fortaleza novamente na Libertadores. Teria sido possível esse renascimento e fortalecimento dos clubes cearenses sem um Castelão que acolhesse bem seus torcedores? Não sei, mas sei que funcionou.
Legado é algo importante em uma Copa do Mundo, mas não se traduz apenas em tijolo, ferro e cimento. Francamente, no momento em que o mundo vive, é melhor mesmo que tenha o menor custo possível, pois no final o objetivo é uma grande diversão. Agora, se puder deixar algo a mais para alguém, será ainda melhor.