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Chegamos às semifinais da Copa do Mundo. Infelizmente ficamos pelo caminho. Como de costume, não vou analisar nada relacionado ao aspecto de jogo, porque, como analista de futebol, sou apenas um curioso palpiteiro. Deixo isso para os especialistas, irritando apenas os mais próximos com minhas avaliações técnicas e táticas.
Quero aproveitar as semifinais para trazer um tema importante na construção de um clube de futebol, e que no Brasil costuma ser solenemente ignorado: a definição do DNA Esportivo.
Parece bobagem, mas o DNA Esportivo de um clube é a base de construção de uma governança de gestão esportiva que trabalha para diminuir os erros de formação de elenco e que, no final, operam para dar maior eficiência ao uso do dinheiro de um clube.
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O DNA Esportivo é, numa definição simplória, a forma como um clube pratica sua atividade core, ou seja, o perfil de jogo que se quer em campo. Não é a formação tática, mas a postura em campo. A partir disso, se constrói a ideia de formação de base e, especialmente, a formação do elenco principal.
A definição do DNA Esportivo passa pelo entendimento entre o que pensam e desejam os torcedores e pelo que os dirigentes ou acionistas esperam do time em campo, não apenas para a temporada, mas como conceito de jogo.
Uma equipe que joga de maneira propositiva precisa de atletas que se encaixem a esta ideia, comandados por um treinador que a pratique. Esse conceito nos ajuda a entender o porquê de os clubes europeus trocarem pouco de treinadores e de atuarem com número limitado de atletas no elenco. Não precisa ter 50 atletas se com 25 e formados na base é possível ter as opções necessárias.
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O que isso tem a ver com a Copa? Um conceito e um exemplo.
O conceito é de que uma seleção é formada pelas escolhas de um treinador. A partir do que o treinador pensa e propõe nasce o DNA da equipe e suas convocações devem atender a isso. Por vezes não entendemos algumas escolhas, mas elas nascem desse conceito.
O exemplo de como isso funciona na prática de um clube é o atacante francês Olivier Giroud. O atacante de 36 anos faz uma Copa do Mundo inusitada, de certa forma. Seria reserva de Benzema e já está em fase final de carreira. Mas com a contusão do melhor do mundo na temporada virou titular, se tornou o maior artilheiro da seleção francesa e, de quebra, fez o gol que garantiu a vitória contra a Inglaterra.
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Para falar do DNA Esportivo voltaremos um pouco no tempo. Até a temporada 2020/21, Giroud era atacante reserva do Chelsea, depois de ter feito várias temporadas no Arsenal. Ao final do seu contrato com a equipe inglesa, surgiu uma oportunidade improvável: jogar no Milan. É aqui que começamos a falar sobre o DNA.
Em outras colunas, já comentei sobre a chegada do Fundo Elliott ao Milan em 2018. Mas, resumindo, um ano após assumirem o clube houve uma grande reformulação e a implantação de um planejamento que tinha como base desenvolver um novo DNA Esportivo, aproximando o conceito de jogo da equipe do que se praticava em outras ligas.
Na Itália, se fala muito da fragilização das equipes locais em contexto continental em função do futebol local não ter evoluído ao ritmo, intensidade e estilo de jogo como fizeram ingleses, alemães e mesmo franceses e espanhóis.
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A base pensada pelo fundo era ter uma equipe jovem, com atletas de grande potencial de desenvolvimento, ancorada num zagueiro e num atacante experientes.
Para a zaga foram buscar o dinamarquês Kjaer que, além de capitão da seleção de seu país, já havia jogado na Alemanha, Espanha, Turquia e na própria Itália. Para o ataque, a escolha foi repatriar o veteraníssimo Ibrahimovic. Isso permitiu maior segurança defensiva e uma referência de ataque que ajudou o clube a chegar ao vice-campeonato de 2020/21.
Mas, ao longo da temporada, as contusões de Ibra mostraram que sua ausência criava fragilidade na equipe, de forma que, para manter a estratégia, os dirigentes contrataram Mario Mandzukic, que seria o reserva mantendo a ideia de ter um centroavante experiente e de referência. Acabou não funcionando, porque o croata se contundiu e pouco atuou.
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Pois bem, para a temporada 21/22 foram buscar Giroud. Reserva no Chelsea, encerrando a carreira, o atleta chegou para ser o que chamam na Itália de “vice-Ibra”, ou seja, quem ocuparia o lugar de Zlatan quando ele não jogasse. A ideia era mesmo que ambos revezassem posição dentro da partida. Giroud chegou dizendo que não aguentaria 90 minutos, então o revezamento era natural.
Acontece que as contusões de Ibrahimovic aumentaram de frequência, fazendo com que Giroud jogasse mais. E, jogando mais, reconquistou a forma física, passou a atuar mais e mais, e foi fundamental na conquista do scudetto depois de mais de 10 anos.
O conceito básico original funcionou: jovens amparados por atletas experientes. Mesmo que Kjaer tenha se contundido, ainda havia Romagnoli e um “jovem experiente” como Tomori na zaga. Isto permitiu que Kalulu, Théo Hernandez, Tonali, Bennacer, Rafael Leão, Brahim Diaz, Saelamaekers, entre outros, se destacassem num perfil de jogo “menos italiano e mais europeu”. Atletas jovens, pouco utilizados em suas equipes anteriores, mas com qualidade e potencial de desenvolvimento.
E o que isso tem a ver com a Copa?
Pois bem, a França tinha Benzema como certeza de sucesso, mas perdeu o atacante às vésperas do Mundial. Quem o substituiu? Giroud. A França hoje não tem um atacante de área jovem que pudesse substituir Benzema com o menor prejuízo possível. Mas tinha Giroud, que vinha de ótima temporada, seguia atuando e fazendo gols e, por ter jogado e recuperado a forma física, vem sendo capaz de ser importante na seleção francesa.
No final, o DNA Esportivo pensado e aplicado pelo fundo Elliott ao Milan gerou um efeito colateral que está ajudando a França nessa Copa do Mundo.
Se vai seguir assim ou não, se Giroud seguirá importante, se a França chegará à final, se será campeã, não sei, não tenho a menor ideia. Mas até aqui é uma das histórias escondidas dessa Copa do Mundo, e que nos ajuda a explicar a ideia sobre o DNA Esportivo.