A SAF e as possibilidades que a lei do clube-empresa traz

Após a derrubada de alguns dos vetos presidenciais pelo Senado, enfim temos o desenho final da lei que vai reger – pelo menos por enquanto – o processo de transformação das associações em empresas

Cesar Grafietti

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(Pixabay)
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Na semana passada, o artigo tratou da possibilidade dos torcedores se transformarem em acionistas dos clubes, movimento que começou a se desenhar na Grã-Bretanha. Mas, para ser dono, é preciso que o clube deixe de ser uma associação, cujo objetivo inicial é participar de um clube social, usar suas piscinas, quadras de tênis e salões de festa, e passar a ser uma entidade que tenha como atividade básica a prática do futebol profissional.

Não era impossível fazer essa transição. Mas ela ficou relativamente mais simples com aprovação da chamada Lei da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) que, após ter alguns artigos vetados pela Presidência da República, foi reanalisado pelo Senado Federal nesta semana.

Após a derrubada de alguns dos vetos, enfim temos o desenho final da lei que vai reger – pelo menos por enquanto – o processo de transformação das associações em empresas.

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A lei tem diversas falhas, ou melhor, diversas interferências nas relações entre alguns stakeholders do segmento. Mas também traz alguns elementos que passam a tornar interessante que uma associação se transforme em empresa. No final, para quem quiser fazer do jeito certo e transparente, basta ignorar as interferências e utilizar os elementos corretos. Este deve ser o tom de quem conduzirá os processos vencedores daqueles que ficarão pelo caminho.

Para tratar do tema, vou pular aquela parte em que sempre digo que ser empresa ou associação é irrelevante, desde que a estrutura de gestão seja desenhada de forma a privilegiar um modelo corporativo e não um modelo político de acordos e acomodação de grupos. Vamos então tratar a lei considerando seus impactos positivos. Afinal, algumas associações terão interesse em fazer essa transição de maneira justa.

Antes de mais nada, resumindo a parte positiva, podemos dizer que o fato de ter uma carga tributária próxima à das associações é algo que tende a incentivar a mudança. Ao se transformar em SAF, a associação passa a pagar 5% de impostos sobre as receitas totais (exceto aquelas com negociação de atletas) e isso é pouco superior ao que as associações pagam hoje. Pronto, temos dois modelos distintos que podem ser adotados sem alterar a competitividade.

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Um problema que permanece é o veto aos itens de transparência e governança. Originalmente, as SAFs deveriam apresentar detalhamento sobre os cotistas que participam do controle acionário do clube a partir de fundos de investimento. A lógica é evitar que um mesmo cotista seja controlador de vários clubes. Vetar essa possibilidade abre espaço para que isso ocorra. Paciência. Mas isso não significa que os futuros acionistas não possam fazê-lo por vontade própria. Basta fazer o certo.

Outro tema que foi mantido o veto era o da criação das Debêntures-fut, que eram títulos de dívida específicos para financiar o futebol, com incentivos fiscais. Francamente, é algo completamente inútil. A ideia era criar uma fonte de captação que permitisse maior retorno ao investidor e prazos mais longos de pagamento para os clubes. Bobagem. O que cria mercado não são essas artificialidades, mas sim empresas e setores bem estruturados, com baixo risco regulatório e segurança jurídica. Tudo que o futebol ainda não tem. Logo, as Debêntures-fut seriam um instrumento inócuo.

Mas como é possível aproveitar o que foi aprovado para a criação da SAF?

É preciso pensar em fases dessa transformação. Assim como fazer de uma empresa familiar uma estrela das Bolsas de Valores, sair do modelo político associativo para um modelo corporativo demanda tempo, estratégia e apoio de gente especializada.

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O primeiro processo é separar internamente clube social e futebol. E essa separação pode ser meramente gerencial, mas transparente o suficiente para definir o tamanho e as características do que será a futura SAF. A partir daí entra a segunda parte, que é identificar todas as dívidas, especialmente aquelas que estão escondidas debaixo do tapete. Esta fase é fundamental, mesmo que isto signifique um aumento brutal do endividamento, pois esta é uma informação que qualquer interessado em investir na SAF vai querer saber.

Com base nisso é possível discutir um processo de reestruturação dos passivos. Mas sem usar a premissa pouco ajuizada que a Lei da SAF apresenta, que é a de fazer transferências de ativos e passivos sem consultar os credores. Não funcionará. Além de ser desleal com quem financiou o clube até hoje, há riscos de judicialização que podem paralisar o processo. Portanto, ser transparente com credores é necessário.

Com isso já é possível separar os ativos, passivos, as fontes de receita do futebol e entender qual é o real potencial do negócio. Quando isso ocorrer é possível que algumas realidades venham à tona: seja mostrar que os clubes sociais precisam repensar suas atividades, seja verificar que o futebol é uma atividade insustentável para muitos clubes. Ao menos na forma como estão sendo geridos.

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Mas e o modelo de gestão? Não se altera?

Depende. Se a ideia é criar a SAF e negociá-la, então o ideal é que o comprador tenha a liberdade de organizar a estrutura como melhor lhe convir. Uma estrutura básica de funcionários e funções pode estar presente, mas cada comprador terá seu modelo.

Agora, se a ideia é apenas separar os negócios, então será necessário desenhar um modelo corporativo para a SAF, que inclui necessariamente o fim dos conselhos deliberativos, transformados em conselhos administrativos, com profissionais e funções claras, e de preferência com presença relevante de membros independentes.

Depois, é fundamental construir uma estrutura de gestão completamente profissional e baseada em planos estratégicos e remunerada por metas. Profissionais de mercado, com experiência real e não com a ultrapassada ideia do “cheiro da grama”. Deixe isto para os observadores do clube que buscam atletas pelo mundo. Na gestão, vale o conhecimento.

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Cuidado: seu clube pode falir!

Uma das novidades que a lei da SAF nos traz é a da possibilidade dos clubes, mesmo as associações, pedirem recuperação judicial (RJ), que é uma forma organizada de reestruturar suas dívidas. Muito bom, mas ao poder pedir RJ o clube também fica sujeito a ter um pedido de falência feito por um credor. E as regras de RJ podem levar a situações incontroláveis e consequências duras para os clubes. Portanto, atenção, porque aqui há riscos para os clubes, mas boas oportunidades para os credores, se eles conseguirem se organizar.

No final, nenhuma associação precisa virar SAF para ser negociada. Elas podem simplesmente optar pelo modelo para se organizar como empresa. Isto poderia atrair investidores, mas certamente força um processo de profissionalização e organização, dados todos os riscos embutidos.

Novamente, mesmo sem ser SAF a associação pode falir. Logo, talvez seja melhor forçar a reorganização para garantir eficiência na gestão.

E para quem optar por ficar onde está, a recomendação é que ao menos faça a transição interna para modelos menos apaixonados e mais executivos de gestão. Deixe a paixão na arquibancada, que é onde ela rende melhores frutos.

O que falta: marco regulatório

A lei traz oportunidades, mas só uma etapa do processo. Para ser eficiente e criar uma indústria é necessário desenhar um marco regulatório, que possibilite avaliar quem são os futuros investidores das SAFs, se o dinheiro vem de fontes legais, se há dinheiro para a compra e manutenção do clube. Além disso é preciso definir claramente o que fazer com as marcas e símbolos em caso de falência, e mesmo com a licença de disputa das competições, de forma a evitar que uma SAF falida devolva tudo para a associação, sem que haja consequências reais pela má gestão. Sim, não é só a associação que pode ser má gerida.

Outro ponto que precisa ser endereçado é o do Fair Play Financeiro. Ao deixarem de ser associações esportivas, os clubes passam a poder ser controlados por agentes externos, como já acontece com as agências regulatórias de energia, telecomunicações e saúde, por exemplo.

No final, a lei da SAF abre oportunidades para que haja mudanças nas estruturas do futebol brasileiro, necessárias dado o histórico de problemas, atrasos e dívidas. Ela tem defeitos, não é uma panaceia. Mas se for bem conduzida, pode dar a chance de muitos clubes se reestruturarem. O futebol agradece.

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Cesar Grafietti

Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti