O que esperar do mercado cripto depois do caso FTX

A quebra de uma das maiores exchange cripto traz reflexões importantes sobre a maturidade e futuro de suas infraestruturas

Gustavo Cunha

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

CEO da FTX, Sam Bankman-Fried (Alex Wong/Getty Images)
CEO da FTX, Sam Bankman-Fried (Alex Wong/Getty Images)

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Após um mês de outubro calmo demais no mercado cripto, a ponto de vários traders do setor invejarem os traders de moedas e até de dívida (o caso da libra esterlina e dos títulos públicos ingleses que o diga), novembro traz, novamente, verdades estarrecedoras do mundo cripto e que detonaram um aumento de volatilidade e incerteza pouco antes vistas desde que acompanho o mercado, em 2017.

O caso em questão é a quebra de uma das maiores exchanges de criptomoedas do mundo, a FTX. A situação ainda está se desenrolando e novidades aparecem a cada minuto, ou seria melhor dizer a cada tuite? Portanto tomem o que está escrito considerando que escrevo isso logo após a publicação do pedido de recuperação judicial da FTX

Apesar disso, alguns pontos acredito que já estão claros o suficiente. Uma exchange vive de colocar junto compradores e vendedores e para isso cuida da custodia dos ativos desses clientes. Tal qual o CEAGESP e vários pontos de distribuição de artigos alimentícios faz no mundo. Os ativos não são das exchanges, ou do CEAGESP no paralelo do mundo real, mas sim de clientes, que os deixam lá para negociá-los com outras pessoas.

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Acontece que na FTX não foi bem isso. Os ativos, no caso o dinheiro e tokens dos usuários, foram emprestados para um hedge fund que aplicou esse dinheiro em investimentos que se mostraram muito errados, gerando um prejuízo enorme no hedge fund que, eventualmente, não teve como pagar a dívida com a FTX de volta e levou todos para a bancarrota.

Quando essa história começa a vir à tona entra um outro agente, o CEO da Binance, principal concorrente da FTX, e também investidor do token de utilidade da FTX, o FTT, que começa a tuitar que irá vender esses tokens porque perdeu a confiança na exchange.

A partir daí foi a clássica corrida bancária à FTX. Todos fizeram fila para sacar até que na última segunda-feira a FTX abriu o bico e disse que não tinha mais dinheiro para pagar os usuários que tinham dinheiro lá. A Binance anuncia que vai analisar ajudar, mas desiste em seguida. Outros agentes tentaram construir soluções, mas a verdade é que nada foi conseguido e nessa sexta-feira a FTX entrou com um pedido de Chapter 11, equivalente ao que no Brasil conhecemos como o processo de recuperação judicial.

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O resumo da história é como se o CEAGESP tivesse vendido os estoques de produtos dos seus clientes e quando eles foram lá buscá-los para serem entregues em um restaurante ou afim, eles falassem que, não só tinham vendido, como tinham gastado o dinheiro que haviam recebido por ele.

Para um relato mais detalhado e preciso do que aconteceu até agora deixo vários links no fim desse artigo. Como tudo na vida tem partes bem peculiares e que remetem ao passado da relação entre o Sam, CEO e fundador da FTX e o CZ, CEO e fundador da Binance.

Uma das funções primárias e importantíssimas de qualquer negócios que seja de intermediação é manter a segregação entre o que é do cliente e da empresa. Isso claramente não foi feito aqui e é uma falha terrível. Muitos vão remeter isso à falta de regulação do mercado cripto e aqui tem um ponto.

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Na FTX US, uma exchange segregada da FTX global somente para os Estado Unidos, a situação parecia estar normal, mas ela acabou sendo levada para o mesmo processo que a FTX global, arrastando todos seus clientes para a mesma situação. Será que a regulamentação mais apertada dos Estados Unidos, que aparentemente tinha se mostrado como melhor é mesmo? Não sei avaliar

Por outro lado, acho que devemos tomar regulação como um pouco de cautela, ela não pode ser apertada demais para cortar, ou exportar, nesse caso, a inovação, e também não é uma bala de prata, haja visto o caso relativamente da Wirecard na Alemanha. Por sinal há uma série sobre esse caso que aconselho fortemente verem. Muito boa e mostra que mesmo em um mercado amplamente regulado, as vezes, coisas bem estranhas passam desapercebido dos reguladores.

Olhando para frente já consigo ver alguns setores e tendências se fortalecendo.

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A primeira é a que já coloquei acima. Os reguladores do mundo ficarão ainda mais atentos a essas iniciativas e, inevitavelmente, com uma tendência a ter uma mão mais forte na regulação, o que, volto a dizer, pode ser muito bom para o mercado cripto se for feita de uma forma a não barrar inovação. Uma alternativa interessante poderia ser uma coisa similar a uma autorregulação, onde os grandes players se comprometeriam a determinados padrões. Já seria um ótimo começo.

CZ, o CEO da Binance, puxou a fila nesse sentido, quando disse que seria importante haver formas independentes, preferencialmente on-chain no caso cripto, de qualquer pessoa atestar que as reservas dos clientes existem, estão segregadas e disponíveis. Isso vale tanto para as exchanges quanto para as stablecoins lastreadas. Tether e Circle, duas das maiores emissoras de stablecoins 100% lastreadas já estão acostumadas a isso e tem comprovado de várias formas seus lastros, mesmo considerando que a maioria dos ativos atestados estão off-chain, o que sempre é uma complicação a mais.

Um fortalecimento das DEX, exchanges descentralizadas, me parece inevitável também. Elas já têm esses conceitos de comprovação de ativos on-chain, transparência total e outros mais que falharam no caso da FTX. Em cripto sempre se fala sobre o risco de concentração/centralização e, se analisarmos sob esse prisma, aqui não deixou de ser esse o problema. Uma pessoa ou um pequeno grupo decidiu a seu bel prazer investir o dinheiro dos outros em ativos altamente arriscados, sendo que não era isso o combinado.

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Saindo de olhar a árvore para olhar a floresta, esse ocorrido é péssimo para o mercado cripto. Em um momento onde várias empresas e institucionais estavam olhando com bons olhos para esse mercado, é inevitável que haja uma retração nisso. A própria FTX, que fez recentemente uma rodada de captação que a valorizou em US$ 32 bilhões, tinha investidores institucionais relevantes do mercado tradicional.

Um outro fator que me preocupa, e que acho que pode se desenrolar nos próximos dias, é uma empresa tão grande e com tantas conexões como a FTX, quebrar e gerar consequências em em outras partes do mercado. A memória vai direto para o caso da Lehman, que levou não somente ela, mas Citi, e mais importante ainda a AIG, para problemas gigantes. Será cripto mais resiliente e menos interligado e dependente enquanto infraestrutura? Sinceramente espero que as pessoas tenham aprendido algo com o passado e estejam construindo em cripto algo para melhorar esses aspectos. A ver.

De resto, como sempre digo, keep safe. É em momentos como esses que são delineados os caminhos para soluções que mudarão nosso futuro.

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Gustavo Cunha

Autor do livro A tokenização do Dinheiro, fundador da Fintrender.com, profissional com mais de 20 anos de atuação no mercado financeiro tradicional, tendo sido diretor do Rabobank no Brasil e mais de oito anos de atuação em inovação (majoritariamente cripto e blockchain)