CBDCs: com as moedas digitais de banco centrais, o Estado terá mais controle sobre o seu dinheiro?

Sempre que o tema de Moeda Digital de Banco Central (CBDC) aparece, vem logo questionamentos sobre privacidade

Gustavo Cunha

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Fonte: iStock/Getty Images
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Nas últimas semanas tenho participado de várias discussões sobre moeda, seu papel, sua digitalização, o que blockchain tem a ver com isso, qual stablecoin estará aí nos próximos anos, e CBDC. O que tenho achado muito curioso é que sempre que o tema Moeda Digital de Banco Central (CBDC) aparece, vem logo questionamentos sobre privacidade, se o Banco Central consegue bloquear seus valores e por aí vai.

Não houve uma discussão que participei onde esse tema não viesse à tona e aqui coloco meus pontos em relação a essas discussões.

A primeira coisa que é importante colocarmos é de onde partimos. Hoje temos, na imensa maioria dos países, um sistema financeiro que é composto por órgãos normativos, supervisores e operadores. Apesar de não ser totalmente preto no branco, a maioria das atividades dos bancos centrais está na categoria de supervisores, e os bancos e corretoras estão na categoria de operadores do sistema.

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Quando vamos para os modelos de arquitetura de CBDCs, essas atividades desenvolvidas por esses agentes podem ser alteradas. No modelo mais extremo, e pouco factível, poderíamos ter os Bancos Centrais (BCs) emitindo suas CBDCs diretamente para a população, ou seja, cada indivíduo teria uma conta junto aos BCs.

Além disso, os BCs poderiam assumir também as funções de crédito e investimento, com uma CBDC que pagasse juros, por exemplo, fazendo quase todas as funções que os bancos comerciais fazem atualmente.

Por que acho isso pouco factível?

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Imagina a estrutura que os BCs teriam que ter para controlar todos esses cadastros de contas? Fazer o know your costumer (KYC) para todos? Analisar o crédito? E o pior, quem iria supervisionar isso? Sem contar todas as questões econômicas que isso implica: não teríamos mais um sistema onde os bancos criam moeda? Viraria tudo M1 ou no máximo M2 nos agregados monetários? Como ficaria a velocidade de circulação da moeda? Entre inúmeros outros pontos.

O que vejo ser testado, como o Real Digital, que é um dos mais avançados nessa discussão, é uma coisa muito diferente disso. Nesses modelos as CBDCs serão moedas de troca entre os BCs e os agentes regulados do sistema (bancos múltiplos, DTVMs etc.), se restringindo a substituir o que já temos hoje. E olha que no caso do Brasil esse ganho nem acho que é considerável pois temos um dos melhores do mundo nessa comunicação entre o BC e os bancos.

O que segue após isso é a emissão de stablecoins pelos bancos. Ou seja, nesse modelo teríamos CBDCs circulando entre os BCs e os bancos e stablecoins reguladas circulando entre os bancos e a população. Se quiser entender mais sobre esse modelo recomendo ler esse meu artigo onde descrevo exatamente como funcionará. O título já diz tudo: mudando pouco para mudar muito!

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Bem, voltando ao tema de controle do Estado e privacidade, nesse modelo que está sendo o mais testado e mais provável de ser utilizado, as mudanças me parecem ínfimas, se é que há alguma.

Hoje já temos nossas contas nos bancos sob a supervisão do Banco Central, e mais, de todo o poder judiciário. No caso do Brasil, um simples despacho de um juiz consegue automaticamente bloquear todas as contas que temos em todos os bancos. Esse controle ou possibilidade de bloqueio já existe, é eficiente e tem sido usado há anos.

O que vejo dessa discussão é a possibilidade desse mecanismo ser usado para o mal, como se o sistema todo se voltasse para um certo individuo e o perseguisse. Essa possibilidade existe, mas para mim passa pelo tipo de que o Estado que não é o que vemos na Europa, Brasil e EUA. Nesse Estado imaginado ele é um ser independente, não constituído por pessoas e que não quer servir a todos e sim a um ser superior que domina e faz lavagem cerebral em todos os seus cidadãos. Algo tipo o que foi descrito no livro, e posterior filme, “1984”.

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Estados democráticos são um conjunto de regras que determinada população definiu, mas nem sempre é assim, há Estados autoritários, ditadores e outros, e nada nos garante que os Estados onde estamos hoje não poderiam migrar para regimes similares. Agora ter ou não uma CBDC nesse modelo híbrido de CBDC+Stablecoin mudaria algo do que esse Estado ditatorial poderia fazer hoje? Acredito que não. Ter ou não uma CBDC não muda nada nesse sentido. Os órgãos de controle, supervisão e bloqueio já estão aí implementados.

Uma discussão paralela nesse sentido é a de mobilidade humana. Apesar de termos um mundo muito mais integrado, hoje em dia a migração de pessoas para outros lugares que não seja por situações de guerra, fome ou perseguição ainda me parece baixa. Hoje, mais do que nunca, se você está em um Estado que acha que não te representa mais, você tem vários outros que te aceitariam como cidadão. É só questão de se planejar para tal.

Voltando ao tema das CBDCs, me parece que alguns começaram a falar sobre isso como aumento do poder dos Estados sendo mais um mecanismo de coação da população, e isso colou. Poucos se deram ao trabalho de questionar se isso pode ou não ser verdade, ou talvez conseguem entender a plenitude de como funciona o sistema financeiro mundial para analisar seus impactos.

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Foi isso que tentei fazer aqui. Espero que tenha esclarecido e estou disponível para quem quiser discutir comigo.

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Gustavo Cunha

Autor do livro A tokenização do Dinheiro, fundador da Fintrender.com, profissional com mais de 20 anos de atuação no mercado financeiro tradicional, tendo sido diretor do Rabobank no Brasil e mais de oito anos de atuação em inovação (majoritariamente cripto e blockchain)