Publicidade
SÃO PAULO – Na semana em que os deputados prometem se debruçar sobre a pauta da reforma política, crescem as discussões em torno das mudanças que deveriam ser incorporadas ao sistema eleitoral. Enquanto alguns defendem o modelo conhecido como distritão de votação como o mais justo e de simples compreensão, analistas políticos levantam bandeira contrária ao que acreditam ser uma contrarreforma em curso na democracia brasileira. Os projetos pelo voto distrital misto ou em lista fechada correm por fora na briga por convencer a massa parlamentar e sociedade.
Grupos capitaneados pelo atual presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e pelo vice-presidente da República, Michel Temer, alegam que o distritão seria o único método entre os três mais debatidos com reais chances de conseguir atingir consenso mínimo e ser aprovado pelo Legislativo. Especialistas, entretanto, alertam para os riscos de se aplicar um modelo rejeitado pelas principais democracias mundiais, e apenas usado no Afeganistão e na Jordânia. Segundo eles, este seria um duro golpe aos partidos e um estímulo à ascensão de figuras caricatas e de pouca familiaridade com o ambiente político.
Antes de entrar no mérito dessa discussão, abrimos parêntesis para explicar o que mudaria com a vigência do sistema defendido pelos peemedebistas.
Continua depois da publicidade
O complexo modelo atual
No modelo de eleições proporcionais, em vigor hoje, a descoberta dos deputados que irão representar a sociedade pelos seu respectivos estados passa por alguns procedimentos: 1) o número total de votos válidos em uma unidade da Federação (Estado ou o Distrito Federal) é dividido pela quantidade de vagas previamente estabelecida para ela (por exemplo: em São Paulo, são 70 cadeiras). 2) O resultado obtido dessa conta chama-se quociente eleitoral. 3) Divide-se o total de votos obtidos por um partido (nominais de cada parlamentar e aqueles destinados à legenda), 4) O resultado do segundo cálculo mostra quantos deputados dessa sigla serão efetivamente eleitos. A escolha se dá por ordem decrescente de votos.
As duas principais críticas ao atual modelo, em vigor há sete décadas, giram em torno da elevada dificuldade em se compreender a metodologia e a distorção gerada pelo fato de serem eleitos muitos candidatos menos votados que outros, que acabam ficando de fora. Pelo modelo proporcional, os parlamentares mais populares acabam distribuindo votos para outros dentro da legenda, que provavelmente não teriam condições de se eleger apenas pelo uso das próprias forças e escassos recursos.
Outro problema a se enfrentar é os astronômicos preços das campanhas, em sua maioria financiada por grupos empresariais que enxergam o cenário como de boas oportunidades de investimentos políticos. Também são favorecidos o perfil dos “puxadores de votos”, figuras que, em escala local ou estadual, são usados pelo partido para angariar votos e conquistar mais cadeiras na legislatura seguinte. A presença de tal perfil também torna as campanhas mais caras.
Continua depois da publicidade
“Distritão” traz mais distorção
Muitos analistas, porém, dizem que resoluções laterais já seriam suficientes para consertar os principais problemas do modelo. Já entre os partidos políticos, enquanto o PT defende o voto em lista, mas já teria passado a aceitar o modelo tucano, e o PSDB o modelo distrital misto, são os peemedebistas que têm chamado mais atenção com seu modelo distritão – o favorito para vencer a batalha da reforma política.
Nesse sistema, defendido com unhas e dentes por Cunha e Temer, seriam eleitos os candidatos mais votados em cada unidade da Federação. Apesar da simplicidade em sua compreensão, o distritão pode trazer diversas distorções, conforme já alertaram diversos estudiosos, como por exemplo o destacado professor Fernando Limongi e os já entrevistados pelo InfoMoney Marco Antônio Teixeira, Lincoln Secco e Esther Solano.
Entre as principais críticas estão a destruição dos partidos, que perderiam espaço para o individualismo de celebridades políticas, a ascensão de figuras caricatas (que ficaram conhecidas sob a imagem de Tiririca e tantos outros), além dos riscos de as campanhas encarecerem ou pelo menos não baratearem. As eleições se concentrariam ainda mais em poucos nomes e a taxa de renovação política poderia cair ainda mais no Congresso brasileiro, já que o uso da máquina do gabinete para reeleições se faria ainda mais determinante. Na prática, poderia ser um prêmio ao fisiologismo – uma recompensa indireta às práticas peemedebistas.
Continua depois da publicidade
Mais que tudo isso: o modelo proposto praticamente inviabiliza o acesso de grupos minoritários ao sistema político nacional. O percentual de votos válidos inúteis também dispararia de 6% para 64%, conforme apontou reportagem do jornal Folha de S. Paulo. O percentual apresentado exclui votos nulos, brancos ou abstenções. Trata-se dos votos dados aos candidatos não eleitos, mais os direcionados em excesso para os mais bem votados.
Estaríamos aprendendo com o Afeganistão?
Como se essas críticas não bastassem, observa-se também uma tendência de maior fragmentação do Legislativo e o surgimento de maiores dificuldades para a governabilidade do país – alçando negociações e trocas de favores a patamares ainda mais elevados. Outro argumento sólido contrário aos interesses da dupla do PMDB seria que nenhuma democracia consolidada no mundo aplica o modelo por eles proposto. O distritão é apenas usado no Afeganistão, onde partidos ainda não foram consolidados após a ocupação que o país sofreu, e na Jordânia.
Em uma análise fria, seria racional imaginar que o caminho natural da reforma política de hoje infelizmente seria o distritão, tendo em vista as confusas demandas das ruas, a enorme perda de credibilidade dos partidos, a troca da ideologia por um excesso de pragmatismo interessado pelas siglas e a ascensão de figuras mais populares, em um sinal do encaminhamento individualista da política. Um dos argumentos de Cunha para o distritão seria que alguns de seus conceitos já estão sendo aos poucos aplicados pelos políticos nas eleições brasileiras. Essa pode ser uma triste realidade, fruto da escolha de um Congresso tão questionável.
Continua depois da publicidade
Talvez, ao fim das próximas semanas, cheguemos à conclusão de que as coisas não só poderiam mudar como mudaram para pior. A contrarreforma política, se aprovada, deve mandar a conta nos próximos anos, com um engessamento sem igual da democracia brasileira em eleições cada vez menos representativas. Deve ser o preço de se ter pouca clareza e coesão nas demandas e um enorme distanciamento do que ocorre em Brasília.