Neste jogo das fake news, todos perdem

Tivemos diversas surpresas nos resultados do domingo retrasado. Um aspecto, porém, que não foi tocado – e hoje é o nosso tema – é o tema do momento: fake news

Felipe Berenguer

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

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Se é comum ouvirmos que o Brasil não é para amadores, arrisco a dizer que o Brasil em ano de eleição não é para lúcidos. Definitivamente, o segundo turno destas eleições pouco se parece com o primeiro: se tivemos uma alta incerteza antes da primeira votação, agora é quase dado que Jair Bolsonaro será o próximo presidente do Brasil. 

O mesmo se aplica para Zema em Minas, Witzel no Rio, Leite no Rio Grande do Sul e Ibaneis no Distrito Federal. Somente os paulistas e os potiguares terão uma injeção extra de nervosismo até o resultado do segundo turno ser divulgado.

Como já disse aqui na coluna, tivemos diversas surpresas nos resultados do domingo retrasado. Um aspecto, porém, que não foi tocado – e hoje é o nosso tema – é o tema do momento: fake news.

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Afinal, o que são as fake news? Literalmente, são notícias falsas que podem causar grandes estragos em sociedades, de maneira geral ou individualizada, por depredarem a  verdade e minarem a credibilidade do jornalismo. É como se fosse o boato da escola sobre o fulaninho que teria chulé (ou coisa do gênero), espalhado para muito mais gente e com potencial de estrago infinitamente maior.

Do ponto de vista ético, obviamente as fake news são dignas de condenação. Do ponto de vista jurídico, pouco se avançou mundialmente para combater as mentiras. No caso brasileiro, não existe ainda uma lei específica que puna os indivíduos que produzem ou compartilham o conteúdo.

Dependendo da situação, no entanto, pode haver um enquadramento na lei 12.891/13, que prevê consequências legais para aqueles que caluniarem, injuriarem, difamarem ou divulgarem mentiras em época de eleição, visando desqualificar qualquer candidato. Já existem iniciativas para regularizar as fake news no Congresso, que estão sob análise.

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Na nossa nova concepção de mundo, a mentira já não tem mais perna curta. Pelo contrário, a rapidez com que se dissemina conteúdo e a facilidade de acesso da maioria da população faz com que as fake news passem despercebidas como verdades. Quem nunca recebeu aquele conteúdo bombástico no Whatsapp e ficou intrigado?

É ingenuidade achar que, em um momento tão delicado do país, esse mecanismo não teria impacto direto nas eleições. Estudos no decorrer de 2018 mostraram que brasileiros já vinham tendo bastante contato com as falsas notícias. Um levantamento de um grupo de pesquisas da USP mostrou que, em junho deste ano, 12 milhões de pessoas compartilharam mentiras. Outro estudo, do laboratório de cibersegurança da PSafe (empresa que desenvolve apps de segurança), contabilizou mais de 4 milhões de casos de fake news, inclusive atentando à melhoria de qualidade e complexidade das notícias inventadas.

Tratando de eleições, os conteúdos errôneos podem ser extremamente nocivos. Interfere-se no processo democrático. Pessoas se informam e tomam decisões sobre um assunto que é de interesse público.

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Não é possível também culpar o cidadão comum. Se ele soubesse que a informação era falsa, provavelmente não a absorveria. Por outro lado, é preciso combater esse processo de desinformação. Como?

O responsável pelo combate às fake news nessas eleições foi o Tribunal Superior Eleitoral, órgão máximo da nossa Justiça Eleitoral. No primeiro turno, foi consenso que o TSE falhou no combate às mentiras nas campanhas. Pode ter até remediado alguns casos, mas falhou na prevenção.

Foi criado um conselho que se reuniu sete vezes para discutir o que seria enquadrado no termo e como evitar sua disseminação. Pecaram ao não estruturar processos que pudessem, de forma ativa, cortar o vazamento das fake news nas principais redes sociais. Faltou rigidez no combate às notícias e no controle exercido sobre os partidos.

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Fizeram vista grossa para potenciais focos de disseminação como, por exemplo, eleitores de Bolsonaro: 40% de seus eleitores afirmaram compartilhar conteúdo político pelo Whatsapp. Fizeram o mesmo com o PT de Haddad, permitindo que um partido com tal magnitude não se comprometesse a assinar o termo oficial de combate à notícias falsas.

Aqui vale uma ressalva (infelizmente) quase tão importante quanto o resto do texto, para evitar más interpretações. Não estou dizendo que o resultado das urnas no dia 7 de outubro foi diretamente influenciado pelas fake news. Muito menos que grupo X ou Y produziu ou compartilhou tais notícias em maior ou menor escala. Nesse jogo, todos perdem.

Os avisos prévios dos estudos somados à ineficiência do TSE em combater as inverdades resultaram em uma eleição paupérrima em termos de propostas e discussões sobre projetos de país. Não que esse cenário seja novidade por aqui.

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Só 4 das 50 imagens mais replicadas no Whatsapp nesta eleição são verdadeiras. 44% dos eleitores no Brasil usam esta mesma ferramenta para ler informações políticas e eleitorais. Calcule o estrago.

Ainda é difícil compreender de forma aprofundada qual foi o impacto das redes sociais nesta eleição. A história raramente nos dá dicas para analisar o presente de forma precisa, mas não dá trégua também para quem muito espera para agir. Um dos grandes desafios dos próximos anos será o combate à desinformação.

A ver também o que será das notícias envolvendo um possível caixa 2 de empresas apoiadoras de Bolsonaro no Whatsapp. Resolvi, de propósito, não abordar o tema por ser recente demais. Como bons democratas, devemos sempre respeitar a presunção da inocência de todos. Que as investigações sejam feitas e que a Justiça puna eventuais ilegalidades. Sem mais.