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Os impactos econômicos da Covid-19 exigiram enormes esforços de governos em todo o mundo. E não poderia ser diferente com uma pandemia que representou um choque simultâneo de oferta e demanda nas economias, além de uma enorme tragédia humanitária.
Somando os diferentes programas de preservação de renda e emprego, como o auxílio emergencial, o Brasil deve gastar quase 10% do PIB em 2020. Como mostra o mapa mundial abaixo, esse é um patamar que coloca o Brasil bem acima do gasto feito pela média dos países emergentes e muito próximo dos países ricos que mais gastaram com a pandemia (Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Alemanha, Austrália e Japão).
Num momento quando o déficit primário e a dívida pública dispararam, a pergunta que se faz é se o Brasil deveria colocar a regra do teto de gastos e o ajuste fiscal em segundo plano e permitir a continuidade dos atuais programas de transferência de renda. Nessa linha, é comum se ouvir que a opção de ajuda aos mais desfavorecidos é incompatível com a manutenção da estabilidade fiscal.
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Queremos mostrar aqui que, feitas as escolhas certas, nas proporções corretas, essa incompatibilidade não existe. Mais do que isso: a irresponsabilidade fiscal, ao longo do tempo, prejudica muito mais os pobres do que os ricos.
O teto de gastos não impediu gastos emergenciais
A Emenda Constitucional 95, conhecida como o teto de gastos, permitiu criar um horizonte de previsibilidade de longo prazo (vinte anos) para o crescimento do gasto público da União. Com isso, o Brasil, que já acumula sete anos de déficit primário, e onde a carga tributária já é alta para um país de renda média, achou um caminho para que o ajuste fiscal não precisasse ser mais duro no curto prazo e que as taxas de juros reais pudessem cair.
Com a pandemia, quem desconhecia com maior profundidade a EC 95 avaliou inicialmente que o socorro emergencial às pessoas e às empresas seria incompatível com a manutenção do teto de gastos.
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Um erro. A Lei permitia gastos extraordinários com eventos como uma calamidade ou uma pandemia, desde que fossem efetivamente extraordinários e não recorrentes.
A pandemia irá terminar, cedo ou tarde. A manutenção da responsabilidade fiscal é o que garantirá recursos permanentes para a educação, a saúde, a segurança e para os programas de transferência de renda.
Ao final de 2020 o déficit nominal consolidado no Brasil deve ficar próximo de 16% do PIB, mesmo com os juros da dívida pública no patamar mais baixo da série histórica. A dívida pública/PIB do Brasil deve chegar a 100% em 2020, mesmo com o atual nível da taxa de juros básica. Lembrando que a média da relação dívida/PIB dos países emergentes ficará próxima a 60% do PIB, de acordo com o último relatório divulgado pelo FMI.
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É importante destacar também o tamanho dos programas de transferência de renda no Brasil durante 2020. Só com o auxílio emergencial, no seu auge, foram transferidos aproximadamente R$ 50 bilhões por mês. Isso foi aproximadamente 20 vezes mais do que a média mensal de transferências com o Bolsa Família.
Por conta da intensidade dos programas de transferências de renda durante a pandemia, algumas estatísticas serão muito particulares nesse ano: recordes de redução nos indicadores de pobreza e recordes históricos de vendas em alguns setores, como cimentos, linha branca, matérias de reformas e consumo residencial em geral. Tudo isso em meio a maior queda do PIB no Brasil em décadas.
Expandir o Bolsa Família ou implementar o Renda Cidadã não é incompatível com a responsabilidade fiscal
O Bolsa Família (e o conjunto de transferências de renda associadas ao programa) deve atingir pouco mais de 13 milhões de famílias em 2020, com um benefício médio próximo a R$ 190.
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Para o ano de 2021, de acordo com a proposta de orçamento enviada pelo Executivo ao Congresso Nacional e respeitando o teto de gastos, o número de famílias beneficiadas aumentaria em 2 milhões. Isso levaria o gasto total de pouco mais de R$ 29 bilhões anuais para R$ 34 bilhões em 2021.
A proposta do Renda Cidadã ou a ampliação ainda maior do Bolsa Família (um programa internacionalmente reconhecido como eficiente) para um benefício médio mais próximo de R$ 300 (para o universo de famílias restrito ao programa) exigiria um aumento de recursos da ordem de R$ 15 bilhões.
Como buscar esses recursos e não ferir o teto de gastos e a responsabilidade fiscal? Mais de uma solução já foram apontadas. O próprio Ministério da Economia já apresentou ao Presidente da República uma sugestão de racionalização de outros programas sociais de eficiência menor. Outra ótima sugestão foi feita recentemente através do estudo Programa de Responsabilidade Social: Diagnóstico e Propostas (cdpp.org.br), de Vinicius Botelho, Fernando Veloso, Marcos Mendes, Anaely Machado e Ana Paula Berçot.
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Nas propostas acima aumenta-se a rede de proteção social aos mais desfavorecidos sem rompimento com o teto de gastos. Mas escolhas difíceis precisam ser feitas, como noutra frente: aplicação da lei do teto remuneratório, com corte automático de remunerações acima de R$ 39.300, salário de um Ministro do STF. Escolha dura, com resistências de corporações com muita força, mas que poderia render entre R$ 10 e R$ 15 bilhões, segundo estimativas iniciais feitas pelo CNJ, TCU e ME.
Ainda há outra frente, que não resolveria a compatibilidade com o teto de gastos, mas que certamente melhoraria a performance fiscal e poderia evitar novos impostos no futuro: diminuição dos incentivos fiscais. Só no orçamento anual da União há mais de R$ 300 bilhões de gastos tributários em incentivos fiscais de eficiência muito duvidosa, como incluem até fabricas de refrigerantes na Zona Franca de Manaus. Outra frente com enormes resistências. Mas há um variado leque de opções se o objetivo for realmente ajudar os mais pobres e manter a responsabilidade fiscal.
O desajuste fiscal tirará renda e emprego dos mais pobres
Por último e não menos importante: quem sofreria mais com um cenário de desajuste fiscal? O rico ou o pobre? O pobre, por todos os ângulos que se analise.
Uma elevação de apenas um ponto percentual na taxa de juro média sobre a dívida pública em 2021 significaria um custo adicional com juros de aproximadamente R$ 70 bilhões de reais anuais. Duas vezes o orçamento anual proposto com o Bolsa Família em 2021.
O estrangulamento orçamentário provocado por um agravamento na situação fiscal limita programas nas áreas da educação, saúde e segurança. Um problema muito mais grave para toda a população que não tem condições de pagar por uma escola, plano de saúde ou segurança privados.
E se a elevação mais rápida da taxa de juros, por conta da incerteza fiscal, limitar a recuperação da atividade econômica? Novamente os maiores prejudicados são os trabalhadores menos qualificados e de baixa renda, que perdem seus empregos ou passam a ter remunerações menores.
Com a piora da situação fiscal, a desvalorização do real e impactos inflacionários podem ser permanentes. De novo quem perde mais são as famílias de renda baixa.
Aos mais ricos sempre haverá o conforto da velha indústria do CDI com os juros mais altos, no caso de descontrole fiscal.
A conclusão é que não é só possível compatibilizar responsabilidade fiscal com sensibilidade social. É necessário. Ao final, aprofundar o desajuste fiscal será uma escolha por evitar o confronto com grupos de interesse articulados e prejudicar os mais pobres.
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