O presidente Bolsonaro foi eleito há um ano. É verdade que só tomou posse em janeiro, mas, ainda assim, a efeméride requer um balanço do período, em particular o que se materializou em termos das expectativas que existiam naquele momento e o que ainda está por fazer, se é que será feito.
A principal conquista é a reforma da previdência. Ainda que bastante desidratada com relação à proposta enviada ao Congresso no começo de 2019, a atual versão não apenas supera o impacto esperado do projeto do governo Temer, mas também ultrapassa, e em muito, o que se antecipava no período imediatamente após as eleições.
Vale aqui um mea culpa particular: depois do fracasso na aprovação da reforma em 2017 e 2018, eu acreditava que o Congresso, representação imperfeita, mas não totalmente infiel, da sociedade, não permitiria nada de monta nesta área, porque esta não parecia convencido da necessidade de mudanças, preferindo lutar cada qual pelo seu privilégio.
Houve obviamente muito disto, traduzido em parcela considerável da “desidratação” do projeto atual, mas o Congresso, em particular a Câmara, se mostrou muito mais disposto, talvez refletindo um entendimento mais profundo da população sobre o tema, bem maior do que imaginava possível à luz da barragem publicitária e mentiras acerca dos impactos da reforma.
Em que pese o protagonismo do Legislativo, muito do mérito cabe também à administração, que iniciou o processo.
Não foi sua única ação bem-sucedida. A Medida Provisória da Liberdade Econômica foi uma expressão da nova orientação de política econômica, mais liberal. Ainda é cedo para avaliarmos seus efeitos, mas, caso a lei “pegue” (sempre uma incógnita por aqui), há motivos para crer que a facilitação da atividade econômica redundará, em alguma medida, em ganhos de produtividade.
Espera-se mais em termos de reformas microeconômicas, mas um passo importante já foi dado.
Da mesma forma, o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia pode ter efeitos importantes por este lado. Sim, as conversas começaram muito antes do atual governo e seria injusto esquecer que várias equipes estiveram envolvidas, construindo as bases para o acordo.
Ainda assim, cabe o mérito para o atual governo (outros governos, vale lembrar, poderiam simplesmente ignorar o progresso anterior), lembrando sempre que o acordo ainda está para ser sacramentado e que um pouco de cuidado diplomático no mínimo reduziria as justificativas do protecionismo europeu.
Tenho, por outro lado, frustrações consideráveis, relativas à privatização e à reforma tributária.
Confesso que já não nutria grandes esperanças sobre o primeiro tópico, apesar do tom grandioso de Paulo Guedes, então indicado para o posto de Ministro da Economia, que prometia R$ 1 trilhão relativo à venda de ativos governamentais, tendo inclusive oportunidade de expressar minhas dúvidas a respeito.
Não apenas o montante era exagerado, como o próprio presidente eleito já havia afirmado que Petrobras, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal não fariam parte do processo.
De todo o resto, houve avanço interessante na venda da BR Distribuidora (cuja receita, diga-se, foi para a Petrobras, não para o Tesouro), principalmente no que se refere ao formato pulverizado da venda – e pouco mais se pode dizer a respeito.
Já quanto à reforma tributária a frustração é bem maior. Um consenso parece ter sido forjado no Congresso Nacional acerca da fusão dos principais impostos indiretos num único imposto sobre valor adicionado a ser repartido entre União, estados e municípios, envolvendo enorme simplificação e uma distribuição mais equitativa da carga tributária entre os diversos setores da economia, em particular taxando mais os serviços (cuja carga hoje é menor) e menos a indústria.
Apesar disto, o governo federal tem contribuído pouco para o tema, se é que podemos chamar suas ações de “contribuição”. À parte a tentativa fracassada de ressuscitar a CPMF sob nova roupagem, o governo nada fez, além de prometer enviar, sempre na “próxima semana”, seu projeto de reforma.
Muito embora se espere que resultados desta reforma só apareçam depois de alguns anos, a verdade é que perdemos boa parte de 2019 sem que nada concreto tenha se originado do Executivo, de quem se espera a liderança no processo, nem sequer seu apoio às iniciativas do Legislativo.
Por outro lado, no que se refere ao desempenho fiscal, não diria que houve frustração, com a notável exceção de Paulo Guedes, que acreditava poder eliminar o déficit primário já em 2019.
Alertado agora por economistas do calibre de Mansueto Almeida o ministro parece ter finalmente entendido que o problema é bem mais difícil do se se afigurava e que novas reformas, além da previdenciária, serão necessárias para lidar com o assunto.
Considerando que tem gente para quem a ficha ainda não caiu, o ministro até que não está entre os mais atrasados…
Para o que mais interessa diretamente à população, o progresso foi modesto. Não houve aceleração do crescimento, que permanece na casa de 1% ao ano, e a criação de empregos (1,8 milhão nos 12 meses até agosto), embora mais robusta, levou à queda apenas marginal do desemprego, hoje pouco abaixo de 12%.
A fraqueza da economia manteve a inflação baixa, o que permite ao Banco Central seguir reduzindo a taxa de juros, mas duvido que quem ainda busca emprego se sinta particularmente consolado com a perspectiva de Selic a 4,5%.
Ao final das contas, tivemos progressos inesperados, mas há uma noção clara que muita coisa ainda precisa ser feita. A enormidade da tarefa, contudo, não parece ter sido ainda compreendida pelo presidente.
As brigas com seu partido, com Emmanuel Macron, tuítes sobre temas de gosto duvidoso podem até energizar seus seguidores em redes sociais. Contribuem, porém, muito pouco para recolocar o país na rota do crescimento mais vigoroso.