Reforma administrativa: é preciso querer mais

O gasto com o funcionalismo público no Brasil é elevado e crescente, contribuindo para a dinâmica complicada da despesa governamental. Isto se deve principalmente a salários superiores aos pagos no setor privado, mesmo para pessoas de qualificação similar, fenômeno que deveria ser tratado pela reforma administrativa

Alexandre Schwartsman

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

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* Artigo escrito com Gabriel Nemer Tenoury, economista formado pelo Insper e mestrando na EPGE-FGV (@GabrielNemer_)

Em tempos de discussão sobre a reforma administrativa, é bom começar com uma noção do tamanho do problema. O Brasil se caracteriza por um gasto público extraordinariamente elevado em comparação a seus pares.

As estimativas para 2019 apontam para despesa do governo geral (governo central, estados e municípios) pouco superior a R$ 3,5 trilhões, correspondente a 48% do PIB.

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Esse patamar coloca o país entre os 10% que mais gastam no mundo, não por coincidência socialdemocracias europeias, sem um único representante da América Latina, ou mesmo qualquer outro país dito “emergente”.

O item “remuneração de empregados”, que captura o gasto com o pessoal na ativa (salários, benefícios e contribuições previdenciárias) atingiu naquele ano R$ 985 bilhões, 28% do gasto total, equivalente a 13,3% do PIB.

Entre 2010 e 2019, essas despesas cresceram ao ritmo de 2% ao ano acima da inflação, superando por larga margem a expansão do produto no mesmo período, 0,7% ao ano.

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Houve, contudo, considerável diferença de desempenho entre os três níveis de governo.

No caso do governo central, a expansão dessa despesa se deu a ritmo levemente superior ao aumento do produto, 0,8% ao ano. Já no que diz respeito aos governos subnacionais, a velocidade foi bem maior: 2,0% ao ano no caso dos estados e 3,2% ao ano nos municípios.

Assim, medida como proporção do PIB, a estabilidade da despesa federal contrasta com o aumento de 0,5% do PIB entre 2010 e 2019 para estados e 0,9% do PIB para municípios.

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O gasto das três esferas de governo reflete tanto o aumento do número de empregados quanto seu salário médio.

Dados da PNAD contínua, disponíveis a partir de 2012 (horizonte algo mais curto que o analisado aqui), revelam que o número total de empregados no setor público cresceu ao ritmo de 0,7% ao ano entre 2012 e 2019, enquanto o salário médio real (usando como deflator o IPCA) aumentou 1,7% ao ano.

Curiosamente, apesar do crescimento do número de empregados pelo setor público, o Brasil não se caracteriza pelo elevado número de servidores: segundo a OCDE estes são pouco mais de 12% da população empregada no Brasil, contrastando com uma média de 17% dos países da OCDE, para não falar de países como França, Dinamarca e Noruega, onde servidores representam, respectivamente, 22%, 28% e 30% da população empregada.

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O grande problema é que nossos servidores custam muito, como expresso pelo gasto relativo ao PIB, superior ao observado em países europeus, como mostra o estudo de Izabela Karpowicz e Mauricio Soto, conta esta que é particularmente salgada para estados e municípios.

Minas Gerais e Rio Grande do Norte, por exemplo, gastam na faixa de 70% da sua Receita Corrente Líquida (RCL) com pessoal, segundo dados do Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais relativo ao ano de 2019, elaborado pelo Tesouro.

Ainda, na versão do Boletim relativa ao ano de 2018, Minas Gerais aparecia com um gasto com pessoal de quase 80% da sua RCL.

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Tal custo elevado se deve aos salários do setor público brasileiro, muito acima daqueles encontrados no setor privado.

Claro, parte se explica por servidores públicos serem, na média, mais instruídos e com mais tempo de experiência no emprego do que os trabalhadores da iniciativa privada, características que impactam positivamente os salários.

Mas isso não é tudo: mesmo após esses controles – bem como outras características individuais e do tipo de trabalho, ocupação, atividade etc. -, ainda há uma diferença salarial relevante. É o que a literatura chama de “prêmio salarial público-privado”.

Gustavo Gonzaga e Sergio Firpo (2010), por exemplo, estimaram, utilizando episódios de privatizações e consequentes demissões nos anos 1990, um prêmio salarial público-privado da ordem de 11%, mais alto para indivíduos com maior instrução.

Felipe Araújo (2020), usando dados de concursos públicos e comparando indivíduos que ficaram no limiar entre serem aprovados ou não, estimou um prêmio salarial da ordem de 48%.

Há, também, evidências de que esse prêmio seja maior para servidores públicos federais, menor para servidores estaduais e até negativo para servidores municipais.

Quando incorporamos os benefícios previdenciários na conta, os resultados ficam ainda mais interessantes.

Breno Braga, Sergio Firpo e Gustavo Gonzaga (2010) estimaram que servidores públicos têm uma vantagem em termos do Valor Presente do Contrato de Trabalho – uma medida que leva em conta salários, benefícios, FGTS, Previdência etc. – em relação aos trabalhadores da iniciativa privada de iguais características em torno de 10 a 15% para aqueles com até 7 anos de instrução e atingindo quase 30% para aqueles com 11 a 14 anos de educação.

Essa vantagem salarial dos servidores constitui um custo fiscal relevante tanto para o governo federal, quanto para os entes subnacionais. Posto de outra forma, seria possível continuar a atrair bons profissionais mesmo com uma redução do salário oferecido, ou seja, sem diminuir a provisão de serviços públicos.

Tiago Cavalcanti e Marcelo Santos (2015) estimam que uma redução do prêmio salarial, bem como uma harmonização das regras previdenciárias do setor público com as do setor privado, seria capaz de elevar o PIB brasileiro em até 11% no longo prazo.

É claro que nem todo servidor recebe mais do que receberia na iniciativa privada. Aliás, identificar em quais setores, atividades e carreiras existe essa vantagem salarial e corrigi-la é essencial para uma boa reforma administrativa, mas ela não se esgotaria aí.

Ela deveria também incluir o alongamento da progressão ao longo das carreiras, redução de salários iniciais e criação de métricas objetivas, específicas para cada atividade, que permitam o atrelamento da remuneração ao desempenho, bem como deve ser rígida com categorias que são amplamente privilegiadas, algumas das quais, inclusive, recebem salários acima do teto constitucional.

A manutenção do status quo implica a continuidade da dinâmica insustentável do gasto governamental, além de questões de justiça distributiva e provisão insuficiente dos serviços públicos.

Neste sentido, a proposta do governo, que, além de vaga, preserva os privilégios dos atuais servidores é insuficiente para lidar com o problema. A timidez nessa frente praticamente garante o fracasso da reforma. É preciso querer mais.

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Alexandre Schwartsman

Alexandre Schwartsman foi diretor de assuntos internacionais do Banco Central e economista-chefe dos bancos ABN Amro e Santander. Hoje, comanda a consultoria econômica Schwartsman & Associados. Formou-se em administração pela Fundação Getulio Vargas, fez mestrado em economia na Universidade de São Paulo e doutorado em economia na Universidade da Califórnia em Berkeley.