Pela extensão do coronavoucher

O fim do auxílio emergencial parece prematuro, dada a fraqueza do mercado de trabalho. Mesmo o que pode ter sido poupado no período não deve ser suficiente para manter as famílias livres da miséria sem sua prorrogação. Ao contrário, contudo, da experiência recente, há necessidade de pensar um programa focalizado nos mais necessitados

Alexandre Schwartsman

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ELIANE NEVES/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
ELIANE NEVES/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

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Há vários dilemas sérios no que se refere ao futuro das contas públicas no país, mas certamente nenhum tão urgente quanto o destino do auxílio emergencial.

Não resta dúvida acerca do papel que desempenhou no período mais agudo da crise, quando – já considerando seu impacto líquido da migração do Bolsa-Família – representou transferências da ordem de R$ 45 bilhões/mês, mais tarde reduzidas a cerca de R$ 20 bilhões/mês.

Mais do que a recuperação forte no segmento de bens, conforme capturado pelo bom desempenho do varejo, que em outubro registrou vendas 5% superiores às observadas em fevereiro, o auxílio foi essencial para evitar que parcela considerável da população brasileira fosse reduzida à miséria.

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Entre fevereiro e julho, o nível de ocupação no país, medido pela PNAD (mensalizada e dessazonalizada) caiu de 94 para 80 milhões. Sem o auxílio, teríamos 14 milhões de pessoas a mais desprovidas de renda (possivelmente mais, se levarmos em conta que a demanda dos que receberam a transferência ajudou a moderar a queda do emprego).

Segundo a mesma PNAD, mas agora usando os dados em termos de médias trimestrais, a renda do trabalho, já ajustada à inflação e à sazonalidade, caiu de R$ 220 bilhões/mês para R$ 205 bilhões/mês ao longo daquele período.

Desses números, se depreende que o auxílio foi instrumental em evitar a miséria, e também que ele foi maior do que o estritamente necessário para manter a renda das famílias, ponto a que retornaremos adiante.

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Assim, muito embora o nível de emprego tenha se elevado a 84 milhões em setembro, 4 milhões acima do anotado em julho, permanecia ainda 10 milhões abaixo do observado em fevereiro.

Dada a recuperação relativamente lenta do setor de serviços, onde foram registradas cerca de 3 de cada 4 vagas perdidas, é difícil imaginar que no final de 2020 estejamos próximos ao nível de emprego (e, portanto, renda) vigente no começo do ano.

Posto de outra forma, o fim do auxílio emergencial deve deixar parcela significativa da população sem meios de subsistência.

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É verdade que há indicações de que nem toda a transferência foi gasta, tema que tratei há algum tempo.

Como argumentei então, muitos dos recipientes do auxílio se encontravam dentre aqueles sem acesso a serviços bancários e que, dessa forma, não tiveram acesso a produtos que permitissem guardar o excedente sobre seu consumo, isto é, sua poupança.

Minha hipótese era que a elevação dos saldos de papel-moeda em poder do público (ver abaixo) refletiam esse fenômeno, dado que os recursos usados para as compras em estabelecimentos comerciais provavelmente foram transformados em depósitos bancários.

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Houve, como se vê, aumento considerável do papel-moeda em poder do público, de pouco menos de R$ 220 bilhões (a preços de hoje) em fevereiro, valor próximo ao apontado pela tendência, para algo em torno de R$ 300 bilhões no período julho-outubro, bem acima da tendência (excesso pouco superior a R$ 85 bilhões).

De lá para cá, contudo, houve queda (em termos dessazonalizados) para R$ 273 bilhões, talvez já refletindo a própria redução no valor das transferências, indicando valor em torno de R$ 60 bilhões maior que o sugerido pela tendência.

Não é pequeno à luz do volume das transferências mais recentes, equivalente a algo como dois meses adicionais (com certa dose de sorte), mas provavelmente insuficiente para sustentar os desempregados por períodos mais longos.

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Conclui-se, portanto, que alguma prorrogação do auxílio seria necessária.

Obviamente, considerado o que foi dito anteriormente, e em linha com a opinião dos peritos no assunto, houve exagero na nossa reação inicial, que, a bem da justiça, era difícil de prever no momento de sua criação.

Do ponto de vista da expansão de gastos públicos medidos como proporção do PIB (8%) o Brasil se encontra entre os 10 maiores, ao lado da Alemanha e do Reino Unido, cuja situação fiscal é bem melhor que a nossa.

Assim, a possível extensão do programa teria que ser repensada em termos de volume, melhorando sua focalização, ponto lembrado, por exemplo, por Ana Carla Abrão.

Não há, porém, qualquer discussão mais profunda a respeito. Não avançamos na ampliação do Bolsa-Família, apesar de propostas sérias a respeito (como a produzida pelo CDPP e encampada pelo projeto de Lei de Responsabilidade Social do senador Tasso Jereissati), que demandariam reformas profundas e, portanto, vontade política e capacidade de articulação, mercadorias escassas na atual administração.

O risco, pois, é que, em face da piora das condições de vida da camada mais pobre da população, acabemos por reeditar um programa sem as devidas preocupações em termos de focalização.

Uma abordagem mais séria do problema nos daria alguns graus a mais de liberdade para lidar com o problema sem comprometer as contas públicas além da capacidade de reparo, mas, como sempre, preferimos dançar ao lado do abismo.

Apesar disso, um ótimo 2021 para todos.

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Alexandre Schwartsman

Alexandre Schwartsman foi diretor de assuntos internacionais do Banco Central e economista-chefe dos bancos ABN Amro e Santander. Hoje, comanda a consultoria econômica Schwartsman & Associados. Formou-se em administração pela Fundação Getulio Vargas, fez mestrado em economia na Universidade de São Paulo e doutorado em economia na Universidade da Califórnia em Berkeley.