O Nome da Rosa

A criação dos depósitos voluntários no BC dá à autoridade monetária um novo instrumento de controle de liquidez, mas não deve ser usado para esconder o tamanho da dívida pública

Alexandre Schwartsman

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Fachada do Banco Central do Brasil (divulgação)
Fachada do Banco Central do Brasil (divulgação)

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Na última semana foi sancionada a lei que permite ao BC receber depósitos voluntários de instituições financeiras, dotando a autoridade monetária de um instrumento adicional para conduzir sua política, o que, porém, abre a possibilidade de distorção dos números fiscais, em particular do endividamento.

Para entender a questão, precisamos dar um passo atrás e entender a mecânica do funcionamento da política monetária.

O BC define a cada reunião do Copom uma meta para seu instrumento de política, a taxa Selic, hoje fixada em 4,25% ao ano. Para garantir que a Selic efetiva, aquela negociada no mercado interbancário, fique próxima à meta, ele empresta recursos à taxa Selic (na prática, um pouco acima dela), ou os toma do mercado à taxa Selic (na prática, um pouco abaixo).

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Assim, quando há falta de recursos, o que poderia fazer a Selic ficar acima da meta, o BC compra títulos do Tesouro do mercado com compromisso de revendê-los num determinado prazo (empresta recursos com lastro nos títulos); quando sobram recursos, o que poderia trazer a Selic abaixo da meta, o BC vende títulos do Tesouro ao mercado também com compromisso de recompra (toma recursos emprestados com lastro nos títulos).

Estas transações são conhecidas como Operações de Mercado Aberto e praticadas por bancos centrais ao redor do mundo (não por acaso o comitê que determina a política monetária nos EUA é denominado FOMC – Federal Open Market Committee), aqui também chamadas de operações compromissadas, porque o BC tem o compromisso de recomprar ou revender os títulos públicos utilizados como lastro nestas transações.

Para realizar estas operações, o BC precisa de títulos públicos federais, já que a Lei de Responsabilidade Fiscal o proibiu de emitir seus próprios papéis. Segundo o dado mais recente (maio de 2021), a carteira de títulos públicos do BC equivalia a R$ 1,97 trilhão (25% do PIB), dos quais R$ 1,16 trilhão (15% do PIB) eram lastro de operações compromissadas.

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De acordo com a contabilidade adotada pelo FMI, a totalidade da carteira do BC é considerada como dívida do governo; já a contabilidade brasileira, a partir de 2007, define como dívida apenas os títulos usados como lastro. É por esse motivo que a definição contábil que valia até 2007, similar à do FMI, aponta para uma dívida equivalente a 94,7% do PIB em maio, enquanto a definição mais recente mostra 84,5% do PIB.

Por outro lado, toda vez que o BC precisa vender títulos da sua carteira para controlar a liquidez, a dívida pública cresce, e vice-versa.

O novo instrumento dispensaria o BC de usar operações compromissadas, ou até mesmo de carregar uma carteira de títulos públicos, porque em tese (embora dificilmente na prática) poderia administrar as condições de liquidez apenas tomando depósitos à taxa Selic.

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Se usado plenamente, coisa que a atual administração não aparenta querer fazer, reduziria a dívida em 15% do PIB, isto é, para perto de 70% do PIB.

Parece bom demais para ser verdade; e é.

A questão é que o BC teria que pagar juros sobre os depósitos, cujo custo não seria distinto do que ocorre hoje (o BC abre mão dos juros pagos pelo Tesouro aos detentores dos títulos usados nas compromissadas), ou seja, de uma forma, ou de outra, juros continuariam sendo pagos à contraparte.

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Na atual configuração, o pagador é o Tesouro Nacional, enquanto na nova o papel seria desempenhado pelo BC. Como o BC, do ponto de vista da contabilidade pública, não faz parte do governo geral, poderia parecer que a operação sairia de graça para o Tesouro, mas um olhar mais atento revela que não.

O BC transfere seu lucro para seu único acionista, o Tesouro; se tiver prejuízo, será também coberto pelo Tesouro. Assim, os juros pagos pelo BC reduzirão o lucro a ser transferido ao Tesouro, ou requererão do Tesouro aportes, caso o BC não tenha lucro. Em última análise, portanto, o pagador final será sempre o Tesouro, isto é, a sociedade.

Independentemente pois, de qual instrumento seja usado para fins de controle de liquidez, seus custos desembocarão no Tesouro. Podemos chamá-lo do nome que for, mas isso não muda o fato de que tudo que paga juros é dívida e assim deve ser considerado.

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Não interessa o nome da rosa, mas sim o seu cheiro.

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Alexandre Schwartsman

Alexandre Schwartsman foi diretor de assuntos internacionais do Banco Central e economista-chefe dos bancos ABN Amro e Santander. Hoje, comanda a consultoria econômica Schwartsman & Associados. Formou-se em administração pela Fundação Getulio Vargas, fez mestrado em economia na Universidade de São Paulo e doutorado em economia na Universidade da Califórnia em Berkeley.