Na ferradura

Por mais meritório que seja o objetivo de elevar o emprego entre os mais jovens, a forma escolhida é ruim, com efeitos negativos sobre a produtividade

Alexandre Schwartsman

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(Shutterstock)
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Acredito que a direção geral das propostas de emendas constitucionais para o ajuste fiscal é correta, mas, para ser honesto, ainda devo uma análise mais detalhada do conjunto de medidas ali proposta, por ser lá que o diabo reside.

Já o projeto de incentivo ao emprego dos mais jovens, ainda que meritório (quem pode ser contra o objetivo?), me parece uma má ideia, pelo menos na forma que foi apresentada.

Em grandes linhas, o que se propõe é uma redução nos encargos (contribuições previdenciárias, FGTS e multa do FGTS em caso de demissão), que tornarão mais barato empregar jovens de 18 a 29 anos sem experiência de emprego formal por até dois anos.

Vale para postos de trabalho cuja remuneração não supere um salário mínimo e meio, apenas para novos postos e limitada a 20% do total de funcionários. O resultado, provável, é a elevação do emprego desta faixa etária.

O problema, como quase sempre nas propostas de políticas públicas, é que o foco só se dá nos benefícios do programa; raramente se mencionam os custos.

A primeira pergunta a fazer é a seguinte: por que, em situação como a existente, em que encargos são os mesmos para todos, as empresas preferem empregar trabalhadores acima desta faixa etária?

A resposta é também óbvia: porque eles são mais produtivos que os mais jovens, dispondo de mais treinamento e experiência.

Assim, para o mesmo gasto com salários e encargos, a empresa espera produzir mais com os mais experientes, o que, repito, não deveria soar como nenhuma surpresa, imagino.

A redução dos encargos deve, como notado, criar um incentivo para a contratação dos mais jovens (vamos presumir, provisoriamente, que apenas para novas contratações, sem substituição daqueles já empregados).

Vale dizer, a medida encoraja empresas a contratarem trabalhadores menos produtivos. A empresa em si deve até ganhar no processo (senão não empregaria o mais jovem), mas a economia como um todo perde.

Isto não é diferente do que ocorre, por exemplo, quando, por força de incentivos fiscais (tipicamente ligados ao ICMS), empresas decidem a localização de sua atividade apenas pela redução de impostos, muitas vezes gerando custos de logística que recaem sobre a sociedade, ainda que a empresa possa ser beneficiada.

Aliás, muito do projeto de reforma tributária formulada pelo Centro da Cidadania Fiscal (C.CiF), coordenado por Bernard Appy, tem como objetivo precisamente eliminar este tipo de distorção, que tem efeitos negativos sobre a produtividade da economia.

Neste sentido, a política sugerida seria um retrocesso na agenda de produtividade. Os impactos negativos não se encerram aí, contudo, tema que vi explorado pela primeira vez por Roberto Ellery, da UnB.

Até agora, como notado, demos de barato que a letra da lei será respeitada e que, de fato, empresas não se aproveitarão para substituir trabalhadores mais velhos por mais novos em razão da redução de encargos.

Não devemos presumir que isto será verdadeiro sempre e, claro, imaginamos que haja mecanismos de fiscalização e controle para impedir o abuso das novas regras.

Não é difícil também concluir que estes mecanismos de fiscalização e controle imporão novos custos. Empresas podem, por exemplo, demitir um trabalhador mais velho porque não tem um bom desempenho; ele deverá ser substituído por outro na mesma faixa etária, ou é possível contratar um mais jovem?

Se sim, como distinguir entre este caso e uma situação em que, por oportunismo, a empresa decide mandar o mais velho para casa e trocá-lo pelo mais jovem?

Este tipo de medida também caminha na contramão da própria reforma trabalhista, gerando novos potenciais de conflitos (multas, processos etc.), com efeitos negativos sobre a produtividade em geral.

Por fim, o financiamento da redução dos encargos pela imposição de contribuição previdenciária sobre o seguro-desemprego, além de um erro político de proporções colossais, é injustificado.

É verdade que, caso se queira contar o período de recebimento do seguro-desemprego para fins de aposentadoria, a consequência óbvia seria exigir a contribuição para a Previdência (por que não deixar a critério de quem recebe o seguro-desemprego?), mas não é esta a discussão.

Faltou, acredito, um exame mais aprofundado de alternativas para financiar a renúncia fiscal, por exemplo, a redução de outras renúncias fiscais.

Enfim, entendo que a medida provisória seja inconsistente com os objetivos gerais de elevar a produtividade e o grau de liberdade econômica, por meritório que seja seu objetivo.

Há alternativas, que passam por mudanças educacionais, com ênfase em treinamento profissional, cujos resultados podem ser melhores, em prazo obviamente mais largo, mas com a imensa vantagem de não aumentarem as já consideráveis distorções que hoje impedem um ritmo de crescimento sustentável mais elevado.

Isto, porém, requer trabalho, não xingamentos no Twitter, um obstáculo bastante significativo nos dias de hoje.

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Alexandre Schwartsman

Alexandre Schwartsman foi diretor de assuntos internacionais do Banco Central e economista-chefe dos bancos ABN Amro e Santander. Hoje, comanda a consultoria econômica Schwartsman & Associados. Formou-se em administração pela Fundação Getulio Vargas, fez mestrado em economia na Universidade de São Paulo e doutorado em economia na Universidade da Califórnia em Berkeley.