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As manchetes dos cadernos de economia estão tomadas pelo aumento do preço do arroz, motivando, entre outros, o filantropo, ex-senador, e atual vereador, Eduardo Suplicy, a recomendar o consumo de arroz integral do MST, apenas 66% acima do preço a que o mesmo produto pode ser achado na prateleira de um grande supermercado, manifestação tocante de sua proximidade à vida do povo tão sofrido.
Ocorre que o ex-senador (e ex-economista) não é o único a oferecer péssimas soluções para o problema.
Ao contrário, num amplo espectro, que cobre de oportunistas de sempre a incapazes econômicos, não faltam os dispostos a dar pitacos que só fariam piorar a questão.
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O curioso é termos passado por algo semelhante há pouco, embora a epidemia faça qualquer fato anterior a março parecer originário de um passado remoto.
De qualquer forma, no final do ano passado houve forte aumento no preço da carne. Segundo os dados do IPCA, as carnes, em média, ficaram quase 28% mais caras em novembro e dezembro de 2019, principal contribuição para o índice de inflação no período, que atingiu 0,51% e 1,15% naqueles meses. No primeiro trimestre deste ano, contudo, caíram pouco menos de 8%, ainda antes da epidemia.
Então, como agora, preços internacionais mais elevados explicam muito do fenômeno. Da mesma forma, já havia quem defendesse a intervenção no mercado, afirmando ser “inadmissível que a nossa produção interna de gado esteja indo para fora enquanto aqui os preços se elevam” e pedindo, se não “um tabelamento (…), uma taxação sobre as exportações”.
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Só é diferente do atual momento por não haver à época, até onde sei, um ex-senador sugerindo o consumo de filé mignon produzido pelo MST.
A esta altura do campeonato, já deveria estar claro que interferências no mecanismo de preço, seja pelo tabelamento (veja o caso argentino), seja por meio de tributação, não dão conta do problema.
Preços são o elemento central de coordenação numa economia de mercado: quando sobem, desestimulam o consumo e incentivam o aumento da produção; em queda, produzem o efeito oposto.
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Em ambos os casos, não apenas garantem que os planos de consumo e produção sejam compatíveis, mas, principalmente, possibilitam ao produtor readequar seus planos.
No caso do arroz, ainda que não imediatamente, a alta do preço levará ao aumento da área plantada e da oferta.
Se não deixarmos que tal mecanismo funcione, destruiremos o incentivo para expansão da produção, fato que Deng Xiao Ping redescobriu apenas aos 75 anos, quando permitiu que agricultores pudessem vender seu excedente a preços de mercado, iniciando timidamente a revolução que trouxe a China ao seu atual patamar depois de 30 anos de coletivização.
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Da mesma forma que ocorrido com a carne, os preços não se sustentarão no patamar atual.
Isto dito, o IPCA de 2020 pode ficar algo mais alto (1,8-1,9%) do que se esperava há algumas semanas (1,6-1,7%), mas ainda muito abaixo da meta para o ano (4%).
Mesmo, porém, que não fosse o caso, só haveria razão para preocupação se houvesse sinais de contaminação dos demais preços pela elevação do preço do arroz, o que, em economês castiço, chamamos de “efeitos secundários”.
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Não parece ser o caso. Mesmo com o aumento de preços de alimentos em geral (não só o arroz), as expectativas para o IPCA nos próximos anos, incluindo crucialmente 2021, permanecem na meta (2022) ou abaixo dela (2021), sugerindo que a alta da comida não deve ter efeitos duradouros sobre a inflação.
Não se trata, portanto, de algo que nos leve ao descontrole inflacionário nos próximos meses, nem que justifique corrida ao armazém do MST para comprar arroz para ricos.