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Desde agosto, o Banco Central (BC) incorporou oficialmente a “prescrição futura” (forward guidance) ao seu arsenal de instrumentos monetários, em adição à taxa de juros básica, a Selic, bem como outras ferramentas, por exemplo, depósitos compulsórios ou requerimentos de capital.
Convencido da (quase) impossibilidade de redução adicional da Selic – diagnóstico que não compartilho, mas fazer o quê? –, o BC busca estimular a economia por meio da promessa de manutenção da Selic nos níveis atuais por um período longo de tempo.
Espera-se, assim, influenciar as taxas mais longas de juros e, portanto, a atividade, empurrando a inflação de volta à trajetória de metas.
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Dessa forma, dado que não se espera nova rodada de corte da taxa de juros de curto prazo, a tarefa dos analistas, no caso eu e os demais economistas que seguimos o Copom, passou a ser antecipar até quando vale a promessa do BC.
A primeira coisa a lembrar é que não se trata de um juramento incondicional: não foi prometido que, sob qualquer circunstância, a taxa de juros permaneceria inalterada. Ao contrário, o BC estabeleceu dois conjuntos de condições para manter seu compromisso.
O primeiro deles diz respeito ao comportamento esperado da inflação em 2021 e, ainda em menor grau, 2022.
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No caso, enquanto as projeções do próprio BC e dos analistas de mercado (capturadas pela pesquisa Focus) não se aproximarem da meta para a inflação (3,75% em 2021 e 3,50% em 2022), a Selic seguirá no seu nível atual (2% ao ano).
A Focus mais recente aponta para inflação de 3,1% em 2021 (algo acima dos 3% registrados desde meados do ano), ainda bastante abaixo da meta.
Não temos ainda, é bem verdade, as projeções mais atualizadas do BC, que deverão ser informadas depois da reunião do Copom, mas as mais recentes, que incorporavam tanto o dólar a R$ 5,30 (7-8% mais barato do que os níveis atuais), como a estabilidade da Selic até outubro do ano que vem, sugeriam inflação próxima a 3%, valor que deve subir, mas não muito, apesar da alta nos meses finais de 2020.
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O primeiro conjunto de condições deve, portanto, ser atendido.
Já o segundo conjunto incorpora outros dois elementos. Em primeiro lugar, a manutenção do atual regime fiscal (ou seja, o teto de gastos), “já que sua ruptura implicaria alterações significativas para a taxa de juros estrutural da economia” no entender do BC.
Além disso, as expectativas para prazos mais longos deveriam também permanecer próximas à meta, pois seu descolamento “indicaria que os custos derivados do estímulo monetário estariam se sobrepondo a seus benefícios”.
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No caso, ambos os requerimentos do segundo conjunto ainda são satisfeitos. Expectativas para 2023 e 2024 permanecem próximas à meta e, ainda que aos trancos e barrancos, bem como sujeito a ameaças de toda sorte, o teto de gastos sobrevive.
À luz dessas considerações espera-se, pois, que o BC mantenha sua prescrição futura nessa próxima reunião.
A questão mais interessante, porém, diz respeito à capacidade de manutenção desse compromisso à frente, nem tanto na reunião final de 2020, mas já nas reuniões de 2021.
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Confesso que minha preocupação maior a esse respeito não está relacionada ao comportamento da inflação no ano que vem. Apesar dos números salgados de outubro e de alguma revisão para cima das projeções e expectativas para 2021, ela permanece a uma distância considerável com relação à meta do próximo ano.
Se dependêssemos apenas dessa métrica, a Selic seguiria em 2% até o BC começar a mudar o foco de sua política monetária para 2022, o que normalmente ocorreria a partir de meados de 2021, lembrando que projeções e expectativas para aquele ano já se encontram ao redor de 3,5%.
O jogo, porém, vai além disso. O teto de gastos se encontra debaixo de fogo cerrado, a despeito das juras de amor a ele mesmo por parte de quem não tem o menor interesse em sua manutenção.
Um dos esportes favoritos em Brasília, o ciclismo fiscal (de triste memória), envolve encontrar alguma maneira de contornar as restrições impostas pelo teto, como a tentativa fracassada de financiar um programa mais parrudo de transferências aos mais pobres por meio do calote nos precatórios, por vezes até preservando a letra da lei, mas passando longe, bem longe, de seu espírito.
Não é por outro motivo que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, alertou mais de uma vez para essa condicionante.
A bem da verdade, como notado aqui mesmo em colunas recentes, bem como por outros economistas, a evolução das taxas de juros no futuro não tão longínquo captura precisamente esse temor.
As taxas reais de juros dos títulos do Tesouro atrelados ao IPCA para um horizonte de 9-10 anos, que chegaram a alcançar abaixo de 4% ao ano logo após a aprovação da reforma da Previdência, têm ficado teimosamente na casa de 5% ao ano (quando não um tanto acima) desde meados de 2020.
Dados o prazo (longo) e a natureza (indexada ao IPCA) desses papéis, deve ficar claro que não se trata de reavaliação da trajetória de política monetária, mas elevação da “taxa de juros estrutural”, como teme o BC, motivada principalmente pelo aumento do risco fiscal no país.
A prescrição futura, portanto, pode cair antes do que se imagina, caso persistam a apatia governamental no que se refere à reforma e o enorme apetite dos que veem na expansão do gasto um atalho para seus planos políticos. Para isso, basta que continuemos a não fazer nada relevante no campo do ajuste fiscal.