Discutir educação no Brasil é mais do que uma necessidade. É um imperativo moral.
Com o propósito de trazer para o debate olhares diversos sobre o tema, no terceiro episódio da série Brasil, 2023 do videocast da Rio Bravo, duas convidadas – Anna Helena Altenfelder, presidente do conselho da Cenpec; e Beatriz Nascimento, presidente-executiva da Brasil Júnior – apresentam um amplo panorama de pontos fundamentais para que a discussão seja pautada não apenas pelas experiências, mas pelas evidências. Nesse sentido, no painel, as participantes não somente destacam os desafios relacionados a essa agenda – como mitigar a desigualdade –, mas, também, ressaltam as oportunidades para aprimorar a qualidade e o alcance do ensino e aprendizagem no país.
Logo na sua primeira intervenção, Anna Helena Altenfelder contesta a tese de que, no passado (considerando as décadas de 1950 e 1960, por exemplo), a educação era melhor no Brasil. O argumento da presidente do conselho da Cenpec se fundamenta em um ponto elementar: essa educação frequentemente idealizada era excludente. “O que isso quer dizer? No passado, aqueles que acessavam à educação, e permaneciam na escola, eram poucos. A escola não era para todos e depois havia mecanismos de expulsão dos alunos da escola, como a reprovação. Cinquenta por cento dos alunos que entravam na primeira série eram reprovados”, observa Altenfelder.
Ao ser questionada se, por acaso, os alunos desta geração (boa parte deles nascidos nos anos 2000, portanto, pertencentes à tão problematizada Geração Z) sentiam certa nostalgia no que se refere ao passado, Beatriz Nascimento prefere olhar para o futuro, ainda que ressaltando os desafios do tempo presente. Nas palavras da presidente da Brasil Júnior, entidade que atua na construção de um país mais empreendedor trabalhando em conjunto com as instituições de ensino superior: “Um dos desafios que nós temos é ingressar no mercado de trabalho, trazendo para a prática o conteúdo técnico e teórico para fora dos muros da universidade”. O ingresso na dinâmica da vida profissional tem a ver não apenas com o objetivo de desenvolver o conteúdo aprendido em sala de aula; antes, está articulado à necessidade de contribuir com os gastos em casa.
A partir dessa primeira intervenção, parece legítimo querer saber se, ao tomar o mercado de trabalho como destino, não corremos o risco de instrumentalizar o processo de aprendizagem. Será que esse temor faz sentido? Anna Altenfelder é categórica: “A Constituição Federal diz que a educação é dever do Estado, da família, com a cooperação da sociedade e tem como fim o desenvolvimento integral, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. O que nós não podemos é restringir a educação ao mercado de trabalho, porque daí a formação não vai atender aos anseios da juventude e, por outro lado, o país tampouco para o desenvolvimento do país. É importante, portanto, superar a visão tecnicista de que tem de formar para o mercado de trabalho”.
Outra preocupação destacada por Anna Altenfelder diz respeito às desigualdades na educação. A rigor, trata-se da diferença sinalizada pelo acesso, permanência e aprendizagem adequada. Nesse sentido, os marcadores sociais, como o nível socioeconômico e a origem étnico-racial, acabam por pré-determinar o destino de muitos estudantes brasileiros. “Nós estamos preocupados que todos aprendam. Não podemos pensar em uma educação em que as crianças, dependendo do lugar que nascem, da sua origem étnica e do seu nível socioeconômico, tenham já um destino previsto de não aprender. Infelizmente, isso ainda acontece no Brasil”
De sua parte, falando da perspectiva dos estudantes universitários, Beatriz Nascimento também manifesta preocupação quanto à diminuição da desigualdade. “Além dos nossos quatro pilares – que falam de um Brasil mais ético, colaborativo, competitivo e educador –, nós precisávamos também de diversidade. Então, ao lutar por um país mais empreendedor, passamos, também, pelo entendimento de um Brasil mais diverso, que inclua e respeite todas as pessoas. O movimento empresa júnior é reflexo da pluralidade brasileira”.
Um dos pontos mais discutidos nos meios de comunicação quando se fala acerca dos rumos da educação no país diz respeito às competências necessárias para o futuro. Mais especificamente, além das disciplinas tradicionais, outros componentes, como aspectos sócio-emocionais, soft skills e até não-cognitivos, têm ganhado destaque junto aos formadores de opinião na mídia. Ao mesmo tempo em que esses pontos ganham relevância, a avaliação e o progresso das etapas de ensino permanecem bastante tradicionais. Será que, neste caso, faz-se necessário algum tipo de adaptação? Para a presidente do conselho da Cenpec, é preciso levar em conta que o aluno se desenvolve integralmente. “Se um professor de matemática está ensinando aos alunos competências importantes (que estão previstas no currículo de matemática), ele vai trabalhar, ao mesmo tempo, a capacidade de correr riscos, de enfrentar desafios, de desenvolver o raciocínio lógico. E isso pode acontecer em todas as disciplinas, de forma mais integrada”.
Ao falar sobre o futuro da educação, a presidente-executiva da Brasil Júnior reforça a importância da inovação. “A pandemia mostrou muito da adaptabilidade que será necessária nos próximos anos”. Na visão de Beatriz Nascimento, o modo como a educação pode ser impactada pela inovação tende a fazer toda a diferença para o processo de aprendizagem nos próximos anos.
Anna Helena Altenfelder ressalta que não pode faltar um olhar mais atento para problemas, como a evasão escolar, que pareciam superados no contexto pré-pandemia. “Nos últimos anos, tivemos evasão em níveis de ensino que antes estavam praticamente universalizados, como as crianças até seis anos de idade”. Para além disso, a presidente do conselho da Cenpec chama a atenção para a educação antirracista, para o estabelecimento de políticas que garantam o aprendizado dos alunos e para formação das crianças portadoras de deficiência.
Discutir os problemas da educação brasileira significa ir além das mistificações que sugerem que “só no passado a escola era boa”. Na verdade, envolve entender as complexidades que o tema exige dos educadores, dos professores, dos alunos e dos formuladores de políticas públicas. E essa conversa só pode ser frutífera se contar com dados e argumentos pautados em evidência.
A íntegra do terceiro episódio do Videocast Rio Bravo está disponível a partir do link a seguir: