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A Receita Federal decidiu, no fim do ano passado — a poucos dias do fim do governo Jair Bolsonaro (PL) —, que trabalhadores e empresas terão de comprovar as despesas que os funcionários têm por trabalhar em home office, quando o empregador ressarce os empregados pelos gastos com internet e conta de luz.
Ao mesmo tempo, o Fisco entendeu que o auxílio home office (ou teletrabalho) tem caráter indenizatório e não faz parte do salário do empregado, por isso não deve ser incluído na base de cálculo das contribuições previdenciárias ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e não há incidência de Imposto sobre a Renda de Pessoa Física (IRPF).
Além disso, empresas no regime de tributação pelo lucro real podem deduzir os valores pagos.
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Mas a Receita diz que as as despesas com o auxílio têm de ser “necessárias à atividade da empresa e à manutenção da fonte produtora” e que, “para a caracterização do aspecto indenizatório dos valores percebidos, o beneficiário deve comprová-los, mediante documentação hábil e idônea”.
A decisão da Receita é inédita e está na solução de consulta Cosit 63/2022, assinada pela então subsecretaria de tributação e contencioso da Receita, Cláudia Lúcia Pimentel Martins da Silva, e publicada em 27 de dezembro de 2022 no Diário Oficial da União.
O Fisco não explicitou como deve ser feita a comprovação. Advogados tributaristas consultados pelo InfoMoney dizem que as empresas serão responsáveis pela tarefa, caso sejam questionadas pela Receita, e por isso terão de cobrar dos empregados a comprovação dos gastos (e armazenar essas informações internamente).
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Como comprovar os gastos?
“A minha leitura é que a Receita respondeu insuficientemente”, afirma Alessandro Mendes Cardoso, advogado especialista em direito tributário, previdenciário e aduaneiro. “É burocratizar e colocar um ônus operacional totalmente despropositado para as empresas. É muito irrazoável para uma empresa que tem centenas de funcionários, mas a Cosit está trazendo esta obrigação”.
Cardoso, que é sócio do escritório Rolim, Viotti, Goulart e Cardoso Advogados, pondera que a lógica por trás da decisão do Fisco é que o empregador não pague um salário travestido de ajuda de custo, mas que “é óbvio que o auxílio é para o trabalho”, desde que o valor seja “razoável”.
“[A Cosit 63/22] foi um avanço, porque reconheceu que os valores reembolsados aos trabalhadores em home office são valores para o trabalho. Ao mesmo tempo, reconheceu que para a empresa o auxílio é um custo operacional, por isso pode ser abatido do imposto. Mas isso, na minha opinião, já era algo esperado”, afirma o advogado.
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Matheus Bueno, advogado especialista em direito tributário e sócio da Bueno Tax Lawyers, concorda que o posicionamento da Receita sobre o caráter indenizatório do auxílio e a dedução dos gastos são pontos positivos da Cosit, mas destaca a comprovação das despesas como algo negativo.
“A empresa tem de provar que o funcionário teve o gasto, que está recebendo [o auxílio home office] para aquele uso. A empresa, se quiser ser conservadora, vai ter de pedir essas contas”, afirma Bueno. “Basicamente a empresa tem de guardar esses documentos porque, se um dia a Receita quiser, ela vai ter que mostrar”.
Leandro Nagliate, advogado especialista em direito previdenciário e tributário, também diz que a decisão em si é “uma boa notícia para os empregadores” e destaca o fato de a Receita ter deixado claro que a empresa pode parar de pagar o auxílio caso o(s) empregado(s) volte(m) ao trabalho presencial, pois o benefício não integra o salário, mas pondera a dificuldade em comprovar os gastos:
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“Em empresas de pequeno porte, com poucos empregados, a comprovação exigida na Solução de Consulta nº 63 é exequível. Mas, em corporações maiores, o controle empregado a empregado se torna inviável”, afirma o advogado. Nagliate diz que uma alternativa para grandes empresas pode ser a contratação de laudos para comprovar a média de gastos do trabalhador (mas a Cosit não prevê isso).
O porquê da decisão
A decisão da Receita é inédita e foi uma resposta a uma consulta feita por um fabricante de bebidas. A empresa adotou o home office integral para alguns empregados devido à pandemia de Covid-19 e pagou uma ajuda de custo mensal fixa, com base na média de gastos dos funcionários, para auxiliá-los nas despesas com internet e energia elétrica durante o expediente.
Segundo Nagliate, do escritório Nagliate e Melo Advogados, o fabricante de bebidas argumentou na consulta que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê expressamente que ajudas de custo, mesmo habituais, não constituem base de cálculo para incidir encargos trabalhistas e previdenciários.
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O fabricante de refrigerantes e refrescos também atua no comércio atacadista de bebidas, mas não teve seu nome revelado. Nagliate diz que geralmente o contribuinte não se expõe, para evitar possíveis “retaliações” do Fisco.
Cardoso, do escritório Rolim, Viotti, Goulart e Cardoso Advogados, diz que a empresa perguntou dois pontos à Receita: qual seria a natureza do auxílio home office (se remuneratório ou indenizatório) e sobre a sistemática de cálculo do valor pago (se deveria ser um valor fixo ou uma média de gastos).
“É uma dúvida muito comum das empresas, desde a pandemia, sobre o tratamento dos valores que fornecem aos funcionários, principalmente para custear internet e energia elétrica”, afirma o advogado. A Cosit, no entanto, respondeu apenas à primeira pergunta — e passou a exigir a comprovação do gasto (o que não havia sido perguntado).
Para quem a decisão é benéfica
Os especialistas consultados ponderam que a Cosit 63/2022 é benéfica principalmente para grandes empresas, apesar da exigência de comprovação dos gastos dos funcionários, e que não deve ter impacto relevante para os empregados (exceto pela necessidade de comprovar as despesas com o home office).
“Para grandes empresas é relevante. Para empresas de TI [Tecnologia da Informação] é relevante também, porque o home office é uma tendência”, afirma Cardoso. “Em grandes multinacionais, por exemplo, o administrativo é muito forte no home office ou no regime híbrido”.
Para os funcionários, o salário líquido pode ficar marginalmente maior, caso o empregador considere a natureza do auxílio home office como remuneratória (o que os advogados consultados acreditam ser pouco provável). Isso porque a empresa deixaria de reter o Imposto de Renda na fonte (IRRF) sobre o benefício.
Mas, mesmo neste caso, a diferença seria mínima. “O valor é tão baixo que não faz diferença. É um efeito que não é relevante individualmente, mas pode ser relevante para uma empresa que tem mil ou dois mil funcionários”, pondera Cardoso.
O advogado dá como um exemplo uma pessoa que ganha R$ 3 mil de salário e recebe R$ 300 de auxílio home office: daria uma diferença de cerca de R$ 30 no salário líquido, devido ao IRRF.
“Mesmo quem ganha 1 salário mínimo´não é algo que tende a fazer grande diferença. Para as empresas com grande volume de funcionários, como calls centers — que têm quatro ou cinco mil pessoas trabalhando em casa —, daí tem uma diferença relevante””, afirma o tributarista.
Quem também pode se beneficiar da decisão são as empresas que não excluíam o valor do auxílio da base de cobrança do IR. Nagliate, do escritório Nagliate e Melo Advogados, diz que “muitas são conservadoras e, como ainda não havia um entendimento ‘oficial’, preferiram não correr o ‘risco’ de serem autuadas ou fiscalizadas”. “Agora, a alternativa é pedir a restituição destes valores”.
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