Dia da Mulher: Na B3, equidade não é moda, é caminho sem volta, diz Ana Buchaim

Ana Buchaim, VP de Pessoas, Marketing, Comunicação, Sustentabilidade e Investimento Social da B3, diz que essas ações atraem mais investidores e tornam as empresas mais resilientes

Janize Colaço

Ana Buchaim, vice-presidente de Pessoas, Marketing, Comunicação, Sustentabilidade e Investimento Social na B3. (Foto: Divulgação/B3)
Ana Buchaim, vice-presidente de Pessoas, Marketing, Comunicação, Sustentabilidade e Investimento Social na B3. (Foto: Divulgação/B3)

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Grandes companhias nos Estados Unidos começaram a recuar em pautas de diversidade e inclusão assumidas no passado, embaladas pelo novo governo de Donald Trump e por grupos conservadores, que veem essas políticas como discriminatórias. Apesar desse movimento, a mudança de perspectiva não deve ser replicada na Bolsa de Valores brasileira — é o que defende Ana Buchaim, vice-presidente de Pessoas, Marketing, Comunicação, Sustentabilidade e Investimento Social da B3.

Em conversa com o InfoMoney, a executiva enfatiza que as políticas de diversidade, equidade e inclusão (DEI) e a agenda ESG (Ambiental, Social e Governança, em português) não são apenas questões morais, mas também estratégicas para as empresas. “As companhias que adotam conceitos de equidade, inclusão e acessibilidade são mais lucrativas”, destaca Buchaim.

Segundo ela, a adoção dessas práticas atrai mais investidores, fideliza clientes e viabiliza melhores condições financeiras, tornando as empresas mais resilientes a crises. Por isso, além de estabelecer diretrizes para as companhias listadas, a própria B3 possui metas internas ambiciosas para ampliar a representatividade dentro da organização.

“Para nós, essa agenda não é moda. Trata-se de um caminho sem volta, uma direção que devemos perseguir.”

— Ana Buchaim, VP de Pessoas, Marketing, Comunicação, Sustentabilidade e Investimento Social da B3

Só que o compromisso com a diversidade também se reflete no mercado financeiro, tradicionalmente dominado por homens. Em dezembro do ano passado, foram contabilizados 5.259.178 milhões de investidores na Bolsa de Valores — sendo 73,74% deles homens (3.877.9095), contra 26,26% de mulheres (1.381.269). Embora quase três vezes menor que a participação masculina, a quantidade de investidoras em renda variável cresceu 85,6% entre 2020 e 2024.

Apontando a necessidade de se corrigir desequilíbrios históricos, e garantir que mulheres e outros grupos sub-representados tenham acesso a oportunidades, tanto no mercado de trabalho quanto no mundo dos investimentos, Buchaim explica que políticas de DEI não são apenas uma questão de justiça social. “Em um país com tantas desigualdades, que ainda precisam ser enfrentadas, é também uma estratégia para o sucesso econômico e a sustentabilidade a longo prazo.”

Confira a seguir a entrevista completa com a vice-presidente de Pessoas, Marketing, Comunicação, Sustentabilidade e Investimento Social da B3:

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InfoMoney: Quais retornos as políticas internas de diversidade, equidade e inclusão e a agenda ESG trazem para as empresas listadas e aos investidores? 

Ana Buchaim: Além dos ganhos com a melhoria da reputação e imagem da marca, essas iniciativas podem gerar retornos financeiros significativos, já que as empresas que adotam políticas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) e práticas Ambiental, Social e de Governança Corporativa (ASG) tendem a atrair mais investidores, fidelizar clientes que se identificam com seus valores, reter talentos, e fazer uma melhor gestão de riscos, mitigando fatores que poderiam prejudicar o desempenho financeiro. Ainda existe a possibilidade da melhoria da eficiência energética e a redução de geração de resíduos, que resultam em economia de custos operacionais.

Empresas com equipes diversificadas tendem a ser mais inovadoras e criativas. Um relatório da McKinsey, por exemplo, revelou que empresas com maior diversidade de gênero em suas equipes executivas têm 25% mais chances de obter lucratividade acima da média.

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As empresas que adotam práticas ASG também são mais resilientes a crises e oscilações do mercado e, por esse motivo, também podem conseguir melhores condições de financiamento, com taxas de juros menores.

Essas companhias normalmente obtêm um desempenho superior no longo prazo, com retornos financeiros competitivos e menor exposição a riscos, o que atrai mais investidores e mais capital.

IM: Grandes companhias americanas estão anunciando que devem abrir mão dessas políticas. Essa tendência tem potencial para chegar às empresas de capital aberto no Brasil?

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AB: O que vemos em algumas companhias nos Estados Unidos faz parte do que entendemos ser um movimento pendular. É importante destacar que o tema segue forte aqui no Brasil, e nós não vamos retroceder.

A B3 tem um papel central como indutora de práticas ESG no mercado brasileiro, e nossa agenda está mantida. Temos implementado várias iniciativas e programas para promover a adoção de boas práticas. Lideramos essa temática no Brasil há mais de 25 anos e, para nós, essa agenda não é moda. Trata-se de um caminho sem volta, uma direção que temos que perseguir.

E as empresas brasileiras, especialmente as de capital aberto, estão cada vez mais comprometidas com essas agendas. Já existe no mercado a percepção de que as empresas que trabalham conceitos de equidade, inclusão e acessibilidade são mais lucrativas, pois agregam visões e soluções diferentes para os mais variados temas corporativos. E os investidores e os consumidores brasileiros, em sua maioria, querem que as companhias continuem nessa direção. 

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IM: Quais são os ônus para as empresas, para os investidores e para a sociedade brasileira ao abrir mão dessas políticas de diversidade? 

AB: Seria o retrocesso de uma agenda que vem avançando ano a ano e precisa evoluir ainda mais.

Renunciar às políticas de diversidade pode ter vários efeitos negativos, como a perda de talentos, a diminuição da inovação, a redução da satisfação dos funcionários e clientes e o aumento dos riscos legais e reputacionais.

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Outro ponto importante é o impacto na economia, no PIB do país. Na medida em que você tira mulheres e grupos sub-representados do mercado de trabalho, você reduz o potencial de crescimento da economia.

Promover a diversidade não é apenas uma questão de justiça social, em um país com tantas desigualdades que ainda precisam ser enfrentadas, mas também uma estratégia para o sucesso econômico e a sustentabilidade a longo prazo.

IM: Na prática, como a B3 estabelece e assegura o cumprimento de altos padrões de governança corporativa, transparência e responsabilidade social pelas empresas listadas?

AB: Através de um conjunto de diretrizes e normas rigorosas. Elas incluem a adesão a práticas de governança reconhecidas internacionalmente, a divulgação transparente de informações e a promoção de práticas empresariais responsáveis. Criamos, no ano 2000, o Novo Mercado, segmento em que as empresas listadas se comprometem voluntariamente a um elevado padrão de governança corporativa, com regras que vão além das obrigações que as companhias têm perante a legislação.

Temos um papel muito importante de impulsionar boas práticas, como o Anexo ASG, um documento com medidas propostas pela B3 para estimular a diversidade de gênero e a presença de grupos sub-representados em cargos de alta liderança, além do reporte de boas práticas ambientais, sociais e de governança pelas companhias listadas. Ele é no formato “pratique ou explique”, porque entendemos que nenhuma companhia deve ser obrigada a seguir a agenda de diversidade se isso não faz parte da sua estratégia, mas ela tem que explicar para a sociedade e para seus investidores porque ela tem essa visão.

Outro destaque de indução foi a criação, em 2023, do IDIVERSA B3, o primeiro índice de diversidade da América-Latina que contempla raça-cor e gênero. Esse indicador é uma maneira de reconhecer as companhias listadas que se destacam nessa temática, com base em dados públicos disponíveis no Formulário de Referência das empresas.

A partir dessas informações, a B3 calcula uma nota para cada companhia, levando em conta seu setor de atividade. O objetivo é identificar o quão próximo à diversidade da população brasileira está a companhia analisada, considerando o gênero feminino, pessoas negras (pretas e pardas) e indígenas, de acordo com os dados divulgados pelo IBGE.

IM: E como as políticas de diversidade e inclusão são implementadas dentro da própria B3?

AB: Internamente, nossos gestores têm entre suas metas a de ampliar o nível de representatividade dentro das equipes, com impacto na sua remuneração variável. Também adotamos o modelo do currículo oculto nos processos seletivos, para evitar vieses.

Nos últimos cinco anos, o número de mulheres na B3 aumentou de 20% para 40%. Em relação à alta liderança, a B3 integra a fatia de 6% das empresas listadas que têm três ou mais mulheres na diretoria executiva e conselho de administração.

Outro destaque é o nosso SLB. Em 2021, nos tornamos a primeira bolsa de valores no mundo a emitir um Sustainability Linked Bond (SLB), captando US$ 700 milhões. Com isso, nos comprometemos financeiramente com o cumprimento de metas ligadas à diversidade. Uma delas foi atingida com o lançamento do IDIVERSA, e a outra é alcançar 35% de mulheres em cargos de liderança na B3, até 2026. Atualmente, esse patamar está em 31%. 

IM: Segundo o IBGE, a taxa de participação feminina no mercado de trabalho é de 53%, quase 20 pontos percentuais menor que a masculina. Quando se observa os cargos de liderança, a diferença é ainda maior. As políticas de diversidade devem ser as únicas responsáveis por mudar esse cenário?   

AB: As políticas de diversidade são fundamentais para promover a igualdade de gênero no mercado de trabalho, mas não devem ser as únicas responsáveis por essa mudança. É necessário um esforço conjunto de empresas, governos e sociedade para criar um ambiente de trabalho inclusivo e equitativo, onde todos tenham as mesmas oportunidades de crescimento e desenvolvimento.

Na B3, temos programas que incentivam a contratação de mulheres, como o Manas da Tech, um programa de estágio focado em atrair talentos femininos para as áreas de tecnologia da B3.

Outro exemplo é o <Dev>ª, um programa gratuito de treinamento para mulheres em tecnologia com a duração de 6 meses que tem mais de 300 horas de conteúdo em linguagem de programação, com trilhas que visam oferecer o conhecimento necessário para o ingresso no mercado de trabalho. Esses são exemplos de programas que promovem a entrada de mulheres no mercado de trabalho.

Também temos programas de mentoria, metas de diversidade atreladas à remuneração e a conversa sobre diversidade também acontece dentro do Conselho de Administração da companhia, quando olhamos, por exemplo, perfis diversos para contratação do próprio conselho e de cargos na liderança.

IM: Mulheres também são minoria no mercado financeiro. Como vice-presidente da área de Sustentabilidade da B3, você enfrenta (ou enfrentou) desafios relacionados ao seu gênero? De que forma ser mulher influencia sua gestão e tomada de decisões?

AB: É impossível ser uma mulher na alta liderança e não reconhecer essas dificuldades. A maternidade é um desses eventos que fazem com que a mulher tenha que planejar o desenvolvimento da sua carreira. É inegável que eu, como líder, vivenciei isso. 

As mulheres, tipicamente, precisam se preparar mais para ocupar posições de liderança. Elas têm que trazer a sua voz de uma forma bastante equilibrada para não cair em estereótipo, porque é muito fácil, com um olhar pouco treinado para a diversidade, rotular uma mulher na liderança. 

Por isso a representatividade importa tanto: quanto mais mulheres na liderança, mais fácil é se identificar e se inspirar.

Falar de diversidade e equidade não é uma bala de prata, mas é construído por múltiplas iniciativas. O fato de eu ser mulher em uma posição de liderança me traz muitas responsabilidades, mas também faz com que eu lidere de uma forma diferente. 

Eu me preparo para as decisões e discussões, e, à medida que escuto todas as partes, consigo entender o ponto de vista e o interesse de cada uma delas, o que é fundamental numa negociação ou na promoção de uma política, por exemplo. 

Por isso, as soluções propostas por mulheres tendem a ser mais completas e resilientes. Além disso, ser mãe também me faz uma executiva melhor, porque me aproprio de diferentes papéis, mostrando como consigo ser mais eficiente com o meu tempo.