Magazine Luiza para “gringo ver”: estudantes vão a Boston defender o Brasil em competição do CFA

Estudantes da FEA terão que defender a varejista para jurados de outros países na próxima semana

Paula Zogbi

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SÃO PAULO – Faltar à aula configura leve transgressão por uma causa maior para Victor Pecosqui, de 22 anos, aluno do quarto ano do período noturno de Economia da FEA/USP. Ele chegou a usar alguns horários de disciplinas da graduação para treinar, com seus colegas Larissa Perez, Joaquim Atie, Victor Furlan e Rodrigo Rosa um case consistente para a etapa local do Research Challenge, promovido pelo CFA Institute, que reúne faculdades de renome em competição de análise de empresas de capital aberto.  

“Tínhamos que fazer as reuniões à noite. A gente não conseguia se encontrar direito, porque todos trabalhamos e estudamos, e não conseguíamos sala para essas reuniões. Então, na reta final, quando já estávamos com o material pronto e precisávamos treinar a apresentação, tivemos que fazer isso no corredor da faculdade, cheguei a matar aula para treinar”, conta Victor ao InfoMoney.

Larissa, que está no terceiro ano da faculdade, com 19 de idade, também sentiu a pressão do tempo. “Embora eu tenha muitas atividades, entre estágio, aula e entidades acadêmicas, prefiro fazer menos coisas, mas obcecar em cima das coisas que eu faço”, diz a única mulher do grupo. “Quando eu percebo que tinha 18 homens e duas mulheres na fase nacional da competição – eu e uma menina do insper -, tenho a certeza que ainda temos muito a caminhar para vermos igualdade no mercado financeiro. Mas estamos caminhando nessa direção”, reflete. Batalhar um desafio dessa magnitude definitivamente ajuda.

Já Joaquim, aos 31 anos, está em uma fase diferente. Ao mesmo tempo em que preparava o relatório de 30 páginas entregue ao CFA, ele já trabalhava 40 horas por semana e terminava seu Trabalho de Conclusão de Curso, entregue em dezembro. “Precisei de muita disciplina: aos finais de semana só fazíamos isso, passei várias noites sem dormir, mas eu já sabia que era pesado, e no final compensou”, conta. 

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Compensou mesmo. O grupo tornou-se o primeiro da USP a passar para a fase regional, que ocorre em Boston, Massachussetts, nos dias 19 e 20 de março, com seu call para a varejista Magazine Luiza. A única vez que o Brasil foi campeão da fase das Américas foi em 2009, com alunos da Fundação Getúlio Vargas. Caso não tenha ficado claro: a equipe da FEA tem, agora, um enorme desafio pela frente.

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Como funciona o Research Challenge

Organizado por membros voluntários do CFA, um dos certificados mais valiosos do universo financeiro, o Research Challenge brasileiro levou, em 2017, equipes de 17 faculdades diferentes à sede do JP Morgan para apresentar os cases de empresas selecionadas por sorteio. A equipe vencedora vai à fase regional e as duas primeiras colocadas nesta última chegam ao global, que neste ano ocorrerá em Kuala Lumpur, na Malásia.

Para os alunos interessados no mercado financeiro, é uma oportunidade de aprender na prática como funciona o mercado de trabalho. Com auxílio de professores como conselheiros, eles treinam conceitos de valuation, montam um relatório do zero, entrevistam representantes da empresa, criam modelo de projeção e, ao final, demonstram tudo o que estudaram a um time de avaliadores extremamente qualificado. “É com certeza algo que eu vou dizer um dia em uma entrevista de emprego”, resume bem Victor.

Por que a USP não vencia?

De maneira inédita, a USP não apenas venceu a edição nacional do desafio como angariou também o quarto lugar, com a equipe da Faculdade Politécnica. Mas por que demorou tanto – 10 anos – para a universidade mais prestigiosa da América Latina conquistar esse título?

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Segundo os alunos da FEA, é principalmente uma questão de prioridade. “Na FEA, principalmente no curso de Economia, a parte de Finanças não é tão forte. Estruturalmente, a verdade é que outras faculdades, até o curso de administração, têm mais desse conteúdo”, explica Larissa. “A proposta principal [da USP] é formar um profissional para ser um pesquisador, um bom economista”, concorda Victor. Por isso, um graduando de economia da FEA que tenha interesse no mercado financeiro, precisa ralar por si só e ir em busca de entidades, grupos de estudo e demais fontes de conhecimento sobre o tema. “Não é uma falha da FEA, é só a proposta”, diz Larissa.  

Para além do currículo das disciplinas, desafios profissionais em si não têm tanto estímulo nas universidades públicas quanto nas particulares, na visão dos estudantes. Instituições mais voltadas para o mercado de trabalho, como as persistentes vencedoras das edições anteriores FGV e Insper, têm muito mais tradição em estimular que os alunos participem deste tipo de atividade – há inclusive professores focados exclusivamente nisso. Já na USP, os membros do grupo falam em falta de divulgação interna e dificuldade de contato com professores inteirados no assunto – já que são os docentes que escolhem, mentoram e levam os alunos ao desafio. Neste ano, a responsável foi Liliam Carrete, da disciplina de Valuation, a quem, obviamente, os membros do grupo são gratos.

Considerando o histórico, o desempenho pode ter alguma relação com intimidade e fluxo de trabalho. Nos anos anteriores, a FEA e a Poli formaram um único grupo representando toda a USP – a separação veio apenas em 2017, não se sabe muito bem o porquê. “Simplesmente acabamos nos inscrevendo separado”, conta Victor, sem se gabar da vitória sobre os colegas de instituição. “No final, vendo o resultado, percebemos que cada grupo tinha seus pontos fortes”.

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Joaquim credita o desempenho excepcional também à composição humana do grupo. “É impossível ganhar esse desafio com um grupo de pessoas muito parecidas”, crava. “Comparo nosso time com uma empresa: cada um tem um talento e soubemos usar isso a nosso favor. Eu sou melhor com relatórios, a Larissa, por exemplo, tem muita confiança para falar em público”, exemplifica. “É uma competição que exije várias competências e muita calma, acho essa diferença fundamental e vou falar isso para o grupo que tiver interesse em participar ano que vem”. 

Magazine Luiza

Escolhida pelo CFA, o Magazine Luiza, empresa sobre a qual o grupo teve de construir seu call, já é “celebridade” na bolsa brasileira. Por um lado, foi difícil convencer os jurados nacionais da compra de um papel que já subiu 501,5% em 2016 e 510,5% em 2017. Na outra ponta, defender uma empresa de varejo focando em e-commerce para jurados familiarizados com a Amazon parece impossível.

“Essa fase é bem diferente da primeira. Na apresentação, temos que focar em pontos chaves para apresentar nosso call em apenas 10 minutos. É muito complexo, e essa fase é bem mais difícil”, analisa Joaquim. “Precisaremos mostrar o Brasil como ele é, as questões logísticas, as dificuldades do país, e comparar a Magazine a empresas que os jurados já conhecem, como Amazon e Mercado Livre. Parece simples, mas não é”, garante. 

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Não que isso abale a equipe. Chegar longe é um empurrão necessário para que os estudantes se sintam mais capazes de chegar ao céu. Ver isso é fácil: basta perguntar a qualquer um dos membros da equipe se a turma está confiante.

“Claro! Se é para entrar, é para ganhar”, diz Larissa. “A gente está se esforçando muito. E para gente é uma baita honra – já estamos muito satisfeitos por estar na primeira equipe da USP que ganha a fase nacional”.  

Joaquim está um pouco menos tranquilo: “Nunca! Nunca fico totalmente confiante. Meu talento era sentar quietinho e escrever um relatório gigante. Eu travo na hora de apresentar: para mim, a apresentação é um desafio especial. Por outro lado, eu melhorei muito, não só para apresentar na competição, mas também no trabalho ou para um cliente”, comemora. 

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Victor também tem um legado para creditar ao desafio. “Serviu muito como uma recompensa”, diz. E vai além: “é a coisa que eu mais me orgulho de ter feito até hoje”.

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Paula Zogbi

Analista de conteúdo da Rico Investimentos, ex-editora de finanças do InfoMoney