Home office e direitos trabalhistas: o que diz a CLT sobre as obrigações dos funcionários e empresas

Advogados trabalhistas respondem às principais dúvidas sobre as regras do home office em tempos de coronavírus

Giovanna Sutto

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SÃO PAULO – Com o avanço da pandemia do coronavírus, o período de quarentena vem se estendendo e muitos profissionais seguem trabalhando remotamente de casa, no home office. No entanto, uma série de dúvidas podem surgir em meio a esse momento turbulento em que muitos trabalhadores foram realocados em casa de forma emergencial.

O InfoMoney entrou em contato com advogados trabalhistas para responderem quais são os direitos e deveres dos funcionários e das empresas durante o home office, incluindo pagamento de benefícios, equipamentos, férias, entre outros tópicos.

Confira:

Home office: quem pode fazer?

Segundo André Ribeiro, advogado trabalhista sócio do escritório Dias Carneiro Advogados, a princípio todo empregado pode fazer home office a depender da definição para a categoria. “O home office, que tecnicamente é conhecido como teletrabalho, tem uma série de regras previstas na CLT depois da Reforma Trabalhista. No entanto, com Medida Provisória (MP) nº 927, houve uma flexibilização da regras e com isso ficou definido que cabe ao empregador unilateralmente informar o empregado com 48 horas de antecedência, se ele vai ou não realizar o home office”, afirma o advogado.

Leila Dissenha, advogada trabalhista e professora da PUC-PR, explica que em uma situação normal, fora dos contornos de uma pandemia, o home office é uma modalidade de trabalho ajustada entre patrão e empregado. “Como ajuste que é, ambos devem estar de acordo. No momento atual, contudo, ela pode ser a única forma de trabalho possível para muitos empreendimentos, tendo em vista regulamentações Municipais e Estaduais que determinaram a suspensão de diversas atividades”, afirma.

Assim, durante o período de calamidade, dadas as circunstâncias, o empregado é obrigado a aceitar, considerando a MP em vigor, trabalhar remotamente se o empregador assim decidir.

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“A partir dessa decisão, um aditivo no contrato de trabalho deve ser feito e deve incluir as regras definidas em conjunto com o empregado: se vai ter reembolso de despesas do empregado com energia elétrica, computador, utilização de internet, etc ou não, se o empregador vai oferecer equipamento para os empregados que não tenham equipamento próprio ficarem em casa, entre outros pontos”, diz Ribeiro. Segundo ele, se o empregado se recusar a fazer o home office ele pode ser demitido por justa causa.

Segundo Leila, na prática, as obrigações do colaborador continuam as mesmas do contrato regular, com alguns acréscimos. “Assim como o empregador tem a obrigação de informar e treinar o empregado sobre os riscos ergonômicos e outros decorrentes da execução das atividades nesta modalidade, o empregado tem a obrigação de observar, atentamente, as orientações do patrão, seja com relação ao mobiliário adequado, às horas de trabalho, às pausas que lhe forem recomendadas”, explica.

Cássia Pizzoti, advogada sócia do Demarest, lembra que como o trabalho em regime de home office “se caracteriza pela prestação de serviços preponderantemente (ou totalmente) de forma remota, na residência do empregado, com a utilização de tecnologias da informação e comunicação. Portanto, o eventual comparecimento pontual do empregado para desempenho de determinada atividade nas dependências da empresa, de clientes, fornecedores, etc. não descaracteriza”.

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Como funcionam os benefícios de vale-alimentação, vale-refeição e vale-transporte?

Em relação ao vale-transporte, Leila afirma que, considerando que não há o deslocamento de casa até o trabalho, a empresa pode cortar o benefício, uma vez que o empregado não terá a necessidade de utilizá-lo.

“Mas os demais benefícios referentes à alimentação do trabalhador devem ser mantidos, tanto os contratuais quanto os decorrentes de negociação coletiva, uma vez que as necessidades alimentares não se alteram com a alteração da modalidade de trabalho”, afirma.

Ribeiro, no entanto, aponta para uma discussão existente sobre o corte ou redução de vale-alimentação e refeição. “O vale-alimentação, juridicamente, equivale a uma cesta básica. Então, é mais difícil defender o corte considerando a jurisprudência e os casos da justiça do trabalho”, diz.

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E complementa que o vale-refeição, por outro lado, tem por objetivo subsidiar o custo extra do empregado por não ter suas refeições em casa ou é dado em substituição ao empregador não ter um refeitório. “Por isso, algumas empresas têm reduzido ou cortado o benefício. Por disposição expressa de lei, o vale-refeição não integra o salário do empregado, então não estaria protegido pela Constituição Federal no que diz respeito a irredutibilidade da remuneração, o que abre espaço para o corte”, afirma.

Mas, segundo ele, a recomendação para as empresas que estão cortando esse tipo de benefício é que informem a supressão do benefício no contrato aditivo de home office. “A empresa pode alegar a situação de força maior para afirmar que o vale-refeição não faz mais sentido ou poderá ser ajustado, já que o empregado faz as refeições em casa”, diz Ribeiro.

Então, existe uma certa flexibilidade nesse benefício por não ser considerado parte do salário, “mas há risco para as empresas que estão suprimindo o vale-refeição em especial se estiver previsto em convenção coletiva”, complementa Ribeiro.

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Para Cássia, outros benefícios, tais como planos de saúde, seguro de vida, vale-refeição, entre outros, “se oferecidos voluntariamente antes da mudança do regime, devem continuar a ser oferecidos nas mesmas condições”.

Como funcionam marcação de pontos, banco de horas e registro de horas extras?

Cássia explica que o empregado não está sujeito a controle de horário de trabalho e pagamento de horas extras. “A legislação trabalhista (e a própria MP nº 927) estabelece que o empregado em regime de teletrabalho não está sujeito a controle de horário de trabalho haja vista a impossibilidade de o empregador executar esse controle à distância”. 

“Entretanto, pode haver o controle de horas a ser definido entre as partes e havendo ou não controle, o que se recomenda é o respeito à Constituição, tomando os cuidados necessários para que a duração do trabalho não ultrapasse 8 horas diárias ou a jornada prevista por instrumentos de negociação coletiva”, afirma Leila.

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Essa mesma MP também prevê que o uso de aplicativos ou programas para comunicação fora dos horários normais de trabalho não constitui tempo à disposição do empregador, exceto se houver previsão contratual expressa nesse sentido, segundo Cássia.

Ribeiro lembra que apenas funcionários que têm controle de jornada podem utilizar o banco de horas de forma excepcional como o previsto na MP 927. “O empregado pode ter uma redução de jornada sem redução de salário, compensando essa redução com horas extras até 18 meses depois do fim do estado de calamidade. Mas para isso o funcionário precisa ter um controle de jornada – definido com o empregador”, diz.

A recomendação do Ministério Público do Trabalho é que as empresas que têm empregados com controle regular de jornada permaneçam desse jeito durante o home office, e que fiquem isentos de controle de jornada aqueles que já não se enquadravam nessa categoria antes da crise. Mas a decisão é da empresa, segundo Ribeiro.

O empregado tem direito a intervalo intrajornada durante o home-office?

Segundo Cássia, sócia do Demarest, sim. Apesar de o empregador não ter condições de controlar os horários de trabalho dos empregados durante o trabalho em home office, o empregado tem direito ao gozo de intervalo intrajornada e será responsável por gozá-lo integralmente nesse período”.

Já Ribeiro afirma que, se o contrato de home office não prever o controle de jornada do trabalhador, “o mesmo não tem direito intervalos ou hora extra e adicionais noturnos. Fica na mesma posição de cargo de confiança de trabalhador externo”.

Como fica o contrato do funcionário que está em home office?

Segundo Leila, advogada e professora da PUC-PR, o Teletrabalho recebeu uma regulamentação nova com a Reforma Trabalhista, e dentre as regras impostas pela CLT, está a necessidade formalização desta modalidade de trabalho e a possibilidade de tornar um empregado presencial em teletrabalhador, caso este aceite a modalidade.

“Em tempos normais, a lei requer o prazo de 15 dias para esta transição (o que foi flexibilizado, ante a pandemia que vivenciamos)”, diz.

Assim, durante o estado de calamidade pública decretado pelas autoridades, as partes não estarão obrigadas a prever essa formalização por escrito, bastando que a empresa envie ao empregado notificação por meio eletrônico, com antecedência de 48 horas ao início da prestação de serviços em regime de home office.

No entanto, segundo a MP 927, as disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, pela manutenção ou pelo fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária à prestação do teletrabalho, trabalho remoto e reembolso de despesas devem ser previstas em contrato escrito.

“Ou seja, a recomendação é que todas as empresas que estejam fazendo trabalho remoto formalizem oficialmente isso para os empregados e indiquem quais serão os termos e condições da prestação de serviço remoto. Elas têm 30 dias a partir da data de mudança de regime”, diz a professora.

A empresa deve fornecer os equipamentos para o home office?

Segundo Leila, nos termos da lei, caso o empregado não possua os recursos necessários, sim. “O artigo 75-D da CLT é claro no sentido de que é do empregador a responsabilidade ‘pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos’. Cabe a ele, portanto, providenciar a infraestrutura necessária para que o empregado possa executar suas atividades, incluindo o reembolso de valores por ele despedidos para tanto”, explica.

Ribeiro lembra, no entanto, que não existe uma lei ou regra que obrigue o empregador pagar nada no que diz respeito a reembolso de despesas.

Cássia reitera que essas questões devem ser endereçadas em documento escrito, cujas condições variarão caso a caso, conforme as práticas de cada empresa.

“De qualquer forma, o empregador poderá fornecer equipamentos necessários ao trabalho em home office e/ou reembolsar as despesas extraordinárias incorridas pelo empregado para a execução do trabalho, inclusive sendo possível estabelecer valor ‘teto’ para esses reembolsos, se for o caso. Como dissemos acima, despesas e equipamentos de infraestrutura devem ser analisadas caso a caso, a depender das necessidades dos empregados e empregadores”,explica.  

Vale ainda comentar que a legislação define que os equipamentos fornecidos e despesas pagas pelo empregador não terão natureza salarial e, portanto, não integrarão a remuneração dos empregados para o cálculo de férias + 1/3, 13º salário, FGTS, contribuições previdenciárias, entre outros. 

O funcionário pode se recusar a tirar férias?

Não. Leila explica que a escolha do período de férias é um direito do empregador, conforme o artigo 136 da CLT: cabe a ele decidir o momento mais oportuno para que o empregado possa gozar seu período de férias. “Cabe ao empregador, inclusive, optar por conceder férias coletivas, antecipando o período concessivo, até como uma medida de enfrentamento de crises de demanda ou, mais especificamente, para superar uma situação extrema, como é o caso da atual pandemia”, diz.

Ribeiro lembra que, durante as férias o empregado não pode trabalhar para a empresa e que a remuneração das férias vai ser dada de maneira extraordinária nesse período. “Geralmente é pago tanto o salário como o um terço do salário adicional até 48h antes do início das férias, mas a MP 927 postergou o prazo do pagamento do salário dos dias de férias para até o quinto dia útil do mês seguinte que o empregado tirou férias e o adicional de um terço deve ser pago até dezembro de 2020 junto com o 13º salário”, diz.

Os funcionários em grupo de risco devem ficar em casa?

Segundo Ribeiro, hoje não existe previsão legal que obriga o empregador a aceitar que um empregado que se autodeclara em grupo de risco fique em casa. “Salvo se houver atestado médico ou uma decisão de autoridade de saúde determinando isolamento, cabe ao empregado requerer ao empregador sua liberação para ficar casa, tirar férias ou fazer home office”, diz.

Ele complementa. “Por outro lado, o empregador deve tomar cuidado com as decisões que fizer nesse sentido por conta de eventual responsabilização quanto ao estado de saúde dos empregados e a promoção de um ambiente saudável e seguro para os trabalhadores; deve ser analisado caso a caso preferencialmente junto ao médico do trabalho ou responsável pela segurança da saúde da empresa”, diz.

Quem se responsabiliza se acontecer um acidente durante o home office?

Cássia afirma que “caso esse acidente tenha relação com o trabalho e tenha ocorrido durante o trabalho executado pelo empregado, a empresa deverá tratar a ocorrência como acidente de trabalho. Por outro lado, no caso de acidente doméstico sem relação com as atividades desempenhadas pelo empregado, a empresa não deve tratar a ocorrência como sendo acidente de trabalho para efeitos legais”, diz. 

Segundo ela, o empregador é responsável por zelar pela saúde e segurança de seus empregados no ambiente de trabalho. “Para o regime de home office, a lei determina que o empregador deve instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho, exigindo que o empregado assine termo de responsabilidade quanto ao cumprimento dessas orientações”, explica.

A advogada também afirma que a empresa pode aproveitar “o acordo individual relativo a equipamentos e despesas – que deve ser obrigatoriamente celebrado – para a finalidade de também dispor sobre regras e obrigações relativas ao tema segurança e saúde no trabalho em home office”.  

Os empregados devem manter suas obrigações de confidencialidade em relação às informações obtidas durante o trabalho?

Sim, durante o trabalho em home-office, o empregado permanece sujeito ao cumprimento de suas obrigações de confidencialidade, responsabilizando-se por não permitir que terceiros tenham acesso a essas informações”, diz Cássia, do Demarest. “A recomendação é para que as empresas reforcem essas obrigações, inclusive contemplando as possíveis situações inerentes ao trabalho em home office que demandarão atenção redobrada do empregado de modo a proteger as informações de seu empregador”, afirma.

Estagiários podem trabalhar em home-office?

Segundo Cássia, as atividades dos estagiários, como regra geral, pressupõem a necessidade de orientação por um supervisor, demandando acompanhamento efetivo. Durante o período de calamidade, entretanto, estagiários poderão desenvolver as atividades de estágio de suas residências, conforme autoriza a MP 927.

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A empresa pode colocar o empregado em licença não-remunerada nesse período?

Segundo Leila, não.  A licença não-remunerada só pode ser concedida quando solicitada pelo empregado, como dispõe a CLT, no seu artigo 476. O empregador pode ou não aceitar. Há documentos coletivos, que exigem motivos específicos para isso, inclusive. Trata-se de um procedimento formal e, ressalta-se: requer a iniciativa do empregado para se concretizar”, afirma. Esse tipo de licença acontece quando o empregado fica um período sem trabalhar, mas não é demitido.

O empregador pode determinar o retorno ao trabalho presencial a qualquer momento?

Como regra geral, o retorno ao trabalho presencial deve ser estabelecido em acordo escrito com o empregado, garantindo-se o prazo de transição mínimo de 15 dias, segundo Cássia. “Entretanto, a MP 927 estabelece que durante o estado de calamidade pública decretado pelas autoridades, o empregador poderá determinar o retorno ao trabalho presencial por meio de comunicado escrito ou eletrônico, com antecedência de 48 horas”, diz.

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Giovanna Sutto

Responsável pelas estratégias de distribuição de conteúdo no site. Jornalista com 7 anos de experiência em diversas coberturas como finanças pessoais, meios de pagamentos, economia e carreira.