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SÃO PAULO – Fazer os funcionários trabalharem apenas quatro dias na semana pode melhorar não só a qualidade de vida da equipe, mas os resultados das empresas? Centenas de companhias vão testar essa iniciativa na Espanha — e parte do dinheiro virá do governo.
Pedro Sanchez, o primeiro ministro espanhol, afirmou em fevereiro deste ano que vai investir 50 milhões de euros do orçamento público em um teste nacional para uma jornada de trabalho com 32 horas em quatro dias por semana.
O teste terá duração de três anos. O dinheiro público será usado para manter os mesmos salários aos funcionários, ainda que trabalhem por menos horas. Esse seria um apoio transitório. Após o final dos testes, as empresas deverão sustentar o mesmo salário apesar da redução de jornada.
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O projeto veio do partido político de esquerda Más País. Íñigo Errejón, líder do partido, disse à agência de notícias Bloomberg que cerca de 200 companhias deverão participar voluntariamente do projeto. A iniciativa começará em setembro de 2021.
“Faz 100 anos desde que nós encurtamos nossa jornada de trabalho e chegamos até as oito horas diárias. Continuamos a produzir mais com menos horas de trabalho, mas essa habilidade de produção mais por conta da tecnologia não gerou mais tempo livre para as pessoas”, disse Errejón.
Errejón defende a iniciativa desde antes da pandemia de Covid-19, mas diz que essa crise na economia e na saúde mostrou que é possível ter um ambiente de trabalho mais flexível. “Era algo reservado para poucas companhias inovadoras, que decidiram implementar essa medida por conta própria. Virou agora um debate nacional.”
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Jornada reduzida ajuda nos resultados?
O movimento The 4-Day Week Campaign escreveu uma carta endereçada a diversos líderes políticos em novembro – desde o presidente americano Joe Biden até o próprio primeiro-ministro espanhol Pedro Sanchez. Na carta, o movimento pede uma jornada de trabalho menor como resposta para a pandemia.
“Durante crises e recessões econômicas, é uma forma de distribuir a carga horária de maneira mais igualitária entre os desempregados e os sobrecarregados com trabalho”, escreve o The 4-Day Week Campaign. “Menos horas de trabalho não seriam boas apenas para a economia, mas cruciais para melhorar a saúde mental e combater mudanças climáticas. Uma semana de trabalho com quatro dias seria uma mudança crucial no desenho das nossas economias, voltadas então para o bem-estar das pessoas e da natureza.”
Jacinda Ardern, premiê da Nova Zelândia, recomendou em maio deste ano que as empresas do país adotassem o novo regime de trabalho como uma forma aumentar o turismo doméstico e reduzir o estresse crônico causado pela pandemia. O Japão agora está com uma proposta em tramitação para aderir à semana de trabalho com quatro dias – um país conhecido por suas longas jornadas profissionais.
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O setor privado consegue realizar mudanças mais rapidamente. Algumas companhias desses países já adotaram a semana de trabalho com quatro dias – como a filial da Microsoft no Japão e a filial da Unilever na Nova Zelândia. Ambas adotaram 32 horas de trabalho semanais.
Nessas empresas, o salário é o mesmo apesar de menos horas trabalhadas. Dessa forma, as empresas precisam pagar mais seus funcionários por hora. Os ganhos de produtividade compensam?
A Microsoft reportou resultados positivos no Japão. A filial fechou seus escritórios aos 2.300 funcionários toda sexta-feira durante um mês. As vendas por empregado saltaram 40%. Ao mesmo tempo, os custos com eletricidade foram reduzidos em 23% e a impressão de papéis caiu 59%.
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Para Ronaldo Loyola, sócio da área de capital humano da Grant Thornton Brasil, os ganhos em produtividade podem não apenas equiparar as vendas vistas antes redução de jornada, mas também compensar outros custos das empresas.
Um deles é o que chama de “presenteísmo”. “As pessoas estão durante oito horas no escritório, mas produzem no máximo metade desse tempo. O resto da jornada é cheio de desmotivação. Tem quem trabalhe mais horas e acabe sendo menos produtivo. O foco da empresa deve ser em resultado, não em carga horária”, afirmou ao InfoMoney.
Outro custo poupado pelas empresas com a redução de jornada é o de assistência médica. “Essa é uma das linhas mais caras dentro dos custos empresariais, porque o índice de sinistralidade é alto. Os funcionários podem ter problemas físicos e mentais por conta do estresse no trabalho, e diminuir a jornada pode ajudar a combater problemas como ansiedade, estresse e fadiga crônica.”
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O maior entrave para a adoção de uma semana de trabalho com quatro dias é a cultura das organizações e dos seus líderes, na visão do especialista.
“Uma jornada menor é uma disrupção e a empresa precisa transformar sua cultura. Mas essa mudança não precisa vir por causa de uma dor, como foi a pandemia forçando o home office”, exemplifica Loyola. “Líderes têm de mudar sua mentalidade e entender que é possível manter uma jornada de quatro dias. Quem exerce muito comando e controle e tem dificuldade de inovar sofrerá mais.”
O trabalho remoto pode inclusive ajudar na transição para uma jornada mais flexível. A falta de deslocamento gera ganho de tempo e permite resolver emergências pessoais e familiares sem ter de sair do escritório e ir até a residência, por exemplo. Porém, Loyola afirma que ter uma sede presencial ainda é necessário para manter conexão entre funcionários.
“A gente não pode perder a relação com as outras pessoas, é uma necessidade do ser humano. Justamente por isso os espaços corporativos preparam layouts mais para convivência e reuniões, no lugar de salas fechadas.”
Em negócios que dependem de operação presencial, Loyola afirma que as empresas podem usar a semana de trabalho com quatro dias desde que invistam em transformação digital. Por exemplo, um restaurante pode investir em sistemas de registro de pedidos e robotização de processos de cozinha para que possam ter menos funcionários por turno, espalhando os atuais entre a semana de trabalho.
Jornada reduzida ajuda a equilibrar vida pessoal e profissional?
Em 1930, John Maynard Keynes argumentou que a eficiência crescente nas sociedades industrializadas levaria a maior tempo livre. A jornada de trabalho seria reduzida para apenas 15 horas semanais. Mas não aconteceu como o economista previa. De acordo com o The 4-Day Week Campaign, as horas de trabalho decresceram entre 1930 e 1980. Mas essa redução estacionou desde então – e a pandemia do novo coronavírus só piorou o quadro.
A jornada de trabalho diária aumentou em três horas entre março de 2020 e março de 2021, segundo um estudo da empresa NordVPN feito nos Estados Unidos e reproduzido pela rede de televisão CNBC.
A imposição de uma jornada de trabalho reduzida poderia ser um caminho para maior equilíbrio entre vida pessoal e profissional? Pesquisadores neozelandeses fizeram um estudo ao longo de 2018 na empresa Perpetual Guardian, que permitiu que os 240 funcionários encaixassem suas 40 horas semanais de trabalho em quatro dias. A pesquisa mostrou que os empregados se sentiam menos estressados e afirmaram que podiam passar mais tempo com suas famílias. Foi reportado um aumento de 24% no equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Loyola concorda com o estudo. “A empresa é apenas parte do propósito de cada pessoa. Ela ganha um dia útil para fazer atividades que não podem ser feitas no final de semana.”
Os benefícios também se refletem no meio ambiente. Em 2012, um estudo realizado pela Universidade Massachusetts afirmou que países com menor jornada de trabalho tendem a ter menores pegadas de carbono e ecológicas, além de uma menor emissão de dióxido de carbono. Os pesquisadores creditaram as reduções a um menor deslocamento e a um menor consumo energético.
Teste em startup brasileira
No Brasil, a semana de trabalho com quatro dias ainda é restrita a poucos exemplos, capitaneados pelas próprias empresas. Um desses casos é a Zee.Dog, que produz e comercializa produtos para pets por meio de um e-commerce e do aplicativo Zee.Now.
A Zee.Dog começou a testar uma semana de trabalho com quatro dias em fevereiro de 2020. “Como fundador de startup, não sou o melhor exemplo em equilíbrio entre vida pessoal e trabalho. Pesquisamos exemplos em empresas na Austrália e no Japão que adotaram especificamente um dia de folga na quarta-feira. É uma oportunidade de se reernergizar no meio da semana, tornando produtivos tanto o bloco de segunda-feira e terça-feira quanto o bloco de quinta-feira e sexta-feira”, afirma Thadeu Diz, cofundador da Zee.Dog.
Os testes foram interrompidos com a chegada da pandemia do novo coronavírus no Brasil. A semana de trabalho com quatro dias foi retomada em fevereiro deste ano, com os funcionários adaptados ao home office.
Desta vez, a Zee.Dog está intercalando uma semana normal com uma semana com folga na quarta-feira para comparar os resultados. A empresa não controla o horário de trabalho dos funcionários — eles são organizados em equipes multidisciplinares com tarefas semanais (squads). O salário não foi reduzido.
“Resultado é muito importante, como em toda startup, mas também percebemos que produtividade não é tudo. De repente, podemos perceber que o retorno sobre o investimento foi simplesmente em bem-estar e tudo bem. Para os funcionários, é importante terem uma quarta-feira para passar mais tempo com os filhos ou desenvolver um hobby”, afirma Diz.
A Zee.Dog tem cerca de 300 funcionários e escritórios em São Paulo, Rio de Janeiro, Espanha e China. “Só não conseguimos implementar na China. As pessoas não paravam na quarta-feira, foi algo que não se encaixou na cultura de trabalho por lá. Mas isso não significa que o modelo continuará do mesmo jeito em todos os nossos escritórios. Estamos em uma eterna experimentação.”
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