Não é folga: licença paternidade curta prejudica mães e crianças, diz especialista

Deixar de contratar mulheres porque elas podem ter filhos é questão mais cultural que econômica, acredita pesquisadora do Insper

Paula Zogbi

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SÃO PAULO – No último 8 de março, data em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, Dilma Rousseff sancionou uma lei que estende de 5 para 20 dias a licença paternidade em companhias que participam do programa Empresa Cidadã. No último domingo, Dia do Trabalhador, a presidente retomou o tópico em discurso, afirmando que a medida já foi aplicada para servidores públicos. 

O programa, que fornece um pacote de benefícios às empresas participantes, garante a possibilidade de deduzir do Imposto de Renda o salário referente ao período em que o funcionário estiver ausente do trabalho para cuidar do bebê – bem como ocorre na licença maternidade. Para ter acesso, o funcionário deverá solicitar o benefício em até dois dias úteis após o parto e comprovar sua participação em programa ou atividade de orientação sobre paternidade responsável, recebendo o salário total. O pai fica também impedido de realizar outra atividade remunerada neste período.

Longe de ser um momento de “folga” para os homens que têm filhos, a medida é essencial não apenas para o pai como para a família como um todo, de acordo com a professora do Insper Regina Madalozzo, especializada em Economia de Gênero e Mercado de Trabalho, Ph.D pela University of Illinois.

“Quem acha que serão 20 dias de férias provavelmente nunca teve experiência com um recém-nascido, não sabe o que diz”, dispara a pesquisadora. Segundo ela, embora seja inegavelmente um avanço, 20 dias ainda é um período que reforça a diferença de responsabilidade aplicada em modelos conservadores de família, o que pode ser prejudicial às mulheres e à relação das crianças com seus pais.

Entre as mães, a opinião é a mesma. Sabine Bromberg, formada em administração de empresas pela FGV, que ficou mais de 15 anos sem trabalhar para cuidar dos filhos, acredita que “nosso país ainda é um pouco machista no pensamento de que a mulher deve cuidar da casa e o homem prover recursos financeiros”. Com grandes ambições para a carreira, ela encaminhava sua trajetória em Recursos Humanos quando seu primeiro filho nasceu.

Na época, Sabine se sentiu privilegiada por ter recursos financeiros para ficar em casa com ele mesmo depois do término da licença. “Um fator que me impeliu a tomar esta decisão foi que a empresa onde eu trabalhava à época mudou de endereço, para São Bernardo, muito longe da minha casa. Eu não me arrependo”. De qualquer maneira, ela acredita que a ajuda do pai das crianças por um período maior no nascimento seria importante e boa para a família.

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“Depois de 9 meses dentro do corpo da mãe, é justamente nos primeiros dias e meses de vida que a criança conseguiria criar laços com o pai; caso contrário, a própria criança passa exigir mais da mãe”, explica Regina, uma frase endossada quase com as mesmas palavras por Sabine.

É, portanto, já no início da formação que se constroi ideia de que a responsabilidade quanto ao trabalho doméstico não deve ser partilhada. De acordo com o IBGE, este modelo atualmente faz com que as mulheres trabalhem aproximadamente 5 horas a mais por semana do que os homens no país – número que cresceu entre 2004 e 2014. Enquanto isso, os salários delas seguem 25% mais baixos nas empresas. 

Licenças divididas

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A diferença entre os períodos de ausência não é um padrão mundial. “Em todos os países existe essa discussão de qual período a pessoa deveria se afastar quando tem filhos. Em sociedades mais conservadoras a gente acredita que o papel de cuidar é responsabilidade é da mulher, aí o foco fica geralmente mais na licença maternidade. Já em sociedades mais igualitárias, a licença e a responsabilidade são partilhadas, porque o cuidado do pai é visto de maneira mais positiva, como uma contribuição”, explica a professora Regina. 

Na Suécia, por exemplo, uma lei definiu que pais devem passar ao menos três meses de licença com a criança, como forma de incentivar a participação masculina – a licença completa é de 480 dias, e pode ser dividida da maneira como o casal preferir. No caso da Noruega, os pais podem desfrutar desde 2012 de 14 semanas com o bebê após o nascimento. Já na Finlândia, a mãe conta com 15 semanas, e o pai com 3 semanas. Ao mesmo tempo, há países em que não existe nem mesmo a garantia de ausência para a mãe. “Nos Estados Unidos não há lei federal que garanta a licença, só existe em alguns estados”, comenta a especialista. 

Na opinião da professora, o modelo mais próximo de ser considerado ideal é o da partilha do período, por não reforçar comportamentos prejudiciais a um lado. “Mas é muito difícil cravar o período correto, é uma discussão constante”, afirma. 

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Trabalho e escolhas

No Brasil, embora a mulher já esteja integrada no mercado de trabalho, o fato de não ter conseguido se desvencilhar desse estereótipo da responsabilidade exclusiva penaliza o gênero feminino na busca por empregos. Este é um fator mencionado por boa parte das mulheres que decolaram em suas carreiras e chegaram a posições de liderança

Para Sabine, o trabalho doméstico também foi uma experiência enriquecedora, mesmo que não tenha sido levado em conta no momento em que decidiu retornar ao mercado. “Paguei um pedágio”, explica. “Tenho respeito pelas mulheres que conseguem fazer as duas coisas ao mesmo tempo, mas acredito que a bagagem que adquiri neste período me ensinou muito sobre formar pessoas”.

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A desqualificação do trabalho doméstico vem de uma cultura que penaliza a mãe – ou mesmo a possível futura mãe – em suas carreiras. “Há empresas que justificam não contratar mulheres ou pagar salários mais baixos com o fato de que elas podem engravidar, o que para mim é uma questão muito mais social do que econômica”, comenta a professora Regina. “Em média, as mulheres têm uma ou duas licenças durante todo o período em que está no mercado de trabalho. E mesmo assim, não é a empresa que paga, porque o salário neste período é reembolsado pelo governo”, diz. “Será que o custo de ficar com uma pessoa a menos nesse período é de fato tão prejudicial a ponto de embasar a escolha do candidato ideal? Me parece, depois de muito estudo a respeito, que não, que é realmente cultural”.

O prejuízo no caso da licença se dá no custo de ficar com uma pessoa a menos neste período. Dependendo das atividades que exercem, muitas mulheres, principalmente em cargos de gestão, acabam voltando antes dos 140 dias ou até mesmo realizando algumas atividades referentes ao trabalho remotamente. Mas cargos de gestão são a minoria, o fato de a mulher precisar fazer este tipo de escolha e o homem nem ter a opção é onde começa o problema. 

Por conta dessas diferenciações, levadas em conta desde o recrutamento, a própria taxa de natalidade pode acabar sentindo as consequências. “O que eu vejo, e estudos comprovam, é que as pessoas tendem a ter menos filhos quando acham que é mais custoso, em uma análise crua de custo e benefício: ou seja, se é preciso abrir mão de uma carreira que vc gosta é mais custoso ter filhos”, conta. No caso de Sabine, é possível dizer que a escolha teve um preço. 

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“Paguei, mas não me arrependo. Consegui voltar ao mercado de trabalho depois de algum tempo buscando, mesmo que com ‘pedágio’, em uma posição abaixo da que deveria estar. Agora estou entre empregos, busco outra área: quero trabalhar na administração de organização sem fins lucrativos”, menciona ela. “Fiz uma escolha muito boa para mim e para os meus filhos na época, e agora é a minha vida profissional que corre atrás”.

Paula Zogbi

Analista de conteúdo da Rico Investimentos, ex-editora de finanças do InfoMoney