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Para encontrar um profissional para seu time de desenvolvedores, a fintech Warren, de Porto Alegre, foi longe: após meses de procura, contratou um funcionário que trabalha de casa, em Sinop, polo do agronegócio de Mato Grosso, a 3 mil km de distância.
O caso ilustra como o setor de tecnologia se descolou da realidade do mercado de trabalho brasileiro. Em um país de 13,4 milhões de desempregados, ou 12,7% da força de trabalho, o segmento tem no momento 5 mil vagas abertas apenas em startups (empresas nascentes). Considerado todo o ecossistema de tecnologia, as companhias poderiam abrir até 70 mil novas vagas em 2019 – meta que deve ficar longe de ser cumprida por falta de mão de obra capacitada.
A abertura de empregos no setor é turbinada por várias frentes. Uma delas é a criação de novas empresas de tecnologia. Segundo a Associação Brasileira de Startups (Abstartups), apenas entre janeiro e abril deste ano, nada menos que 2 mil empresas foram fundadas nesse setor.
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Até dezembro, mais 3 mil podem começar a operar. Do lado dos negócios mais maduros, aponta a Brasscom, que reúne companhias de tecnologia da informação, a demanda de transformação digital em diversos negócios pode garantir que a receita do setor dobre até 2024, somando R$ 200 bilhões. Para chegar a essa cifra, as companhias vão precisar de 420 mil trabalhadores até 2024, segundo o presidente executivo da associação, Sérgio Paulo Gallindo.
Mas, se há tanta gente procurando emprego, como se explica a dificuldade de unir trabalhadores ávidos por oportunidades às vagas disponíveis? Embora a demanda por profissionais de tecnologia deva ficar em torno de 70 mil pessoas ao ano entre 2019 e 2024, Gallindo explica que as universidades só formam 45 mil profissionais em áreas ligadas a TI por ano.
“Desse total, a metade está em cursos como análise e desenvolvimento de sistemas, que estão defasados em relação ao que o mercado exige hoje”, diz. Ou seja: só um quarto da necessidade de profissionais da área é suprida pelo canal tradicional, que são as universidades.
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Como a escassez não será resolvida facilmente, empresas e entidades de classe tentam remendar o problema, relaxando critérios para a contratação, pelo menos no que diz respeito à formação universitária.
“As empresas estão contratando pessoas que não são formadas em TI e dando um ?banho de loja? (treinamento intensivo)”, diz Amure Pinho, presidente da Abstartups. A gaúcha Warren, que foi até Sinop para encontrar um programador, já se adaptou aos novos tempos: “A pessoa formada em Ciência da Computação é ideal, mas temos programadores formados em Direito”, afirma André Gusmão, cofundador da empresa.
Contratações no setor de tecnologia ficam mais flexíveis
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Diante da dificuldade em encontrar mão de obra, o mercado de tecnologia está mais flexível. No ano passado, mesmo em um cenário ainda difícil para a economia, as empresas de tecnologia associadas à Brasscom, principal entidade do setor, contrataram 28 mil funcionários, número que só não dobrará em 2019 por causa da falta de pessoal qualificado. Nas 5 mil novas startups (empresas nascentes) de tecnologia que devem surgir no mercado brasileiro em 2019, o total de vagas pode chegar a 50 mil.
“A disputa por cérebros para o mercado de tecnologia está mais acirrada, dada a escassez de mão de obra não só em startups como também para área de tecnologia de grandes empresas tradicionais”, diz Ricardo Basaglia, diretor executivo da empresa de recrutamento Michael Page, que criou uma divisão dedicada à área de tecnologia por conta da demanda por profissionais da área.
Para atrair mão de obra, as empresas passaram a olhar de forma mais generosa para diplomas de cursos técnicos. Cargos como desenvolvedores de softwares, antes reservados para graduados em Ciência e Engenharia da Computação, agora estão abertos para profissionais com formação técnica, apesar de estarem entre os mais estratégicos na área de tecnologia, diz Amure Pinho, presidente da Associação Brasileira de Startups (Abstartups).
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Segundo a empresa de recrutamento Revelo, hoje a posição de desenvolvedor paga salário médio inicial de pouco menos de R$ 6,5 mil, bem mais do que cargos nos quais há mais oferta de profissionais, como especialista em mídias sociais, cuja média salarial está em R$ 3,7 mil.
Criatividade e competência técnica
Na hora de buscar profissionais, as empresas adotam ferramentas para testar a competência técnica e a capacidade de solucionar problemas dos candidatos – independentemente de formação acadêmica. A fintech Warren, por exemplo, usou um “enigma” em um processo de seleção. “Só quem conseguisse decifrar a mensagem codificada tinha acesso ao e-mail para enviar o currículo. Queríamos testar o prazer das pessoas em resolver desafios”, diz André Gusmão, cofundador da empresa.
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Com base em Campinas (SP), a CI&T presta serviços de tecnologia para clientes como Itaú e Google. Com atuação nos mercados do Brasil, dos EUA e da China, a empresa criou uma campanha de contratação na forma de desafio digital, que atraiu 5,3 mil candidatos. Batizada You Global, ela permitiu que a empresa conseguisse encontrar cem novos funcionários, diz Marcelo Trevisani, diretor de marketing da CI&T. Hoje, a companhia tem 2,5 mil empregados, com previsão de contratar mais 500 até dezembro.
Diante da necessidade de escalar negócios, o setor vêm priorizando a velocidade. A Revelo trabalha com uma ferramenta na qual os profissionais são filtrados por uma sistema automatizado, que hoje já reúne 500 mil cadastros. Assim, uma pessoa só é apresentada a uma companhia quando as chances de contratação são altas. Segundo Mateus Pinho, diretor da Revelo, a seleção para uma vaga, que costuma levar um mês, pode ser resolvida em uma semana. “As empresas hoje têm pressa”, diz ele, que calcula que a ferramenta receba 30 mil currículos ao mês.
Fóruns na Web e eventos ajudam preparação de candidato
Mesmo quem nunca trabalhou com tecnologia pode usar a internet para dar os primeiros passos e tentar se apresentar como um potencial candidato para as milhares de vagas que o setor deve abrir nos próximos anos. “O interessado que não tem contato com o setor pode começar se informando pela internet, em blogs de tecnologia, tutoriais e fóruns de discussão, para testar seus conhecimentos de programação”, diz Matheus Fonseca, responsável pela área de atração de talentos da Movile, dona do aplicativo de entregas iFood e da plataforma de entretenimento PlayKids.
Segundo Fonseca, ao contrário do que ocorre em outros segmentos, a comunidade de tecnologia é aberta ao debate e a novos entrantes. A partir dessa sondagem inicial online, a pessoa em busca de uma carreira na área pode encontrar seus pontos de interesse – de preferência, dentro das competências mais buscadas pelo setor atualmente. Segundo a Associação Brasileira de Startups (Abstartups), das 5 mil vagas que estão abertas neste momento em empresas em estágio inicial, as que oferecem mais oportunidades são desenvolvimento de software, vendas e atendimento, marketing e design.
Com a definição do objetivo, é hora de partir para eventos gratuitos que oferecem informação e treinamento sem custo. Na dona do iFood, há um programa de quatro sábados voltado a iniciantes no mundo de tecnologia, chamado de Movile Next, cujas datas e locais de realização são divulgados no site da empresa. Lá também estão artigos gratuitos sobre diferentes tecnologias, incluindo código aberto. Outros expoentes desse mercado, como o NuBank, também mantêm encontros com interessados na área – os chamados “meet ups”.
Cursos
O candidato pode chamar a atenção de um recrutador na área apenas com um curso online ou uma especialização de curta duração, diz Mateus Pinho, diretor de marketing da Revelo, plataforma online especializada em recrutamento para tecnologia. “O mercado está abraçando novos perfis, não pode fechar o funil”, afirma. “É a hora de aceitar uma formação mais multidisciplinar.”
Para quem tem dinheiro para investir, cursos de um semestre, como os da Digital House, vêm acompanhados de orientação de carreira e ajuda na hora de procurar emprego. Na Digital House, curso e mentoria custam entre R$ 7 mil e R$ 8 mil. A escola, que começou a operar há um ano, quer formar até 4 mil alunos em 2019.
‘Nunca fui à sede da minha empresa’
É de um cômodo numa casa simples em um bairro residencial de Sinop (MT), a 3 mil quilômetros de Porto Alegre (RS), que parte da programação da fintech gaúcha Warren é realizada. Contratado há três meses pela empresa de soluções financeiras, Enieber Cunha, 23 anos, nunca foi ao escritório da companhia para a qual trabalha. “Fui a Porto Alegre a um evento uma vez, mas nunca fui à sede da empresa”, diz ele.
Cunha começou a se interessar pela área de tecnologia ainda no ensino médio, quando optou por um curso de técnico em programação. Ainda menor de idade, conseguiu o primeiro emprego. Antes de entrar na Warren, batia cartão em uma startup de Sinop. Mas tinha vontade de economizar o tempo que gastava para se locomover ao trabalho. Quando surgiu a oportunidade no Rio Grande do Sul, ele conseguiu satisfazer o desejo de trabalhar remotamente – até porque, neste caso, era a única solução.
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A forma que o profissional foi apresentado à Warren desafia os meios tradicionais de aproximação entre empresas e candidatos. Em vez de enviar um currículo, ele apresentou seu trabalho com uma aplicação desenvolvida pelo Facebook – que era usada pela fintech gaúcha – em um dos muitos fóruns de discussão sobre desenvolvimento de tecnologias da internet. Foi o suficiente para ser chamado para uma entrevista.
De acordo com o cofundador da Warren, André Gusmão, a empresa está em um forte processo de expansão. Com 112 pessoas na equipe atualmente, a intenção da fintech é chegar a 200 colaboradores até o fim do ano. “Estamos sempre com vagas abertas”, afirma. “Buscamos os profissionais mais curiosos em aprender.”
Chance
A dificuldade das empresas de encontrar mão de obra abre espaço para quem quer oxigenar a carreira. Após trabalhar por 15 anos em indústrias químicas e de alimentos, Mirella Gabriel, de 37 anos, resolveu tentar uma “virada” após ser dispensada de uma multinacional, em maio de 2018.
Depois de passar o segundo semestre do ano passado fazendo um curso de gestão de negócios digitais, conseguiu ingressar há um mês na Gesto, de gestão de planos de saúde corporativos. Apesar de hoje ganhar 50% menos do que recebia há um ano, Mirella sente que agora tem espaço para crescer no médio e longo prazos. “É um preço que vale a pena pagar para conhecer um novo estilo de empresa e usar ferramentas que não conhecia”, diz.
‘Fies falhou em direcionar alunos para as necessidades do País’
Principal polo de inovação do Nordeste, o Porto Digital, do Recife, trabalha com uma perspectiva ousada: dobrar o número de empregos em suas startups ao longo dos próximos cinco anos, para um total de 20 mil vagas. Como esperar que as universidades deem conta desse contingente é impossível, o presidente do Porto Digital, Pierre Lucena, diz que vai lançar mão de programas feitos em parcerias com universidades como a PUC – para acelerar a formação de técnicos em até dois anos.
Além disso, o Porto Digital, que hoje abriga um centro de inovação da multinacional Accenture, espera também conseguir apoio do governo para criar um curso de reciclagem de seis meses para engenheiros atraídos a Pernambuco por grandes obras do governo hoje encerradas e “que agora trabalham como Uber”.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Por que falta mão de obra para o setor de tecnologia?
Veja o exemplo do Nordeste: a região como um todo tem 13.117 alunos de Ciência da Computação. E tem 191.325 de Direito. Formamos muito pouca gente na área de tecnologia. O governo utilizou de maneira desenfreada o Fies (programa de financiamento estudantil), mas não planejou ou direcionou os incentivos para as necessidades do País. Na época, como os concursos públicos estavam em alta, houve um incentivo natural para a área de Direito. Mas foi um desvirtuamento de mão de obra e, agora, vamos ter um monte de bacharéis para os quais não haverá necessariamente emprego. As pessoas foram atraídas pelos cargos iniciais do setor público que oferecem R$ 30 mil por mês. Claro que as pessoas preferiam isso a começar como programador por R$ 4 mil.
Como vai ser viabilizada essa previsão de crescimento?
Apesar de o Porto Digital estar sediado em Pernambuco, há 6.296 alunos na área de tecnologia, ao todo. Então, vamos ter convênios com a Universidade Tiradentes e com a PUC para lançar o curso do Porto Digital, que vai formar pessoas em dois anos. Além disso, vamos montar uma central de pessoas aqui. Hoje, temos 328 empresas. A ideia é facilitar a união entre o profissional que busca a oportunidade e todo o nosso ecossistema. Vamos também atrás de talentos em outros polos nordestinos, como Campina Grande (PB) e Natal (RN).
Reciclar engenheiros de outras áreas é uma tarefa possível?
A gente está preparando um treinamento de seis meses para engenheiros, pois eles já têm raciocínio lógico para fazer a virada para a área de tecnologia. Mas precisamos de fomento do governo porque esse tipo de curso intensivo é muito caro. O complexo de Suape fez Pernambuco virar um canteiro de obras e chegou a empregar 50 mil pessoas. Atraiu engenheiros civis de todo o Brasil, que agora trabalham como Über.
Que outro tipo de público pode ser mais bem aproveitado para reduzir o déficit de mão de obra do setor?
As mulheres, definitivamente. Hoje, elas são só 15% do curso de Ciências da Computação na Universidade Federal de Pernambuco. É preciso desmistificar esses estereótipos. A participação feminina pode ser muito maior do que é hoje.
Quantas vagas estão abertas atualmente no Porto Digital?
Imagine isso: existem 900 vagas abertas em uma região que tem 17% de desemprego.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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