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O empregador que tenta influenciar, manipular ou direcionar o voto de seus colaboradores comete um crime, segundo os artigos 299 e 301 do Código Eleitoral. A prática criminosa tem um nome: assédio eleitoral.
O assunto anda tão em voga que as buscas na internet pelo termo “assédio eleitoral” cresceram mais de 4.000% desde o início da disputa do segundo turno das eleições em 12 estados, além do cargo para presidente da República. A métrica é do Google, e foi feita a pedido do InfoMoney.
A prática de assédio eleitoral se configura quando o patrão oferece salários extras, outras bonificações e até usa de ameaça, com possibilidades de demissão e corte em promoções de cargo, para obter o voto dos funcionários em um candidato escolhido pela empresa.
Nas eleições deste ano, explodiram as denúncias de assédio eleitoral computadas pelo MPT (Ministério Público do Trabalho), órgão responsável por investigar esse tipo de ocorrência. Entre os dias 3 e 26 de outubro, já sob o período do segundo turno das eleições, o MPT diz ter registrado 1.572 denúncias de assédio eleitoral em 1.200 empresas espalhadas pelo país. O número é 740% maior do que foi contabilizado nos dois turnos das eleições de 2018.
Essa onda de ocorrências preocupa, e motivou o Senado Federal a instaurar nesta semana uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar casos de assédio eleitoral cometidos por empresários contra funcionários.
No dia do segundo turno
Também se enquadra como assédio eleitoral qualquer oferta do patrão a um funcionário no dia da eleição, como almoço gratuito ou folga no domingo, se votar em um determinado candidato, ou transporte gratuito para ir para casa em vez de ir votar. “Qualquer ação que impeça ou dificulte o funcionário de exercer seu voto também pode ser considerado assédio eleitoral”, diz Karolen Gualda, advogada do escritório Natal & Mansur.
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Vale lembrar que essa atitude não tem relação com a medida do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou que prefeituras e empresas de ônibus poderão oferecer transporte público gratuito no segundo turno das eleições. Neste caso a intenção é garantir o direito ao voto para todos os cidadãos.
O empregador também não pode utilizar qualquer menção à saúde financeira da empresa ou afirmar que o negócio pode falir, por exemplo, para tentar comover os funcionários a votar em um ou outro candidato. “Mesmo que o chefe seja próximo, o abuso de poder diretivo não pode existir”, diz Leonardo Couto, advogado trabalhista do escritório ALC Advogados.
Segundo Luis Mendes, advogado trabalhista sócio do escritório Pinheiro Neto, embora o termo assédio eleitoral seja novo, a prática é uma velha conhecida dos brasileiros há décadas. “Esse tipo de atitude remete aos coronéis e ao voto de cabresto, quando os trabalhadores eram obrigados a votar em seus patrões ou votar em quem o empregador mandava. É um abuso de poder e relação de manipulação sobre as pessoas. É um retrocesso para todas as partes”, explica.
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Na avaliação de Mendes, o número de denúncias apuradas pelo MPT “mostra a falta de noção dos empregadores sobre a relação profissional que o funcionário e o patrão deveriam ter”.
É importante salientar que um funcionário não pode ser discriminado, prejudicado ou demitido (nem por justa causa) por expressar a opinião política em ambiente de trabalho. Este direito é garantido pelo Art. 5º, da Constituição de 1988, e pelo Art. 19º, da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
O que o funcionário pode fazer?
O funcionário que se sentir vítima de assédio eleitoral pode fazer uma denúncia no site do MPT, no campo “Denuncie”, ou por meio do aplicativo “MPT Pardal”, app do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
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“Na denúncia, o trabalhador deve fornecer detalhes sobre os fatos e, se possível, apresentar evidências que comprovem a irregularidade”, afirma Adriane Reis de Araújo, procuradora regional e coordenadora nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho do MPT Araújo. Essa denúncia pode ser anônima, se o funcionário preferir.
Karolen Gualda, advogada do escritório Natal & Mansur, acrescenta que o funcionário pode denunciar a prática sempre que se sentir forçado a revelar o voto ou a escolher o candidato da empresa.
“Não importa se a atitude do empregador for subliminar, mais sutil. A partir do momento que o funcionário sente que sua liberdade está sendo tolhida, deve tomar providências para se defender e manter seus direitos”, aponta Gualda.
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Além de fazer a denúncia no MPT, é possível ingressar, de forma individual, com uma ação na Justiça por danos morais.
“Vai de cada funcionário analisar sua situação e sentir se tem a necessidade de um advogado particular para entrar com uma ação por danos morais ou patrimoniais”, diz Gualda, que complementa: “As decisões do MPT são coletivas, portanto, impactam todos da empresa envolvida — mesmo se um único indivíduo fizer a denúncia. Se for comprovado que houve assédio eleitoral, a empresa será punida”.
O MPT faz uma investigação sempre ouvindo todas as partes, mas mantém os nomes dos funcionários que fizeram a denúncia em sigilo a fim de evitar qualquer tipo de perseguição ou mesmo demissão do empregado por parte da empresa envolvida. A atuação do órgão busca interromper a prática dos atos que caracterizam o assédio e a reparação dos danos causados aos funcionários.
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Mas, caso um funcionário seja dispensado em razão da denúncia feita ao MPT, a empresa pode ser processada. “O funcionário pode entrar com um processo na Justiça do Trabalho com pedido de indenização em função do assédio. Além disso, pode ser feito pedido de reintegração ao emprego”, diz Leonardo Couto, do escritório ALC Advogados.
Nesse caso, o especialista do ALC Advogados ressalta a importância de o funcionário ter, em mãos, dados comprobatórios da prática de assédio eleitoral, como vídeos, áudios, mensagens de texto e testemunhas para garantir seus direitos.
Como as empresas são punidas?
A legislação eleitoral (Lei nº 4.737/1965) é a utilizada para responsabilizar os casos comprovados de assédio eleitoral.
Segundo explica Araújo, do MPT, as punições mais frequentes para empresas e empregadores, no campo trabalhista, são oriundas de ação civil pública, que geralmente resultam em pagamento de indenização por danos morais coletivos e individuais, além de uma retratação pública quando a mensagem é veiculada nas redes sociais ou qualquer meio de comunicação.
Além do pagamento de indenização, Alexandre Rosa, advogado trabalhista do Gourlart Penteado, explica que, caso seja constatada a prática de irregularidades, a empresa pode ter que assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (“TAC”), que prevê as atitudes que ela não deve fazer ou repetir, como a prática do assédio, sob pena de multa.
Gualda acrescenta que o MPT também pode determinar que a empresa seja fiscalizada a fim de comprovar que o TAC está sendo cumprido. “Diante do volume de denúncias, a resolução desses casos pode demorar”, diz a advogada.
“Ainda, pela lei, empresas que são condenadas por assédio moral, e o assédio eleitoral é um dos subtipos dessa categoria, são vedadas de obter empréstimos e financiamento em bancos públicos (art. 3º, II, Lei n° 9.029/95 e Lei n° 11.948/2009)”, afirma Adriane Araújo, procuradora do MPT.
Na esfera criminal, o empresário flagrado na prática de assédio eleitoral pode ser condenado à prisão, por até quatro anos, segundo o Código Eleitoral.