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Produção agrícola dribla El Niño e novos recordes deverão ser batidos

Mas fenômeno pode causar problemas pontuais para grãos no Matopiba e no Rio Grande do Sul

Fernando Lopes

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Responsável pelas fortes chuvas e ciclones extratropicais que castigaram o Rio Grande do Sul entre junho e setembro, o El Niño até agora poupou as principais culturas agrícolas brasileiras. Os produtores estão preocupados, mas a expectativa para os próximos meses é que os reflexos negativos do fenômeno sobre as plantações sejam pontuais e se concentrem em áreas do Nordeste e do extremo Sul, sem afetar a tendência de aumento das colheitas nacionais de grãos ou de culturas perenes como cana e café.

Estragos produzidos por ciclone extratropical no Rio Grande do Sul (Foto: Defesa Civil/RS)

O El Niño é caracterizado pelo aquecimento das águas do Pacífico Equatorial. Costuma ocorrer a cada dois a sete anos, dura entre nove e 12 meses e tem influência sobre o clima no mundo todo, em maior ou menor intensidade. No Brasil, provoca aumento de temperaturas e chuvas na região Sul, no sul de São Paulo e em Mato Grosso do Sul, e redução das precipitações no Norte e no Nordeste. No Centro-Oeste, reduz a chance de o período úmido atrasar, o que normalmente favorece a produção de grãos.

Na safra 2015/16, última safra sob um El Niño mais intenso, a produtividade em polos de soja e milho do Matopiba diminuiu, mas no Sul as chuvas mais volumosas foram benéficas –  exceto em algumas áreas do Rio Grande do Sul. O cenário agora é semelhante. “O desafio constante do país é elevar a produtividade agrícola. Planejamento e investimentos em tecnologia ajudam a mitigar eventuais problemas causados por fenômenos como El Niño e La Niña”, disse Willians Bini, head de comunicação da Climatempo, ao IM Business.

Samuel Isaak, analista da XP Investimentos, observou que não é possível, por exemplo, cravar que a irregularidade das chuvas na semana passada em Mato Grosso, que lidera a produção brasileira de grãos, é obra do El Niño. E lembrou que as previsões indicam precipitações favoráveis ao plantio de grãos no Centro-Oeste para as próximas semanas. “Embora as chuvas intensas já tenham gerado perda de qualidade em lavouras de trigo do Rio Grande do Sul, o El Niño poderá ser positivo para a safra de verão de grãos na região Sul, que sofreu nos últimos anos com a seca provocada pela La Niña”, afirmou.

Grãos

Em relatório divulgado na segunda-feira, a StoneX ponderou que o clima poderá provocar surpresas, especialmente no Norte e no Nordeste, mas ajustou para cima sua projeção para a produção brasileira de soja nesta safra 2023/24, cuja semeadura ganhará força nas próximas semanas. Segundo a consultoria, o volume deverá alcançar o recorde de 164,1 milhões de toneladas, ante 157,7 milhões em 2022/23.

Para a primeira safra de milho, a StoneX passou a calcular a colheita em 27,5 milhões de toneladas, abaixo do que previa em setembro (28,2 milhões) e também da produção do ciclo 2022/23 (28,6 milhões). Pesa para essa queda o fato de o milho ser mais suscetível a intempéries que a soja, o que em uma temporada com presença de El Niño faz diferença para as decisões de plantio. Mas os melhores preços da oleaginosa também estimulam alguma migração de milho para soja.

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Cana

No caso da cana-de-açúcar, as chuvas das últimas semanas em São Paulo chegaram a atrapalhar um pouco a moagem, mas nada capaz de ameaçar a superprodução em curso. Segundo a Unica, entidade que representa as usinas do Centro-Sul, o volume processado na região chegou a 406,6 milhões de toneladas do início desta safra 2023/24, em abril, até o fim de agosto, 10,9% mais que no mesmo intervalo do ciclo anterior. O nível médio de Açúcares Totais Recuperáveis (ATR) ficou apenas 0,57% menor na comparação.

Se as chuvas se tornarem mais intensas e regulares nas próximas semanas, uma possibilidade que não pode ser descartada,a moagem poderá atrasar e uma parte da colheita ficará para o ano que vem – o que já deverá acontecer dado o grande volume previsto. Consultorias como a Datagro estimam que a moagem vai superar 600 milhões de toneladas em toda a safra 2023/24. Para a StoneX, o volume poderá chegar a cerca de 623 milhões de toneladas, um novo recorde.

Café

A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) credita ao clima mais favorável a tendência de aumento da produção de café no país na atual temporada, mesmo diante da bienalidade negativa, quando a produtividade é naturalmente menor. A estatal projeta a colheita total em 54,4 milhões de sacas de 60 quilos, 6,8% mais que em 2022, quando o ciclo era de bienalidade positiva, mas lavouras de diversas regiões foram penalizadas por seca e calor. Ante a safra de 2021, de bienalidade negativa, o crescimento agora chega a 14%.

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Laranja

Para a laranja, finalmente, as perspectivas de colheita farta também foram reforçadas nas últimas semanas, mesmo com o El Niño no radar. Segundo o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), mantido com contribuições de produtores e indústrias de suco, a produção no cinturão que se espalha por São Paulo e Minas Gerais, o maior do mundo, deverá alcançar 309,3 milhões de caixas de 40,8 quilos nesta safra 2023/24, 1,6% menos que em 2022/23. Em relação à média da última década, há leve crescimento de 1%.

No momento, pico da colheita do ciclo atual, a atenção da cadeia produtiva está voltada ao clima em outubro e novembro. Mas por causa do ciclo 2024/25. Se houver um “veranico” influenciado pelo El Niño, o pegamento da florada nos pomares poderá ser prejudicado, o que terá efeitos negativos sobre a produção da próxima temporada.

Fernando Lopes

Cobriu o setor de energia e foi editor do semanário Gazeta Mercantil Latino-Americana até 2000. Foi editor de Agro no Valor Econômico até fevereiro de 2023