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A uma rodada do fim do Campeonato Brasileiro, três das principais Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs) do país ainda lutavam contra o rebaixamento: Cruzeiro, Vasco e Bahia conseguiram se salvar da queda entre a penúltima e a última semana do torneio. A permanência na série A não significou apenas um alívio para seus torcedores, mas a perspectiva de manter receitas mais elevadas e a possibilidade de seguir — ou repensar — seus planos para médio e longo prazo.
Com passagens pela série B em algum momento, os clubes venceram a estatística de uma chance de cair novamente dentro de cinco anos próxima a 33%. Mas ainda precisam fechar seus balanços financeiros, que devem ser publicados entre abril e maio do próximo ano. E é para eles que analistas têm voltado sua atenção.
O Botafogo é o exemplo mais recente de tentativa de endereçar a crise financeira. O clube carioca — que liderou o Brasileirão por 31 das 38 rodadas e viu escapar pelas mãos uma vantagem de 13 pontos contra o vice-líder — entrou com pedido de Recuperação Extrajudicial para resolver quase R$ 405 milhões em dívidas. A ação, assinada tanto pelo clube social quanto pela SAF, propôs um corte de 40% a 90% no valor dos débitos, além de um pagamento em até 15 anos.
Investidores como Ronaldo Fenômeno, no Cruzeiro, o fundo de private equity 777, no Vasco, e John Textor, no Botafogo, assumiram clubes com o desafio de amenizar o alto endividamento contraído pelas associações nas últimas décadas — em valores que chegavam a R$ 1 bilhão.
Especialistas acreditam que o principal saldo dos balanços apresentados não será a redução do passivo, mas um plano de pagamento da dívida reestruturado e com melhores condições após negociações com credores.
É o caso do Cruzeiro. Do ponto de vista administrativo, o clube mineiro tem angariado confiança no mercado. Mesmo com limitações claras de investimento no futebol, o projeto encabeçado por Ronaldo Fenômeno reúne uma equipe de executivos com experiência e bom trânsito no mercado. Para uma fonte familiar ao processo, “quem trouxe o amparo, a perspectiva para esse plano”, foram essas lideranças.
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O plano de recuperação do clube reduziu a alavancagem a curto prazo e prevê o pagamento de R$ 682 milhões para credores, além de outros R$ 260 milhões para cumprimento das obrigações junto às autoridades fiscais.
As SAFs podem optar por negociar suas dívidas via recuperação judicial, mas a lei que regulamenta o modelo também permite usar o Regime Centralizado de Execuções (RCE), em que o clube associativo fica com a dívida, mas a empresa do futebol destina 20% das receitas ao pagamento de credores da associação, sob uma lista de prioridade.
O RCE foi o caminho escolhido pelo Vasco para negociar suas dívidas já em 2021, sob gestão de uma consultoria especializada. O cruzmaltino passou por idas e vindas no ano, dentro e fora do estádio. Em maio, a SAF precisou renegociar os prazos de pagamento do RCE na justiça trabalhista para evitar atrasos que vinham ocorrendo. Além disso, a 777 partners, investidora da SAF, atrasou em um mês, dentro do prazo de carência, o investimento de R$ 100 milhões estipulado em contrato. Como sócias, as associações têm exercido um papel de pressionar os investidores pelo cumprimento das obrigações estipuladas nos acordos.
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Os projetos de empresa
Para analistas, já é possível diferenciar como cada uma das plataformas por trás das SAFs no Brasil se porta, e 2023 serviu como uma espécie de termômetro desse movimento. Clubes cujo investidor tem uma gestão de futebol centralizada, mesmo que tenha negócios por todo o globo, parecem estar se saindo melhor.
O Bahia, por exemplo, tem sido tratado como um projeto bem-sucedido e com grande potencial. Vendido ao Grupo City — cujo acionista majoritário é o fundo soberano Abu Dhabi United Group — em maio deste ano, o tricolor está sob a gestão de uma das principais referências internacionais no futebol. “Ser do Grupo City traz um pacote de gestão. Manchester City, Montevideo Torque, Girona, Palermo: o modelo de gestão é o mesmo. Tem gente que vem da gestão mãe, digamos assim, para cuidar do clube”, explica Cesar Grafietti, sócio da Consultoria Convocados.
Mesmo que o clube tenha se salvado do rebaixamento apenas na última rodada do Brasileirão, a avaliação é de que um projeto de longo prazo pode ser mais facilmente sustentado devido ao seu investidor. “Por definição, esse fundo não precisa retornar o dinheiro, diferentemente dos private equities, como de Vasco e até mesmo John Textor, no Botafogo, que hoje possui alguns”, diz um executivo próximo aos negócios sob condição de anonimato.
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O clube baiano optou por tentar bons acordos na negociação com credores, sem adotar nem o regime de recuperação judicial ou o RCE. O Bahia arcou com toda a sua dívida tributária e mais 50% do restante do passivo com aportes do fundo soberano. A expectativa é conseguir, em dois anos, liquidar toda a dívida, segundo fonte que acompanha as negociações.
Para essa fonte, o ano colocou à prova o modelo de plataforma multiclube adotado por Textor. O investidor americano foi um dos poucos entre as SAFs que fez investimentos mais elevados no ano (o clube já estava na série A desde 2022), mas no decorrer da temporada comprou o francês Lyon, clube com faturamento dez vezes superior ao do alvinegro. “Naturalmente, você vai mudar um pouco o foco”.
Jorge Braga, empresário especializado em reestruturações e ex-CEO Botafogo, avalia que, ao longo de 2023, vieram à tona questões que já são discutidas em mercados mais maduros, como o europeu, como o risco de as plataformas multiclubes preterirem um de seus negócios e, por meio de transferências de talentos e ativos, acabarem prejudicando outro — transferindo jogadores com potencial de venda para outro time da empresa, por exemplo.
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Já do lado financeiro, o saldo feito por executivos que caminham entre as SAFs é de que, na média, as empresas têm feito um bom trabalho. “Com exceção de gestões associativas como as de Flamengo e Palmeiras, as SAFs são mais bem geridas que qualquer clube”, diz um executivo com assento no conselho de uma grande SAF. A própria estruturação das dívidas é um movimento raramente visto no futebol brasileiro.
Próximos passos
No próximo ano, outros clubes passarão o campeonato brasileiro inteiro como SAFs. O Atlético-MG se tornou empresa no decorrer do ano. O grupo de empresários e mecenas do clube, conhecido como 4 R’s, se tornou dono de 75% da SAF do Galo. Rubens e Rafael Menin (da MRV), Ricardo Guimarães (um dos controladores do BMG) e Renato Salvador (da família proprietária da rede de hospitais Mater Dei) se preocupam, agora, em como reduzir o endividamento do clube, que chegou a bater os R$ 2 bilhões em 2023 em função de dívidas e da construção do seu novo estádio, a Arena MRV.
O Coritiba, rebaixado na penúltima posição do campeonato brasileiro, foi vendido para Treecorp no meio do ano, mas ainda é difícil fazer qualquer avaliação, dado que a empresa não fez parte do planejamento. Já o Fortaleza, transformado em SAF, ainda não foi comprado por um investidor e segue sob administração da sua associação, assim como o América-MG, Cuiabá e Red Bull Bragantino são modelos de clube-empresa de longa data.
A criação de uma liga de futebol para negociação conjunta de contratos, no entanto, deve ser o verdadeiro catalisador de novos investimentos em clubes brasileiros. Projeções indicam que, em cinco anos, a criação de uma liga pode até dobrar a receita gerada com futebol no País, gerando um efeito cascata da elite do futebol para as demais categorias.
Investidores estrangeiros têm adotado a postura de esperar a formação de uma liga para, só então, começar movimentos de prospecção ativos no mercado brasileiro a fim de comprar SAFs, diz uma fonte que se reuniu com esses gestores. As discussões sobre a criação de uma liga estão travadas em função da discordância de blocos de clubes sobre as regras de divisão de receita.
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