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O agro ainda é muito masculino – mas, se depender dela, por pouco tempo

Para Helen Jacintho, que divide, com o marido, a gestão da fazenda Regalito, em Flores de Goiás, parte do Grupo Continental, as mulheres estão mais preparadas para o trabalho no campo

Mariana Amaro

Helen Jacintho, falando sobre a metodologia Lean que ajudou a implementar no Grupo (Foto: Arquivo pessoal)
Helen Jacintho, falando sobre a metodologia Lean que ajudou a implementar no Grupo (Foto: Arquivo pessoal)

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A visão de “um rancho fundo, bem para lá do fim do mundo” que Ary Barroso tinha do setor agropecuário era correta para 1930, quando a canção foi composta. Mas, quase 100 anos depois, o setor evoluiu. Algumas das principais mudanças vão da inovação e busca por sustentabilidade no setor até o quadro de funcionários do setor, composto por profissionais de diversas áreas como TI e RH. 

Na liderança também houve mudanças. Segundo dados da Fundação Getulio Vargas, as mulheres, agora, ocupam cerca de 34% dos cargos administrativos no agro, o que representa mais de 1 milhão de mulheres na gestão de mais de 30 milhões de hectares. 

De acordo com dados divulgados em 2022 pela Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), quase 70% delas são proprietárias ou arrendatárias e 17% fazem parte da diretoria ou atuam como gerentes ou administradoras. Ainda, 41% delas possuem pós-graduação e 29%, superior completo. Em 2018, na primeira edição da pesquisa, apenas 12% das mulheres no agro possuíam pós-graduação. 

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Uma delas é a Helen Jacintho, produtora rural e uma das gestoras da fazenda Regalito, parte do grupo Continental, uma empresa familiar cuja operação envolve cana de açúcar, seringueira, soja, milho, gado no sistema de confinamento e semi-confinamento. Jacintho é responsável pela implantação de um sistema de gestão de indústria. O grupo também financiou a instalação de um biodigestor, capaz de suprir toda energia necessária pela produção na fazenda. Paralelo ao trabalho na propriedade, ela preside um grupo de networking formado por 50 mulheres do agronegócio. No GAFFFF, evento de agronegócio patrocinado pela XP, no Allianz Parque, em São Paulo, ela conversou com o InfoMoney

Helen Jacintho com os filhos e marido (Foto: Arquivo pessoal)

Esta entrevista faz parte do Guideline, série semanal de entrevistas do InfoMoney com executivos e especialistas de referência sobre visões estratégicas em diferentes setores. Confira aqui as entrevistas já publicadas.

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INFOMONEY: Uma grande parte das mulheres no agro entrou no setor por influência familiar ou necessidade. Como foi a sua trajetória?

Helen Jacintho: Como a maior parte das mulheres, eu me tornei do agro. Já tinha uma conexão muito grande com o campo, o que é natural para quem é do interior. Todo mundo tem essa ligação com a terra. Minha avó, por exemplo, morava em uma chácara, onde eu ia passar as minhas férias, mas nunca tinha morado em uma fazenda. Passei a juventude em Presidente Prudente onde conheci meu marido. Depois de casados, eu estava grávida e estávamos esperando nosso apartamento ficar pronto. Acabamos indo para a fazenda da família dele para morar por um ano – ficamos 15. Fiquei pensando: será que vou me adaptar? Mas a verdade é que eu me apaixonei. 

IM: Sua formação era outra. Como você começou a trabalhar na fazenda da família?

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HJ: Eu sou formada em engenharia de alimentos mas sempre fiquei em dúvida sobre trabalhar na minha área porque é uma profissão que exige presença constante, e queria ser uma mãe presente. Estando na fazenda, fui me ocupando de diversas coisas conforme as necessidades e oportunidades. Comecei tirando fotos dos animais que iam para o leilão, depois já comecei a fazer os catálogos, as propagandas e chegou um momento em que organizava quase o leilão inteiro. 

Como muitas mulheres, eu não me via como uma ‘mulher do agro’, mas como a esposa que ajudava. Isso é tão comum que apareceu até em uma pesquisa da ABAG. Demorou para eu realmente me enxergar como uma mulher do agro. 

IM: Qual é o momento atual do Grupo Continental?

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HJ: Temos duas propriedades e cerca de 130 funcionários. Estamos implementando na nossa propriedade o sistema Toyota de Produção, muito usado na indústria. A fazenda é como uma empresa e já tínhamos atuado em treinamento e tecnologia, mas sentia falta de uma organização maior. Não que fosse uma bagunça, mas eu queria ordem. Como não sabia como fazer isso entrar na cultura de uma propriedade rural, buscamos um consultor e implementamos uma série de melhorias. Colocamos a coleta seletiva e reciclagem e esse dinheiro é reinvestido para os funcionários. 

Em paralelo, fizemos uma série de investimentos como o biodigestor, que transforma dejeto bovino, um passivo ambiental, em biofertilizante e biogás. O biogás é utilizado como combustível de um motor de ciclo diesel, que aciona um gerador e produz energia elétrica que alimenta a fazenda inteira. O biofertilizante por sua vez, é aplicado nos pastos e lavouras diminuindo nossa necessidade de adubos nitrogenados. Foi um projeto caro e pioneiro na pecuária bovina, mas como há um estímulo a projetos sustentáveis, conseguimos uma linha de financiamento. Há muita coisa a ser construída no setor e as empresas estão se estruturando mais e melhorando a governança. 

IM:  Quando você entrou no setor, há 25 anos, as mulheres estavam menos preparadas e em menor número. Em 2017, por exemplo, apenas 12% das mulheres do agro tinham pós-graduação. De que forma você enxerga essas mudanças?

HJ: Eu trabalho há 25 anos no setor e era uma jornada muito solitária no começo. Ia aos eventos junto com meu marido porque sempre fomos muito companheiros, e não via outras mulheres. Na programação, o que tinha voltado para mulheres era uma ‘uma tarde no shopping’, enquanto os homens assistiam palestras. Oi? Eu não queria passar uma tarde no shopping, queria assistir palestra também, fazer networking

Por isso, aceitei o convite para presidir o grupo de 50 mulheres líderes no agro, todas com histórias parecidas: chegaram por influência da família ou porque perderam o pai ou o irmão. Agora, elas estão chegando mais preparadas. É um movimento pensado. Nessa última geração, isso mudou muito e essa mudança é muito bem-vinda. Agora, com esses grupos de mulheres, hoje, onde eu chego, tenho uma amiga. 

IM: Você comentou algumas ações do Grupo voltadas para a sustentabilidade. Você enxerga essa preocupação em todo o setor?

HJ: Existe uma preocupação muito grande do agro com a sustentabilidade. Para os produtores rurais, a sustentabilidade é ambiental, social e econômica e tudo precisa caminhar em conjunto – não tem como separar produção de sustentabilidade. A nossa indústria é a céu aberto. Quem não tiver uma produção sustentável, na próxima geração não estará aqui. Se o produtor não tiver área de preservação permanente e reserva legal, ele não consegue financiamento, não consegue vender sua produção. Não é uma coisa ou outra: as duas coisas caminham juntas. 

IM: Você diz que o agro é uma escada social. Como alguém pode começar nesse setor?

HJ: Me incomoda muito que ainda haja uma visão ultrapassada do agro em novelas, revistas e ficção. O setor é a maior janela de oportunidade para as pessoas crescerem. O último censo mostrou que o IDH das cidades onde o agro se instala é maior que o IDH dos estados onde ela se localiza porque é uma cadeia: desde o parafuso para montar o trator até a soja vendida no porto de Santos, todo mundo é beneficiado e a roda da economia gira. E não é apenas para agrônomo. O agro precisa de TI, de microbiologista, de cientista, de RH, de gestão. O Brasil tem vocação para produzir e quase um terço da população ocupada está no agro. As oportunidades estão aqui.

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Mariana Amaro

Editora de Negócios do InfoMoney e apresentadora do podcast Do Zero ao Topo. Cobre negócios e inovação.