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Quando o empresário Miguel Abuhab esteve no Do Zero Ao Topo, revelou desentendimentos com um certo CEO da Neogrid (NGRD3), uma das duas empresas que fundou e levou à Bolsa. A fala estampou a chamada da reportagem, publicada junto com o podcast do InfoMoney, em setembro deste ano. Mas um leitor em particular não ficou muito confortável com a manchete: em tempos de leitura dinâmica, o atual presidente da companhia temia que “um CEO” fosse confundido com “o CEO”.
“O Miguel é um cara genial. Um engenheiro do ITA, curioso, apaixonado, e que aos 80 anos de idade me liga numa sexta-feira à noite para falar de blockchain”, afirma Jean Carlo Klaumann, executivo à frente da Neogrid desde fevereiro de 2022, em sua própria entrevista ao InfoMoney.
“É uma oportunidade poder conviver com uma personalidade com essa inquietude. Eu não conheço nenhum outro brasileiro que tenha fundado do zero duas empresas que foram listadas”, complementa, deixando claro que a relação com o fundador vai muito bem, obrigado.
Klaumann chegou para substituir um executivo que ficou pouco tempo na presidência da Neogrid. Eduardo Ragasol havia assumido o comando da companhia em 2020 – ano em que a empresa de soluções tecnológicas se listou na Bolsa – no lugar de Miguel Abuhab, mas acabou renunciando ao cargo um ano depois.
Caminhos parecidos
As trajetórias de fundador e CEO guardam semelhanças. Assim como Abuhab, Klaumann começou cedo no ramo da tecnologia. Aos 15 anos, já dava treinamento de informática. Aos 18, abriu a própria escola. “A operação chegou a ter um início de franchising e uma divisão B2B [de atendimento a empresas], para treinamento corporativo”, conta.
Klaumann não havia deixado o espírito empreendedor de lado quando aceitou trabalhar na IFS, multinacional sueca de software e gestão que estava começando uma operação agressiva no Brasil, ao final da década de 1990. Desde então, não largou mais o chapéu de executivo.
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Sem nunca ter saído da tecnologia, Klaumann transitou pelo “multiverso” desse setor. Trabalhou na Datasul, empresa-mãe da Neogrid, e passou a fazer parte do time da Totvs (TOTS3) quando a companhia de Laércio Cosentino adquiriu o primeiro negócio de Miguel Abuhab. Em seguida, ingressou na Linx, onde permaneceu por mais de dez anos, até a empresa ser comprada pela Stone – Klaumann também ficou alguns meses na companhia de André Street e Eduardo Pontes, após essa aquisição.
“Eu fui adquirido umas três vezes e, adquirente, umas quarenta”, brinca Klaumann, sobre a trajetória em empresas com fome de M&A. A Neogrid tinha seu próprio histórico de aquisições de startups, mas o mandato do novo CEO agora era outro: enxugar escopo e ampliar esforços nas operações que geram mais receitas.
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A arte de renunciar
Na gestão de Klaumann, a companhia aprendeu a fazer “renúncias”, diz o executivo. A Neogrid deu uma pausa em operações no exterior para ter foco total nas suas atividades no Brasil. Também passou por uma reestruturação interna profunda, com a criação de unidades de negócio (inteligência comercial, integração, supply chain e execução de varejo), e mexeu nas diretorias. As contratações, essas sim, aceleraram.
“A gente contratou quase 150 profissionais de ciência e engenharia de dados. Foi nosso investimento majoritário e finalizamos o ciclo de contratação há alguns meses”, diz o CEO. A operação da Neogrid conta, atualmente, com 1.200 pessoas. A tendência, segundo o executivo, é automatizar alguns trabalhos manuais com tecnologia. Klaumman afirma que, agora, a Neogrid chegou ao teto dos investimentos. O momento é de retomada de rentabilidade.
A principal aposta da companhia hoje é a oferta de serviços para empresas do setor de bens de consumo embalados (CPG, ou consumer packaged goods, em inglês). E, recentemente, o portfólio da empresa ganhou o reforço da NIA, primeira inteligência artificial brasileira para apoio ao varejo e à indústria.
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“A tendência agora é a capitalização dos novos produtos. Com o crescimento da receita, a gente volta a expandir margem, naturalmente”, afirma.
Confira, a seguir, trechos da entrevista do executivo ao InfoMoney.
InfoMoney: A partir de que momento a Neogrid entendeu que precisava focar esforços no Brasil?
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Jean Carlo Klaumann: Um primeiro diagnóstico mostrou que a Neogrid tinha iniciativas demais. Uma empresa pequena, mas que tem operação na Ásia, Europa, Estados Unidos. Que atende distribuidor, varejo, indústria. O pequeno, o médio e grande, em diferentes cadeias de consumo. Nosso go to market era praticamente o mundo. A gente construiu de maneira factual uma clareza sobre o que estava nos distraindo […] e a gente renunciava poucas coisas, a gente ia empilhando novas escolhas. Então, primeiro, a gente abriu mão do mercado internacional temporariamente. Pode ser que no futuro essa venha a ser uma avenida [de crescimento], mas, hoje, no curto e no médio prazo não será, porque temos muito para crescer no Brasil.
IM: A empresa parece cada vez mais focada no segmento de bens de cosumo embalados…
Jean Carlo Klaumann: Quando olhamos para as diferentes cadeias de consumo em que estamos, o mercado de CPG [consumer packaged goods] é um segmento de R$ 1 trilhão no Brasil. Tem muita oportunidade. E o faturamento da Neogrid, mais de 60% dele, já era em CPG no Brasil. Existe uma vocação. Então, em vez de distração no meu vendedor, no meu roadmap de produto e construção de marca em diferentes cadeias de produto, vamos focar toda nossa energia em CPG. Acho que o primeiro exercício importante que ajudei a construir foi a simplicidade de foco e pragmatismo, para colocar mais investimento e atenção no mercado que vai sustentar o nosso crescimento. É uma agenda que começou a trazer convergência de pensamento, alinhamento estratégico de investimento e cultura.
IM: Como ficaram as operações da Neogrid no exterior após essas mudanças?
JCK: Temos uma responsabilidade com a receita que já existe. Não vamos expulsar clientes de produtos rentáveis. Enquanto for competitivo o produto que temos hoje, está ótimo. Agora, se algum cliente de fora pede um grande roadmap exclusivo ou algo do tipo, a gente não faz. Também aceleramos a descontinuação de produtos deficitários e reduzimos investimentos em pesquisa e desenvolvimento que sustentavam operações não-estratégicas.
IM: Há espaço para crescimento via aquisições?
JCK: Quando a gente olha para 2024, tivemos, sim, uma redução do nosso caixa líquido, mas ainda somos uma empresa com mais de R$ 100 milhões em caixa. Fazia muito menos sentido comprar uma empresa do que fazer um investimento para tornar o nosso core saudável. Naturalmente, retomando o crescimento orgânico, a gente volta a olhar para M&A no futuro, com caixa para fazer isso. O momento é de muita disciplina de execução para capturar crescimento a partir dos investimentos feitos e retomar rentabilidade. Depois, procurar opcionalidades de acordo com o nosso caixa.
IM: A Neogrid foi uma queridinha da Bolsa, mas acabou perdendo muito valor, como as empresas que se listaram durante a pandemia. O que falta para o papel voltar a reagir?
JCK: Vivemos um momento conjuntural em que small caps e micro caps estão sofrendo muito com o tema dos juros e do dólar alto. Ainda temos um tema adicional, que é o da liquidez. Então não adianta só resolver o tema do negócio em si. Mas, se todo o mercado em Bolsa está pressionado, não é melhor fazer o dever de casa bem feito? 95% da nossa receita é recorrente, somos uma empresa de governança impecável e não está pressionada por caixa. Neogrid é um ativo espetacular. Entregando dois ou três trimestres consistentes com a tese que desenvolvemos, sem dúvida vamos destravar valor.