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“Succession” da vida real? A batalha secreta pelo império de Rupert Murdoch

Magnata trava uma disputa judicial contra três de seus filhos após ter alterado os termos irrevogáveis de um fundo familiar

Jim Rutenberg e Jonathan Mahler The New York Times

Rupert Murdoch, ex-chairman da Fox e da News Corp (REUTERS/Mike Segar)
Rupert Murdoch, ex-chairman da Fox e da News Corp (REUTERS/Mike Segar)

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Rupert Murdoch está travando uma batalha jurídica secreta contra três de seus filhos com relação ao futuro do império de mídia da família, à medida que ele tenta preservar o conglomerado como força política conservadora após sua morte, conforme um documento judicial confidencial obtido pelo “The New York Times”.

Murdoch, 93, desencadeou o drama no final do ano passado ao tomar a atitude inesperada de alterar os termos do fundo fiduciário irrevogável da família Murdoch. Essa mudança visa garantir que seu filho mais velho e sucessor escolhido, Lachlan, permaneça no comando de sua vasta coleção de redes de televisão e jornais.

Rupert Murdoch, ex-chairman da Fox e da News Corp (REUTERS/Mike Segar)


Atualmente, o fundo concede o controle dos negócios da família aos quatro filhos mais velhos após a morte de Murdoch. Mas ele argumenta em tribunal que apenas dando o poder a Lachlan para dirigir a empresa sem a interferência de seus irmãos, que são mais politicamente moderados, será possível preservar a tendência editorial conservadora e, assim, proteger o valor comercial da empresa para todos os herdeiros.

Os três irmãos — James, Elisabeth e Prudence — foram completamente surpreendidos pela tentativa do pai de reescrever o que deveria ser um fundo fiduciário inviolável e se uniram para impedir a mudança. Notavelmente, a batalha subsequente tem ocorrido inteiramente fora dos holofotes públicos.

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No mês passado, o comissário de sucessões de Nevada concluiu que Murdoch poderia alterar o fundo fiduciário se conseguir demonstrar que está agindo de boa fé e no benefício exclusivo de seus herdeiros, conforme cópia de sua decisão de 48 páginas.

Um julgamento cujo objetivo é determinar se Murdoch está de fato agindo de boa-fé está previsto para iniciar em setembro. Em jogo estará o futuro de uma das empresas de mídia mais politicamente influentes no mundo de língua inglesa.

Representantes dos dois lados não quiseram comentar o assunto. Ambos contrataram advogados de alto calibre para a disputa. Os três irmãos Murdoch são representados por Gary A. Bornstein, codiretor de litígios da Cravath, Swaine & Moore. Já Rupert Murdoch é representado por Adam Streisand, advogado de defesa da Sheppard Mullin, que atuou em disputas patrimoniais envolvendo Michael Jackson e Britney Spears.

Disputa em família


A família Murdoch já esteve dividida em outros momentos. James e Elisabeth, em algum momento, competiram entre si e com Lachlan pela eventual liderança da empresa, e já entraram em conflito uns com os outros e com seu pai em várias ocasiões. James, que no passado ajudou a administrar a empresa com Lachlan, a deixou em 2019. Atualmente, ele supervisiona um fundo de investimento. Elisabeth dirige um estúdio de cinema de sucesso, o Sister, e há anos procura se posicionar como a “Suíça” da família, mantendo boas relações com todos. Prudence, a filha mais velha de Murdoch e a única do primeiro casamento, tem se envolvido menos nos negócios da família e continua a ser a mais reservada dos filhos.

Dada a idade avançada de Murdoch, esta batalha tem todos os elementos de uma disputa final pelo controle de seus vastos conglomerados de comunicação, dentre os quais a Fox News, o Wall Street Journal, o New York Post, bem como importantes jornais e canais de televisão na Austrália e na Grã-Bretanha. E ela já criou um novo divisor entre os membros da família, que é notoriamente fragmentada.

Política e poder estão na raiz do conflito

Desde que Murdoch estabeleceu o fundo fiduciário, há quase 25 anos, as opiniões políticas da família se tornaram cada vez mais divergentes. Durante a ascensão de Donald Trump, Murdoch e Lachlan ficaram mais alinhados, fazendo com que o meio de comunicação mais influente da empresa, a Fox News, se inclinasse ainda mais para a direita. Isso deixou os outros três filhos cada vez mais desconfortáveis.

Segundo uma fonte informada a respeito da situação da família, Murdoch iniciou seu esforço para alterar o fundo fiduciário “Project Harmony” na expectativa de que isso pudesse evitar uma iminente disputa familiar após sua morte. Mas sua ação teve o efeito oposto.

Ainda de acordo com a fonte, após apresentar sua petição para alterar o fundo, Murdoch se reuniu separadamente com Elisabeth e Prudence em Londres, na tentativa de obter seu apoio. Em vez disso, elas ficaram furiosas. Elisabeth reagiu à possibilidade enunciando uma série de palavrões.

Dias depois, em 6 de dezembro, os representantes de Murdoch apresentaram a moção para realizar as mudanças em uma reunião especial do fundo fiduciário convocada às pressas em Reno, Nevada. Conforme a decisão do tribunal, os representantes dos três filhos tentaram adiar a reunião e impedir as alterações propostas, mas não obtiveram êxito.

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A disputa afastou Murdoch de três de seus filhos em seus últimos anos de vida. No mês passado, nenhum deles compareceu ao casamento dele com Elena Zhukova, sua quinta mulher, na Califórnia. (Lachlan foi.)

Embora o fundo fiduciário seja irrevogável, ele inclui uma cláusula restritiva que permite alterações feitas de boa fé e com o único objetivo de beneficiar todos os seus membros. Os advogados de Murdoch argumentaram que ele está tentando proteger James, Elisabeth e Prudence ao garantir que eles não possam moderar a política da Fox ou interromper suas operações em decorrência de conflitos constantes para assumir a liderança.

Essa será uma das principais questões do julgamento. Como escreveu em sua decisão o comissário de sucessões de Nevada, Edmund Gorman Jr.: “Um investigador racional poderia concluir que a determinação de que a Emenda atendia aos melhores interesses dos beneficiários foi feita com ‘[des]onestidade de crença, propósito ou motivo’, ou seja, de má-fé.”

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A ação está tramitando em um tribunal de sucessões de Reno, especializado em lidar com fundos fiduciários e espólios familiares. Nevada é um estado popular para a criação de fundos fiduciários familiares dinásticos devido às suas leis favoráveis em matéria de sucessões e proteções de privacidade. A decisão obtida pelo Times inclui uma revisão dos fatos feita por um comissário de sucessões, cuja função é julgar os casos antes de encaminhar quaisquer questões não resolvidas a um juiz para decisão, como ocorreu neste caso.

O fundo detém as ações da família no império de Murdoch, que atualmente está dividido principalmente entre duas empresas: a Fox, que inclui a Fox News e a rede e sistemas de difusão Fox, e a News Corp., que possui seus principais jornais.

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Quem tem direito a quê


Todos os seis filhos de Murdoch detêm uma parcela igual do patrimônio do fundo. Isso inclui Chloe e Grace, os dois filhos mais novos que ele teve com sua terceira mulher, Wendi Deng. Mas esses não têm direito a voto.

Atualmente, os direitos de voto são compartilhados entre Murdoch e seus quatro filhos mais velhos por meio de seus próprios representantes escolhidos a dedo no conselho de administração do fundo fiduciário. No entanto, Murdoch mantém o controle final e não pode ser derrotado em votações. Após sua morte, Lachlan, James, Elisabeth e Prudence terão um voto cada. Como disse Murdoch em uma entrevista concedida a Charlie Rose em 2006: “Se eu for atropelado por um ônibus amanhã, serão os quatro que terão que decidir quem deve liderá-los.”

A análise dos fatos feita pelo comissário de sucessões revela que Murdoch busca ampliar o poder de voto de Lachlan, a fim de garantir uma maioria e assegurar que ele não possa ser contestado. As mudanças não afetariam a participação acionária de ninguém na empresa.

Os contornos básicos do fundo fiduciário datam do divórcio de Murdoch de sua segunda mulher, Anna Mann, mãe de James, Elisabeth e Lachlan. Murdoch se divorciou de Mann antes de se casar com Deng, em 1999.

De acordo com fontes próximas à família, preocupada com o potencial destrutivo de uma luta pela sucessão dinástica, Mann insistiu que o acordo de divórcio desse aos quatro filhos controle igual sobre o império. Como parte do acordo, Murdoch estabeleceu essa disposição de forma permanente por meio de um fundo fiduciário irrevogável.

No entanto, ele passou a considerar essa disposição insustentável após colocar Lachlan no comando da Fox e da News Corp. em 2019. A principal fonte do problema era seu filho mais novo, James, que foi preterido em favor de Lachlan. Nos últimos anos, pessoas próximas a James e sua mulher, Kathryn, disseram que, após a morte de Murdoch, eles considerariam unir forças com Elisabeth e Prudence para tirar o controle de Lachlan e moderar os instintos mais extremos de direita das empresas.

James e Lachlan compartilharam a responsabilidade operacional das empresas de 2015 a 2019, mas a relação deles se deteriorou durante o governo Trump, quando os dois se distanciaram devido ao tratamento bajulador que a Fox deu a Trump. Lachlan e seu pai rejeitaram as preocupações de James, destacando os índices de audiência recordes da rede. James deixou a empresa após a ascensão de Lachlan ao cargo de presidente e CEO em 2019 e saiu do conselho da News Corp. em 2020, citando “desentendimentos sobre determinados conteúdos editoriais publicados pelos meios de comunicação da empresa”.

Nunca ficou claro o quão sério James estava em tentar fazer qualquer movimento contra Lachlan, nem se ele teria o apoio de suas irmãs para tal esforço. O fato de eles terem se unido para preservar o fundo fiduciário sugere que James e suas irmãs agora estão firmemente alinhados contra Lachlan. Isso indica que eles podem tentar destituí-lo, ou pelo menos influenciar o rumo da empresa, após a morte de seu pai.

Um tribunal em Reno em breve decidirá se terão o poder legal para fazer isso.

NYT: ©.2024 The New York Times Company