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Por que Musk criou tropa de guarda-costas que opera como um mini-exército pelo mundo

Os bastidores do aparato de segurança (cada vez maior) do homem mais rico do mundo

The New York Times Kirsten Grind Jack Ewing

Elon Musk durante a final da última edição do U.S. Open, em Nova York (REUTERS/Mike Segar)
Elon Musk durante a final da última edição do U.S. Open, em Nova York (REUTERS/Mike Segar)

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Na véspera de Elon Musk discursar em uma celebração da picape futurista da Tesla, o Cybertruck, em novembro, Paul Overeem, um homem da Flórida, foi preso nas proximidades da fábrica da empresa em Austin, Texas, e acusado pelas autoridades de planejar um “evento em que haveria vítimas em massa” no local.

O incidente depois virou manchete. O que passou mais despercebido foi o que aconteceu no evento da Tesla, que seguiu adiante na fábrica em Austin.

Segundo duas fontes com conhecimento dos preparativos e documentos analisados pelo The New York Times, a segurança foi alertada a respeito das ameaças de Overeem e foi totalmente mobilizada. Foi feita uma curadoria meticulosa da lista de convidados, e cada pessoa foi escolhida com bastante antecedência. Mais de trinta agentes de segurança da Tesla estavam posicionados na sala quando Musk, CEO da montadora, subiu ao palco. Ele também tinha à disposição guarda-costas de sua empresa de segurança privada, a Foundation Security.

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Musk, 53, há muito cultivava uma personalidade desapegada, viajando pelo mundo, socializando com magnatas, líderes mundiais e celebridades, e até mesmo fumando maconha em público. No entanto, à medida que sua riqueza, fama e influência crescem, assim como as ameaças contra ele, ele tem aumentado a presença de uma equipe cada vez maior de seguranças armados ao seu redor.

Com um patrimônio líquido superior a US$ 240 bilhões, o homem mais rico do mundo costumava receber ligações e mensagens inofensivas de fãs entusiastas, mas atualmente lida regularmente com stalkers e ameaças de morte, conforme indicam documentos policiais e registros internos da Tesla. Embora muitas celebridades enfrentem ameaças, Musk intensificou sua proteção pessoal nos últimos anos para lidar com essa situação, tornando sua equipe de segurança mais robusta do que a comumente vista entre outros bilionários.

Documentos internos da Tesla mostram que Musk e suas empresas, a Tesla e a SpaceX, gastam milhões de dólares por ano com sua segurança, inclusive com a empresa Gavin de Becker & Associates e outras. Para reforçar ainda mais sua proteção, Musk fundou a Foundation Security, segundo especialistas em segurança e os documentos analisados.

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Especialistas explicam que sua equipe de segurança agora funciona como uma espécie de mini-Serviço Secreto, e ele recebe proteção mais parecida com a de um chefe de Estado do que com a de um executivo. Musk, que anteriormente contava com a companhia de dois guarda-costas, agora viaja com até 20 profissionais de segurança, que inspecionam rotas de fuga e revistam as salas antes de ele entrar nelas. Eles geralmente portam armas e levam a tiracolo um profissional médico para ficar à disposição de Musk, que recebeu de sua equipe de segurança o codinome ‘Voyager’.

As ameaças à sua segurança levaram Musk a ficar mais cauteloso e a adotar um estilo de vida mais isolado, explicam três fontes próximas a ele. Ele raramente fica sem guarda-costas, mesmo quando vai ao banheiro na X, sua empresa de mídia social, conforme indicado em um processo de 2023 movido por ex-colaboradores que pedem indenizações trabalhistas. Ele às vezes exagera na gravidade das ameaças, já chegando a afirmar incorretamente que duas pessoas indiciadas em incidentes separados estavam armadas.

Na reunião anual de acionistas da Tesla realizada em junho, Musk disse acreditar que as ameaças contra ele estavam se tornando cada vez mais absurdas.

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“A probabilidade de um maníaco homicida tentar matar você é proporcional ao número de maníacos homicidas que ouvem falar de seu nome’, analisou. “Então eles ouvem muito falar de meu nome; aí eu fico tipo, ‘OK, estou na lista’, sabe?” Segundo ele, isso o forçou a se distanciar do público.

O atual estilo de vida de Musk difere do padrão seguido por outros ultrarricos. Warren Buffett, cuja fortuna é superior a US$ 145 bilhões, empregou apenas um guarda-costas pessoal por muitos anos. (Não está claro quantos guarda-costas ele tem hoje, entretanto, segundo seu porta-voz, a Berkshire Hathaway, empresa de Buffett, já utilizou os serviços de diversas empresas de segurança.) O antecessor de Musk na X, Jack Dorsey, costumava caminhar quilômetros por São Francisco sem qualquer guarda-costas.

Este ano, a Tesla divulgou em documentos pela primeira vez que pagou US$ 2,4 milhões por uma parte da proteção de Musk em 2023. Documentos da empresa indicam que ela pagou US$ 500 mil nos primeiros dois meses de 2024, cinco vezes mais do que a média gasta a cada bimestre em 2019. De 2015 a 2018, Musk gastou uma média de US$ 145.000 por mês em segurança, de acordo com faturas e recibos analisados pelo Times.

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Fábrica da Tesla em Fremont, Califórnia, 12 de maio de 2020. A polícia respondeu a cinco incidentes de ameaça terrorista na última década lá — menos do que os oito na fábrica de Austin apenas desde 2022. (Jim Wilson/The New York Times)

Em contraste, a Apple gastou US$ 820 mil no ano passado para proteger seu CEO, Tim Cook, enquanto a Amazon desembolsa US$ 1,6 milhão por ano para proteger seu fundador, Jeff Bezos. Uma das poucas empresas a gastar mais é a Meta, que, segundo registros, destinou US$ 23,4 milhões para a segurança de seu CEO, Mark Zuckerberg, no ano passado.

O Times reuniu detalhes inéditos sobre a segurança de Musk a partir de centenas de páginas de documentos da Tesla, de relatórios policiais e também governamentais obtidos por meio de solicitações de registros públicos, registros estaduais da empresa de segurança de Musk, gravações de áudio, documentos judiciais e registros da Comissão de Valores Mobiliários (SEC). O Times não incluiu detalhes sobre as localizações de Musk.

Os documentos da Tesla faziam parte de um conjunto de registros e dados obtidos pelo Handelsblatt, um jornal alemão, junto a Lukasz Krupski, um ex-colaborador da Tesla. As pessoas próximas a Musk falaram sob condição de anonimato para não colocar em risco seus empregos ou relacionamentos com ele e a Tesla.

Musk, seu advogado e representantes da Tesla e da SpaceX não retornaram pedidos de comentário.

Realizando as tarefas de Musk

Pessoas próximas a Musk dizem que, no passado, ele costumava viver informalmente, deixava as chaves no carro, ia embora, e não queria guarda-costas. Mas, relatos de algumas pessoas e documentos analisados pelo Times revelam que à medida que seu perfil ganhou destaque, o conselho da Tesla exigiu que ele contratasse segurança pessoal.

Em 2014, Musk contava com guarda-costas da Gavin de Becker & Associates, uma empresa liderada por Gavin de Becker, que iniciou sua carreira como assistente de Elizabeth Taylor e trabalhou para o Departamento de Justiça antes de se especializar em proteger celebridades e investigar alvos para clientes de alto nível. A empresa já prestou serviços para clientes como Bezos e Cher.

Quando Musk viajava a trabalho, um grupo rotativo de guarda-costas da GDBA, a maioria com experiência militar, o acompanhava onde quer que fosse.

O preço desses serviços muitas vezes chegava a seis dígitos por mês. Os documentos indicam que quando Musk visitou o México, Hong Kong, Londres, Paris, Israel e Texas em janeiro de 2016, a conta da de Becker foi de US$ 163.674,59. O custo foi dividido entre a SpaceX, a Tesla e Musk.

Os guarda-costas frequentemente realizavam pequenas tarefas para Musk e cobriam suas despesas para minimizar o tempo que ele passava em público. Eles lavavam seu carro, iam buscar suas roupas na lavanderia e uma vez deram uma gorjeta de US$ 80 a um barman em Londres por ter mantido o bar aberto depois do expediente. Também compraram sombreiros e fogos de artifício para uma comemoração de Ano Novo de 2015, em Puerto Vallarta, México, e pagaram uma conta de hospedagem de US$ 22.445,72 para a família e a equipe de Musk em um hotel de luxo em Hong Kong em janeiro de 2016.

Conforme mostram os documentos, a equipe da GDBA também ajudou Musk com ‘avaliações de ameaças’, cobrando mais de US$ 400 por hora pelos serviços de um consultor sênior, além de pesquisar pessoas classificados como ‘perseguidores inapropriados’.

A empresa também tinha como alvo alguém que evitava Musk: Stu Grossman, que anos antes havia sido dono do endereço de Internet “tesla.com”. Grossman, um engenheiro sênior de uma empresa de redes, adquiriu o nome do domínio antes da fundação da Tesla. Musk queria comprá-lo, mas Grossman não tinha pressa em vendê-lo.

Em 2015, segundo Grossman, ele foi abordado duas vezes em sua casa, em São Francisco, e uma vez do lado de fora de um restaurante por investigadores particulares que afirmavam trabalhar para Musk.

“Elon quer que você saiba que ele gostaria de receber notícias suas”, disse o investigador do lado de fora do restaurante, comentou Grossman. Ele finalmente concordou em vender o tesla.com para a empresa por um preço não revelado.

“É bom te conhecer”

Documentos e gravações de chamadas telefônicas obtidos pelo Times mostram que muitas pessoas que tentaram entrar em contato com Musk eram inofensivas. Há vários anos, uma mulher deixou uma mensagem de voz de dois minutos em uma das empresas de Musk, referindo-se a ele como “Papai Musk” e alegando que eles haviam conversado por telepatia ao longo do ano.

“Mal posso esperar para que você me peça em casamento no espaço sideral, em nossa estação”, disse.

Em 2022, Musk era dono de um patrimônio superior a US$ 200 bilhões. Sua fama aumentou à medida que a Tesla passou a dominar o mercado de veículos elétricos e a SpaceX a transportar astronautas ao espaço a serviço da NASA. Isso aumentou suas preocupações com segurança, conforme disseram três fontes próximas a ele.

Ele passou a receber ameaças internacionais, dentre as quais uma que ele postou no X naquela primavera, que veio de Dmitry Rogozin, um funcionário do governo russo. Segundo postagens de Musk, Rogozin avisou que ele seria “responsabilizado” por ajudar os militares da Ucrânia com o Starlink, seu serviço de Internet via satélite, na guerra contra a Rússia.

“Se eu morrer em circunstâncias misteriosas, foi bom te conhecer”, postou Musk posteriormente.

Em outubro de 2022, Musk adquiriu o Twitter — que depois foi renomeado para X —, o que o colocou ainda mais no centro das atenções. Naquele dezembro, ele suspendeu a conta de um estudante universitário que rastreou seu jato particular, junto com mais de 24 outras contas, alegando que eram “basicamente coordenadas de assassinato”. Ele depois restabeleceu algumas das contas.

Musk decidiu assumir o controle das operações de segurança. Em 2016, Jared Birchall, que administra o escritório familiar de Musk, registrou a Foundation Security na Califórnia. Documentos mostram que a empresa parecia funcionar como câmara de compensação para os pagamentos de segurança de Musk, e que a de Becker gerenciava as operações. Ela foi extinta em fevereiro de 2022.

A fundação privada de Musk também registrou uma Foundation Security no Texas, embora não esteja claro quando o registro foi feito. De acordo com documentos registrados no estado, a empresa era descrita como um ‘negócio privado com equipe de segurança interna’. (Musk é fã dos romances de ficção científica “Foundation”, de Isaac Asimov.)

A Foundation Security é administrada em parte por Justin Riblet, um ex-sargento de armas das forças especiais do Exército dos EUA que já havia trabalhado para a GDBA, de acordo com os documentos e a página de Riblet no LinkedIn. Ele não quis comentar o assunto.

Este ano, a Tesla revelou pela primeira vez que havia firmado um contrato com uma empresa de segurança pertencente a Musk “para fornecer serviços de segurança relacionados a ele”. O nome da empresa não foi divulgado. Não está claro por que a Tesla não informou as despesas antes, já que as empresas de capital aberto são obrigadas a divulgar a maioria dos relacionamentos comerciais que têm com entidades pertencentes aos seus principais executivos.

A Tesla possui suas próprias operações de segurança, dentre as quais uma unidade de inteligência para investigações, bem como capacidade de operar drones sobre instalações e eventos, segundo duas fontes familiarizadas com a empresa.

A segurança cada vez maior limitou os movimentos de Musk. No Burning Man, o festival anual de arte e música ao ar livre em Nevada, ele costuma permanecer próximo ao seu acampamento, segundo duas fontes com conhecimento do evento. Em festas, os seguranças fazem uma varredura antecipada da área e verificam a presença de qualquer pessoa que não esteja em uma lista autorizada.

Nível de perigo

As ameaças contra Musk parecem estar aumentando. Conforme mostram os registros, desde que a Tesla inaugurou sua fábrica em Austin, no início de 2022, o Gabinete do Xerife do Condado de Travis respondeu a oito incidentes de ‘ameaça terrorista’ no local, pelo menos dois dos quais dirigidos diretamente a Musk.

Em contraste, registros policiais indicam que a polícia havia respondido a cinco incidentes de ameaça terrorista na fábrica da Tesla em Fremont, Califórnia, ao longo da última década.

Preso em Austin em novembro antes de chegar à fábrica da Tesla, Overeem postou mensagens ameaçadoras em um grupo de bate-papo no Instagram sobre o evento da Cybertruck onde Musk discursaria, conforme documentos do tribunal do Condado de Travis.

“Se estou afirmando que vou matar pessoas, vocês devem levar isso a sério”, escreveu ele em uma mensagem, de acordo com os documentos.

De acordo com duas fontes, as equipes de segurança de Musk e da Tesla trataram a ameaça com seriedade e a consideraram durante o planejamento do evento do Cybertruck. Os documentos judiciais revelam que a Tesla também alertou as autoridades policiais.

Um grande júri indiciou Overeem por crime de ameaça terrorista. Ele foi liberado sob fiança de US$ 200 mil, com a condição de que mantivesse uma distância mínima de 200 metros de Musk e Shivon Zilis, uma executiva da Neuralink, uma das empresas de Musk. Zilis também é mãe de alguns dos filhos de Musk.

Em outro incidente ocorrido em janeiro, Justin McCauley, 32, um ex-colaborador da Tesla, postou no X: “@JoeBiden @X @Tesla @Elonmusk, planejo matar todos vocês”.

Conforme mostram os registros, a mulher de McCauley, que estava em Minnesota, acionou a polícia depois de ele afirmar que iria para o Texas e nunca mais voltaria. O Gabinete do Xerife do Condado de Travis rastreou a picape de McCauley e o prendeu em janeiro perto da fábrica da Tesla em Austin. Ele foi indiciado por um grande júri por fazer ameaça terrorista e liberado sob fiança.

Rick Cofer, advogado que representa Overeem e McCauley, afirmou que não estava autorizado a comentar sobre os casos, mas observou que comportamentos que geralmente são considerados criminosos ou ameaçadores “frequentemente podem ser associados a sintomas de problemas de saúde mental não tratados”.

Em uma aparente referência a esses incidentes, Musk fez uma postagem no X em julho, após a tentativa de assassinato do ex-presidente Donald Trump.

“Tempos perigosos virão”, disse. “Duas pessoas (em ocasiões distintas) já tentaram me matar nos últimos 8 meses.” Ele disse que ambos portavam armas de fogo, embora documentos judiciais mostrem que, quando presos, nem Overeem nem McCauley tinham qualquer arma.

Este artigo foi publicado originalmente no The New York Times.