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Onde estão todos os IPOs chineses?

Ficou difícil para as empresas chinesas encontrarem um mercado estrangeiro onde a listagem não pudesse ser colocada em risco

Meaghan Tobin The New York Times

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Houve época em que uma oferta pública inicial (IPO) de uma empresa chinesa de internet era o assunto mais quente em Wall Street.


Há uma década, quando o gigante do comércio eletrônico Alibaba (BABA34) se preparava para lançar ações na Bolsa de Valores de Nova York, os maiores bancos do mundo competiam agressivamente para garantir a oferta. Quando o sino de abertura soou em 19 de setembro de 2014, os corretores de ações aplaudiram, vestindo moletons com o característico laranja do Alibaba sobre seus ternos. A oferta pública inicial arrecadou US$ 25 bilhões, tornando-se a maior abertura de capital de todos os tempos. Dezenas de outras empresas chinesas arrecadaram bilhões nos Estados Unidos ao longo dos anos seguintes.

Esses dias estão definitivamente no passado. Wall Street não presencia nada que sequer se aproxime de uma IPO chinesa de sucesso há três anos. Na verdade, a seca está piorando. Até agora neste ano, empresas chinesas captaram cerca de US$ 580 milhões em aberturas de capital nos EUA, quase tudo no mês passado com uma IPO da fabricante de veículos elétricos Zeekr.

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Com a deterioração da relação geopolítica entre a China e os Estados Unidos, tornou-se cada vez mais difícil para as empresas chinesas encontrarem um mercado estrangeiro onde a listagem não pudesse ser colocada em risco devido ao escrutínio político.

As condições na China não parecem melhores do que isso. Como parte da pressão de Pequim para consolidar um maior controle sobre o mercado chinês, os reguladores dificultaram a abertura de capital, reduzindo drasticamente o ritmo das ofertas públicas iniciais domésticas. Cerca de 40 empresas chinesas abriram o capital no país este ano. Segundo dados da Dealogic, eles arrecadaram menos de US$ 3 bilhões, uma fração do valor normalmente arrecadado a esta altura do ano.

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Jack Ma, fundador do Grupo Alibaba, segura o martelo depois de tocar o sino cerimonial de abertura na Bolsa de Valores de Nova Iorque, pouco antes da oferta pública inicial da empresa, em 19 de setembro de 2014. As cotações de empresas chinesas no mercado de ações inundaram Wall Street. Hoje em dia, as ofertas públicas iniciais da China estão numa seca. (Todd Heisler/The New York Times)


Se o ritmo atual se mantiver, este ano teremos o menor número de IPOs chineses em todo o mundo em mais de uma década.

A desaceleração representa uma grande mudança em relação a um período em que as aberturas de capital multibilionárias de empresas tecnológicas chinesas ajudaram a impulsionar uma Era Dourada de negócios privados na China. A antiga bonança de listagens nas bolsas de valores remodelou a forma como as startups captavam fundos, atraindo mais capital privado de fora da China e permitindo, ao mesmo tempo, que investidores estrangeiros e nacionais transferissem dinheiro para fora do país.

A mudança demonstra como o principal líder da China, Xi Jinping, reestruturou o setor privado, colocando-o firmemente sob o controle do governo e do Partido Comunista Chinês. As autoridades retiraram empresas de sucesso das bolsas de valores, prenderam empresários e abruptamente impediram indústrias em expansão de obter lucros.
“Muitas destas utilizações de capital que passavam pelo setor privado e pelo mercado de ações representavam um risco potencial para a influência do partido”, comentou Andrew Collier, diretor superintendente da Orient Capital, uma empresa de pesquisa econômica sediada em Hong Kong.

A incerteza resultante da repressão de Xi eliminou bilhões de dólares em valor da indústria tecnológica da China e levou as empresas de capital de risco dos EUA a reduzirem drasticamente seus investimentos na China.


Simultaneamente, em meio ao aumento das tensões entre Washington e Pequim, as empresas chinesas estão incertas sobre o escrutínio que podem enfrentar ao tentarem abrir seu capital nos Estados Unidos. “Ninguém quer realmente testar as águas”, ponderou Murong Yang, diretor superintendente do Future Capital Discovery Fund, com sede em Pequim.

Em fevereiro, após relatos de que a Shein, uma empresa de compras on-line fundada na China, pretendia abrir o capital nos Estados Unidos, o senador Marco Rubio, republicano da Flórida, instou o chefe da Comissão de Valores Mobiliários a bloquear a listagem se a empresa se recusasse a compartilhar informações sobre seus laços com o governo chinês.

“O mercado no qual uma empresa chinesa escolhe abrir seu capital hoje é influenciado por fatores que vão além do seu valor comercial fundamental — é um produto de considerações geopolíticas”, disse Linda Yu, investidora baseada nos EUA que, anteriormente, havia trabalhado com a SoftBank, uma gigante tecnológica japonesa, e com a Warburg Pincus para investir na China.

Há quatro ou cinco anos, uma empresa chinesa de sucesso, com participação em um grande mercado, era uma candidata promissora para vender ações. “À época, a pergunta que se fazia era ‘Por que você ainda não abriu seu capital no exterior?’”, lembra Yu. “Mas hoje isso mudou para ‘Por que você faria isso?’”

Há muito tempo, empresas privadas têm que descobrir como operar na China sem serem esmagadas pelas autoridades.

As principais bolsas de valores da China, em Xangai e Shenzhen, foram criadas no início da década de 1990 como parte das reformas que transformaram a economia da China, mas as ofertas públicas limitaram-se principalmente a empresas controladas pelo Estado.

Entre 2011 e 2018, a China teve aproximadamente o mesmo número de IPOs que os Estados Unidos. Em 2019, a China lançou o Star Market, em Xangai, para incentivar as empresas de tecnologia a abrirem capital lá. Mas os investidores chineses e os fundadores de empresas preferiam fazer esse movimento em Nova Iorque, se pudessem.

Desde que a Didi retirou suas ações, Pequim deixou claro que o poder e os lucros da indústria privada da China deveriam ser direcionados para impulsionar o país em busca da autossuficiência tecnológica. Os investimentos foram direcionados para áreas de ponta, como semicondutores, inteligência artificial e data centers. Em maio, o governo registrou um fundo de US$ 47,5 bilhões dedicado ao desenvolvimento de semicondutores, sinalizando aos empresários e investidores que, embora algumas indústrias possam ser apostas mais arriscadas, estas têm o selo de aprovação.

Em abril, Pequim divulgou um plano que estabelece padrões mais elevados para as empresas que desejam abrir seu capital, exigindo mais divulgações e supervisão mais rigorosa.

Este ano, pelo menos 100 empresas retiraram seus planos de abrir seu capital nas bolsas de Pequim, Xangai e Shenzhen, de acordo com os registos públicos do regulador. Investimentos em capital de risco estão em seu ponto mais baixo em quatro anos.

“O regulador de valores mobiliários da China tem sido tradicionalmente rigoroso quando se trata de permitir a listagem de empresas – e este plano é ainda mais exigente”, explicou Collier. “Muitas empresas estão preocupadas com a abertura de seu capital na China ou então sentem que não conseguem passar pelo buraco da agulha.”

NYT: ©.2024 The New York Times Company