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Andreas Bechtolsheim não gosta de perder tempo. Certa manhã, enquanto se dirigia ao trabalho, o empresário fez um dos investimentos mais notáveis da história do Vale do Silício – os primeiros US$ 100 mil que financiaram um mecanismo de busca chamado Google em 1998. Demorou apenas alguns minutos.
Vinte e um anos depois, Bechtolsheim pode ter tirado proveito de um tipo diferente de oportunidade. Ele recebeu um telefonema a respeito da iminente venda de uma empresa de tecnologia e, de acordo com acusações apresentadas pela Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (a Securities and Exchange Commission – SEC), supostamente fez negociações com base em informações confidenciais. O lucro de alguns minutos de trabalho: US$ 415.726.
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A história do Vale do Silício está repleta de grandes apostas e quedas abruptas, mas raramente alguém arriscou sua reputação por uma recompensa aparentemente tão pequena. Para Bechtolsheim, US$ 415.726 equivaleriam a perder uma moeda atrás do sofá. Ele ficou em 124º lugar no Índice de Bilionários da Bloomberg na semana passada, com uma fortuna estimada em US$ 16 bilhões.
Mês passado, sem admitir qualquer irregularidade, Bechtolsheim, 68, chegou a um acordo sobre as acusações de ter feito negociações utilizando informações privilegiadas. Ele concordou em pagar uma multa de mais de US$ 900 mil e não atuará como executivo ou diretor de uma empresa de capital aberto por cinco anos.
Nada em sua trajetória parece tê-lo levado a esse ponto preocupante. Bechtolsheim foi uma das pessoas que deu ao Vale do Silício a reputação de paraíso dos engenheiros, um lugar onde enriquecer era algo que acontecia por acidente.
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“Ele ficava tão focado em criar tecnologia de ponta que comprava uma casa, não a mobiliava e dormia em um futon”, disse Scott McNealy, que se juntou a Bechtolsheim há quatro décadas para fundar a Sun Microsystems, uma potência tecnológica de longa data conhecida por fabricar estações de trabalho e servidores de computador. “Ele não media seu valor em dinheiro.”
Segundo a denúncia da SEC, Bechtolsheim não estava negociando por conta própria. Em vez disso, ele utilizava as contas de um associado e de um parente. Pode ter sido um subterfúgio ou talvez um presente. O investidor e seu advogado não responderam aos e-mails solicitando comentários.
O uso de informações privilegiadas é normalmente “um crime passional”, disse Michael D. Mann, ex-agente de fiscalização da SEC. “O ato é baseado em informações que são valiosas apenas por um período muito curto de tempo. Quando você as consegue, a ganância assume o controle e você negocia com base nisso. Uma pessoa racional diria: ‘realmente vale a pena correr o risco?’”
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A aquisição de opções de sua própria empresa logo antes do anúncio de uma fusão é um sinal de alerta para os reguladores e é relativamente fácil de ser descoberto. Negociar utilizando contas de terceiros, como Bechtolsheim foi acusado de fazer, ou em uma empresa que não está diretamente envolvida no negócio, mas que provavelmente beneficiará dele, deve parecer menos arriscado.
Lucrando com dados confidenciais
Processos por negociações com informações privilegiadas são relativamente raros, então é difícil determinar o que realmente acontece nas matrizes das empresas, nas salas dos executivos e nos parques de escritórios. Mas pesquisadores que analisam dados de negociações afirmam que executivos lucram muito com informações confidenciais. Esses executivos tentam burlar as restrições tradicionais ao uso de informações privilegiadas ao adquirir ações de empresas economicamente ligadas, um fenômeno denominado “negociação na sombra”.
“Parece que pessoas estão conseguindo grandes lucros fazendo negociações na sombra”, disse Mihir N. Mehta, professor assistente de contabilidade da Universidade de Michigan e autor de um estudo publicado em 2021 pela The Accounting Review que encontrou “evidências robustas” desse comportamento . “As pessoas que fazem isso têm um sentimento de merecimento ou talvez apenas pensem: ‘sou invencível’”.
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Outro caso recente de negociação feita utilizando informações privilegiadas na área da baía de São Francisco mostra como funciona a negociação na sombra. Em agosto de 2016, Matthew Panuwat, executivo da empresa biofarmacêutica Medivation, de São Francisco, foi informado que a Pfizer estava adquirindo sua empresa.
Minutos depois, ele comprou ações de uma terceira empresa farmacêutica. Quando foi anunciado que a negociação da Medivation havia sido fechada, a terceira empresa tornou-se um bom prospecto e as suas ações também dispararam. Panuwat lucrou US$ 107.066.
Em seu julgamento, nesta primavera, Panuwat disse que o momento foi uma coincidência. Um júri não acreditou em sua defesa e, em 5 de abril, após uma breve deliberação, considerou-o culpado de negociar utilizando informações privilegiadas.
Escritórios de advocacia especializados em defesa de crimes financeiros acreditam que haverá uma explosão de novos casos. “O processo bem-sucedido contra Panuwat armou o governo federal com um novo e poderoso precedente”, afirmou aos seus clientes o escritório de advocacia Gibson Dunn.
Depois do anúncio do veredicto de Panuwat, a SEC emitiu um breve comunicado em que afirma “não haver nada de novo” no caso: “Foi negociação com informações privilegiadas, pura e simples.” Um advogado de Panuwat não respondeu ao pedido de comentário.
A agência também considera o caso de Bechtolsheim simples, embora tenha recebido mais divulgação do que o habitual. Foi um dos poucos casos de fundadores de empresas ricas acusados da prática desde 2001, quando a guru do estilo de vida Martha Stewart foi orientada a vender as ações que detinha em uma empresa médica antes de esta anunciar más notícias. Stewart foi condenada a cinco meses de prisão por obstrução da justiça.
Investidores que financiam a Sun o avisaram que ele “pode acabar perdendo todo o seu dinheiro”. Sua resposta: “Vejo risco zero aqui”.
Em 2015, quando questionado em uma entrevista de história oral a respeito de como era a sua vida social durante os primeiros anos da Sun, Bechtolsheim respondeu: “Vida social? Eu não tinha vida social. Eu trabalhava dia e noite projetando novas estações de trabalho e construindo a empresa. Era a única coisa que importava para mim naquele momento.”
A aposta valeu a pena. As estações de trabalho da Sun preencheram um espaço entre os computadores pessoais rudimentares da época e os mainframes de última geração da IBM e de outras empresas. Mais tarde, a Sun expandiu para computadores que gerenciam outros computadores, os chamados servidores. No auge, durante a bolha pontocom, no final da década de 1990, a Sun tinha um valor de mercado de US$ 200 bilhões.
Foi o investimento que Bechtolsheim fez no Google, em 1998, que tornou dele uma parte permanente da tradição do Vale do Silício. O negócio foi feito em um momento em que os fundadores do Google, Sergey Brin e Larry Page, nem mesmo tinham certeza se queriam construir uma empresa em torno de sua tecnologia de busca caseira. Eles estavam focados em obter seus doutorados em Stanford.
Segundo a história do Google, narrada por Steven Levy em “In the Plex”, de 2011, o investimento ocorreu da seguinte maneira: Certa noite, por volta da meia-noite, Brin enviou um e-mail para Bechtolsheim. Bechtolsheim respondeu imediatamente, sugerindo realizar uma reunião na manhã seguinte.
Uma demonstração improvisada foi organizada às pressas para as 8h, que Bechtolsheim interrompeu. Ele já tinha visto o suficiente e, além disso, precisava ir ao escritório. Ele deu a eles um cheque e o negócio foi fechado, escreveu Levy, “com tão pouco alarde como se ele estivesse pegando um café com leite no caminho para o trabalho”. Os fundadores comemoraram no Burger King.
Page e Brin não conseguiram depositar o cheque de Bechtolsheim até um mês mais tarde porque o Google não tinha conta bancária. Quando o Google abriu o capital em 2004, esse investimento de US$ 100 mil valia pelo menos US$ 1 bilhão.
Mas não foi por causa do dinheiro que a história ficou famosa. Foi a forma como ela confirmou uma das crenças mais queridas do Vale do Silício sobre ela mesma: que a sua genialidade é tão evidente que perguntas são dispensáveis.
NYT: ©.2024 The New York Times Company