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Por € 1,9 mil por mês, o aluguel não era barato. No entanto, Alicia Bocuñano ainda se sentia sortuda por ter encontrado um apartamento em Ibiza por aquele preço. Como motorista de táxi com uma jornada de 16 horas de trabalho por dia, Bocuñano, uma mãe solteira que cresceu nesta ilha espanhola, esperava que o trabalho adicional que teria durante os movimentados meses de verão fosse suficiente para cobrir o aluguel.
Mas, seu potencial locador exigia o pagamento de seis meses de aluguel adiantado, além de um depósito de caução, o que totalizaria cerca de € 14 mil (aproximadamente R$ 87 mil) a ser pago à vista. Embora não seja totalmente legal no setor de alugueis rigorosamente regulamentado da Espanha, esse tipo de exigência é comum em Ibiza, onde turistas ricos lotam hotéis à beira-mar e baladas sofisticadas, enquanto aqueles que trabalham nesses locais — incluindo professores, bombeiros e outros profissionais essenciais da ilha — têm dificuldade em encontrar um lugar para morar.
Em vez de conseguir um novo apartamento, Bocuñano, 38, passou duas semanas angustiantes dormindo em seu carro, seguidas de três meses em uma barraca com seu filho de 10 anos, Raúl, ao seu lado, antes de adquirir um trailer usado em junho. Por alguns meses, ela estacionou o trailer, da marca Caravelair, em Can Rova, uma vila improvisada de barracas, barracos e motorhomes nos arredores de Ibiza, a capital da ilha, bem atrás de uma concessionária de lanchas de luxo. “Estava frio quando chegamos aqui”, disse. “Tipo, muito frio.”
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As cidades de barracas começaram a surgir aqui em 2023, mas aumentaram em tamanho e número este ano. Neste verão, Can Rova, o maior dos três grandes acampamentos localizados dentro e ao redor da capital, abrigou cerca de 280 pessoas. Em uma recente noite de julho, seis pessoas e um cachorro dormiram no assoalho do trailer de Bocuñano.
Muitos moradores de Can Rova diziam que, por falta de alternativa, esperavam ficar por ali indefinidamente. No entanto, em 31 de julho, a polícia executou uma ordem judicial para desocupar o acampamento, que havia sido erguido em terreno particular. (O proprietário está envolvido em diversas disputas de zoneamento e judiciais.) Muitos disseram que planejavam se mudar para um dos outros acampamentos, embora esses locais não ofereçam eletricidade, água ou cercas perimetrais, comodidades que faziam de Can Rova um lugar mais acolhedor.
Bocuñano foi detida pela polícia durante o despejo em massa e pode ter de pagar uma multa.
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Em grande parte do mundo, a falta de moradia está ligada à escassez de empregos. Mas não em Ibiza, onde há uma abundância de empregos e o crescente setor de turismo depende de trabalhadores itinerantes (com diversos status de imigração). Embora o trabalho sazonal há muito sobrecarregue a oferta de moradias por alguns meses a cada ano, hoje a escassez parece ser mais estrutural.
“Pessoas que trabalham todos os dias para cuidar dos filhos não têm onde morar”, comentou Bocuñano.
O aumento do trabalho remoto e o crescimento dos aluguéis de curto prazo retiraram muitos apartamentos do mercado, piorando ainda mais a escassez devido às restrições impostas ao uso do solo em uma ilha valorizada por sua beleza natural e à política pública inadequada que se seguiu ao colapso da bolha imobiliária na Espanha em 2008.
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“É fundamental”, disse Carme Trilla, economista e ex-diretora de política habitacional da Catalunha, a região espanhola que fica “na península”, como os moradores da ilha costumam dizer. “Por definição, eles têm que viver lá, e o problema não é só preço, mas também disponibilidade.”
A crise imobiliária em Ibiza começou de forma lenta e, depois, se agravou repentinamente. A marca registrada da ilha — “sol, praias, vida noturna”, como descreveu um corretor — prosperou nas décadas de 1960 e 1970, quando os boêmios passaram a se reunir nesta ilha Balear. O movimento hippie deu lugar à discoteca, e, nas décadas de 1980 e 1990, as calças boca de sino foram expulsas das pistas de dança pela cultura rave. Até a década de 2000, Ibiza já havia garantido sua reputação como a meca da música eletrônica e do escapismo de luxo.
“É o único lugar no mundo onde você pode encontrar os melhores DJs nos melhores locais todas as noites”, disse Yann Pissenem, CEO e proprietário da The Night League, empresa controladora da Ushuaia e da Hi, duas das casas noturnas mais badaladas da ilha.
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A população residente da ilha, hoje 160 mil habitantes, é duas vezes maior do que era há 20 anos e continua crescendo. Nos meses de pico do verão, mais de 1 milhão de pessoas desfrutam da ilha ao mesmo tempo, e o turismo de luxo exerce ainda mais pressão sobre a oferta de moradias.
Ibiza é um exemplo extremo de um fenômeno mais amplo na Espanha, onde aproximadamente 12% do produto interno bruto é gerado pelo turismo. Um relatório recente revelou que, em 306 cidades e vilas consideradas atrações turísticas, os aluguéis são, em média, 75% mais caros do que a média nacional — a maior disparidade já registrada. Neste verão, milhares de manifestantes foram às ruas em outros destinos de veraneio, como Málaga, Maiorca e Ilhas Canárias, para protestar contra os excessos do turismo.
Trilla, que atualmente lidera a Habitat 3, uma fundação dedicada a facilitar moradias subsidiadas, afirmou que, em Ibiza, a crise foi agravada por uma nova onda de voos de baixo custo que conectam às capitais europeias e pelo aumento das plataformas on-line que alugam apartamentos para visitantes estrangeiros. O preço médio de uma casa na ilha agora é de € 558 por metro quadrado — três vezes acima da média nacional e mais que o dobro da média em Madri e Barcelona.
De acordo com Paloma Pérez Bravo, CEO da Sotheby’s International Realty na Espanha, 75% dos potenciais compradores em Ibiza estão em busca de uma segunda casa, enquanto outros 15% estão interessados em um imóvel para investimento. Assim, em uma ilha onde há escassez de moradias e uma limitação em terrenos edificáveis, muitas casas permanecem vazias durante grande parte do ano. E desde a pandemia aumentou a demanda de compradores que querem viver na ilha o ano todo, acrescentou. “Ibiza é um bom investimento porque os preços nunca param de subir”, disse Pérez.
Em uma tarde recente, pouco antes do desmonte de Can Rova, moradores relataram histórias de quitinetes superlotados, onde as pessoas dormiam em turnos nas chamadas “camas quentes” por cerca de € 300 por mês.
Maria Fernanda Chica, uma colombiana de 34 anos que está aguardando sua documentação de trabalho, morou em um desses apartamentos enquanto fazia faxina em casas de luxo para ganhar dinheiro. “Eu não conseguia cozinhar quando precisava”, comentou sobre as condições. “Na melhor das hipóteses, eu conseguia utilizar a cozinha uma vez por dia.”
Neste verão, ela estava morando em uma estrutura improvisada em Can Rova com seu companheiro e filho adolescente. A maioria dos moradores alugava terrenos por entre € 350 e € 450 por mês, mais € 50 pela água e outros € 50 pela eletricidade. Os moradores eram responsáveis por escavar seus próprios sistemas sépticos. Muitos construíram barracos usando madeira compensada, paletes de transporte, grama sintética, lonas e outros materiais básicos.
Jonathan Sanchez, 33, e sua namorada Sandra Velasquez, 41, dormem em uma barraca em meio a algumas dezenas de outras pessoas em outro assentamento informal. Nascido em Ibiza, Sanchez trabalha na construção civil durante o dia. Velasquez, uma imigrante colombiana sem documentos de trabalho, faz faxinas à noite por € 7 por hora.
“Nem me lembro da última vez que fui à praia”, disse Sanchez em uma noite recente. Em sua camiseta estava escrito “Ants” (Formigas) — o nome da balada que Pissenem organiza aos sábados.
O casal carrega seus celulares em pontos de ônibus e pega água em uma torneira em um cemitério próximo. A maioria dos vizinhos são trabalhadores sazonais marroquinos que deixam a ilha após o verão. Sanchez mora em sua barraca há 14 meses. Seus colegas de trabalho não têm ideia de onde ele mora. “Não é que eu sinta vergonha”, disse. “Eu só não quero que as pessoas sintam pena de mim.”
Sempre que campistas como Sanchez são forçados a se deslocar para outros lugares, é provável que a Guardia Civil, uma das duas forças policiais nacionais da Espanha, tenha um papel nisso (como aconteceu no caso de Can Rova). No entanto, muitos dos agentes também estão enfrentando essa crise habitacional. No auge da temporada turística, havia 17 cargos vagos na Guarda Civil em Ibiza. Muitos novos recrutas evitam cargos na ilha e saem de lá quando conseguem encontrar uma vaga em outro lugar na Espanha, explica Tomas Quesada, membro da Guardia Civil e representante sindical. Os salários iniciais são de apenas € 1,8 mil por mês, e o bônus mensal de custo de vida de € 94,63 faz pouca diferença.
“Isso está levando à desertificação dos serviços públicos”, analisou Quesada. “Temos o direito de poder viver.”
Enfermeiros e médicos enfrentam uma realidade semelhante. O mesmo acontece com os professores, alguns dos quais se deslocam de avião de outras ilhas diariamente para economizar dinheiro. “Não temos o mesmo nível de serviços públicos aqui em Ibiza”, afirma Joana Tur Planells, representante sindical dos professores.
Sempre haverá uma limitação de terras em uma ilha de cerca de 570 quilômetros quadrados, mas há um consenso emergente de que é necessária uma intervenção do governo. Na cidade de Santa Eulària des Riu, onde ficava Can Rova, a Prefeitura planeja destinar 5 mil metros quadrados de terreno público para construção de moradias nos próximos anos. Documentos de políticas sugerem maior foco na construção de moradias multifamiliares e uma repressão aos aluguéis de curto prazo ilegais.
Carmen Ferrer Torres, prefeita conservadora de Santa Eulalia des Riu, fala de planos para iniciar a construção de 60 apartamentos menores para locação — uma pequena fração das unidades necessárias para aliviar a tensão.
“São problemas significativos e urgentes. Solucioná-los demorará mais tempo do que temos disponível para isso”, disse a prefeita. Enquanto isso, seu partido também defende uma maior liberalização dos mercados de locação, acreditando que simplificar o processo de despejo de infratores poderia liberar o estoque de moradias estagnado. Em 31 de julho, Ferrer estava no local apoiando a reintegração de posse de Can Rova.
Mas para Trilla, o economista imobiliário, a solução geral é clara. “É necessário priorizar moradias públicas para trabalhadores essenciais”, analisou, acrescentando que o problema não é apenas a moradia, mas o preço da terra. Na prática, é necessário empregar dinheiro público para adquirir propriedades privadas a preços de mercado.
Ela destacou uma série de políticas em Barcelona, capital da Catalunha, que podem facilitar a oferta de moradias a curto prazo. Entre elas está a proposta de flexibilizar temporariamente as regras de zoneamento para permitir que as autoridades dividam casas unifamiliares em vários apartamentos. Barcelona também está eliminando os aluguéis de curta duração do tipo oferecido por plataformas como o Airbnb. Até 2028, eles estarão praticamente banidos.
No setor privado, empresários bem-sucedidos como Pissenem, o empresário do clube, estão lutando contra a crise. Sua empresa começou a ajudar seus trabalhadores sazonais a encontrarem acomodações. “Todos nós precisamos descobrir uma maneira de ajudar as pessoas que têm a ilha em suas mãos”, ponderou.
Enquanto isso, moradores de Ibiza, como Bocuñano, se perguntam onde encontrarão seu próximo lar. Nas primeiras noites após a reintegração de posse em Can Rova, ela dormiu no sofá de uma amiga. O filho dela está com sua mãe do outro lado da ilha. Ela recebeu uma breve autorização para retornar a Can Rova para recuperar seus pertences pessoais, incluindo seu trailer, mas precisou pegar um veículo emprestado para rebocá-lo.
Depois disso, “vou me recuperar e juntar os pedaços novamente”, disse.
Este artigo foi publicado originalmente no The New York Times.