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Usar IA no trabalho nos torna mais solitários e menos saudáveis, revela pesquisa

Empregos estão sendo fragmentados em tarefas cada vez mais automatizadas

David De Cremer e Joel Koopman Harvard Business Review

Inteligência artificial no trabalho. Crédito: Getty Images
Inteligência artificial no trabalho. Crédito: Getty Images

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Imagine este cenário: Jia, uma analista de marketing, chega ao trabalho, faz login em seu computador e é recebida por um assistente de IA que já classificou seus e-mails, priorizou suas tarefas do dia e gerou os primeiros rascunhos de relatórios que, no passado, ela levava horas para escrever. A Jia (como todos que já passaram algum tempo trabalhando com essas ferramentas) fica maravilhada com a quantidade de tempo que consegue economizar utilizando IA. Inspirada pelos efeitos de aumento de eficiência permitidos pela IA, Jia sente que pode ser muito mais produtiva do que antes. Como resultado, ela se concentra em completar o máximo de tarefas possível em conjunto com seu assistente de IA.

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À medida que o dia passa e a produtividade e a eficiência de Jia continuam a aumentar, ela também se sente cada vez mais isolada dos colegas do outro lado do corredor. Ela costumava conversar um pouco com eles enquanto solucionava problemas relacionados ao trabalho, mas agora seu assistente de IA cuida da solução de problemas (com mais precisão e eficiência do que seus colegas). Ela se pergunta se eles sentem o mesmo que ela e se perceberam o quão pouco conversam. Às vezes, esse desejo de conexão a leva a encontrar maneiras de socializar com seus colegas de trabalho e ajudá-los. Mas ela também percebeu que, ultimamente, tem tido dificuldade para dormir e que começou a beber mais depois do trabalho.

Embora isso possa parecer um aviso de algo que ocorrerá em um futuro próximo, descobrimos em uma série de estudos que a história de Jia está se tornando muito comum.

A promessa da IA é atraente: produtividade otimizada, análise de dados extremamente rápida e libertação de tarefas rotineiras. Tanto empresas quanto trabalhadores estão fascinados (e um tanto perplexos) com a maneira como essas ferramentas permitem realizar mais trabalho e de forma melhor e mais rápida do que nunca. Por exemplo, a IA provou sua capacidade de igualar ou exceder o desempenho humano em uma vasta gama de tarefas, desde a análise de documentos jurídicos à previsão de vendas e até a seleção de candidatos a empregos. As empresas relatam cada vez mais que o risco maior está em não adotar a IA. Dados recentes mostram que 35% das empresas globais utilizam IA e que o mercado global de IA deve atingir US$ 1,85 bilhão até 2030.

Contudo, ao buscar acompanhar o ritmo da concorrência e tirar proveito dos ganhos de eficiência da implementação da IA, muitas organizações têm negligenciado seu ativo mais valioso: os seres humanos. Os empregos estão sendo fragmentados em tarefas cada vez mais automatizadas. De uma perspectiva centrada no ser humano, esta pode ser uma tendência preocupante, uma vez que o foco principal na tecnologia pode trazer custos humanos indesejados, como a redução da satisfação no trabalho, da motivação e do bem-estar mental. Para garantir o sucesso e a viabilidade dos projetos de adoção de IA, é essencial se concentrar primeiro nos humanos e depois na IA.

De certa forma, é essa omissão da primazia humana no processo de adoção da IA surpreende. As organizações modernas estão cada vez mais sensíveis ao bem-estar físico e mental de seus colaboradores e não medem esforços para promover a inclusão e a conexão social. Este é um bom negócio: pesquisas mostram que quando as pessoas sentem forte conexão com outras pessoas no trabalho, considerarão os interesses da organização importantes para seus próprios interesses. Na verdade, estes estudos mostram de forma consistente que os colaboradores que se sentem socialmente conectados e emocionalmente realizados no trabalho são mais empenhados, produtivos e comprometidos com suas organizações. Eles são mais inclinados a colaborar, inovar e ir além em suas funções. Por outro lado, colaboradores que se sentem isolados e desconectados são mais propensos ao esgotamento, ao absenteísmo e à rotatividade. Isto é um problema porque, não importa quão avançadas ou sofisticadas se tornem essas ferramentas de IA, elas são comuns, substituíveis e imitáveis. Portanto, não representam um ativo estratégico que possa diferenciar uma empresa e proporcionar uma vantagem competitiva sustentável sobre seus concorrentes. Isso só pode ser alcançado se os recursos humanos forem cuidadosamente considerados ao introduzir a IA no ambiente de trabalho, evitando assim a desmotivação e desmoralização.

Hoje, existem grandes dúvidas a respeito de como o trabalho com IA afetará a conexão social dos colaboradores no trabalho. Para ajudar a tirar essas dúvidas, realizamos quatro estudos em diversos ambientes experimentais e de campo. O que descobrimos deve preocupar as empresas que correm para aumentar sua força de trabalho com o uso da IA.

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Como a IA pode aumentar o isolamento das pessoas no trabalho


Os objetivos gerais dos nossos estudos foram (1) testar como o trabalho com IA afeta a conexão (ou mais precisamente, a falta dela) que as pessoas sentem com seus colegas de trabalho humanos e (2) documentar as consequências muito reais e prejudiciais dessa falta de conexão. Examinamos diferentes tipos de IA em uma amostra globalmente diversificada para mostrar a ampla generalização e aplicabilidade de nossas descobertas. Cada estudo foi concebido para reforçar a mensagem central do nosso artigo e, como um todo, eles pintam um quadro preocupante para o bem-estar dos colaboradores que utilizam IA em seu trabalho.

Em um primeiro estudo, entrevistamos uma amostra de 166 engenheiros de uma empresa biomédica de Taiwan. Em média, esses colaboradores trabalhavam na empresa há quase três anos e com sistemas de IA há pouco mais de dois anos. Perguntamos a eles sobre (a) a frequência de suas interações com IA (Semana 1) e (b) sua solidão e desejo de se conectar com outras pessoas (Semana 2).

Na semana 3, conversamos com pessoas próximas a eles, perguntando a um colega de trabalho sobre o quão prestativo o colaborador era e a um membro da família sobre seu consumo de álcool após o trabalho e sua insônia. Nossos resultados mostraram que os engenheiros que trabalharam mais com IA demonstraram um desejo mais forte de se conectar com outras pessoas, o que levou a alguns comportamentos positivos, pois os colaboradores ajudaram seus colegas de trabalho em um esforço de reconexão. Mas também relataram mais sentimentos de solidão, o que, por sua vez, levou a um maior consumo de álcool e mais insônia.

Para buscar conclusões mais robustas e com relação causal, realizamos diversos estudos experimentais de acompanhamento. Em dois destes estudos, tivemos acesso a um grupo de 120 consultores imobiliários em uma empresa de gestão imobiliária da Indonésia (novamente, tempo de casa médio de cerca de três anos e cerca de dois anos trabalhando com IA) e 294 colaboradores nas áreas de operações, contabilidade, unidades de marketing e finanças de uma empresa de tecnologia da Malásia (tempo de casa médio de pouco mais de três anos, dos quais mais de um ano e meio trabalhando com IA).

Os colaboradores de cada uma dessas empresas utilizam IA como ferramenta para apoiar suas atividades diárias de trabalho, como a busca por informações e a criação de novos conteúdos e ideias. As empresas nos permitiram designar aleatoriamente alguns de seus colaboradores para não trabalharem com IA por um período de três dias, durante os quais medimos cada uma das variáveis do nosso estudo. Novamente, os resultados mostraram que os colaboradores que continuaram trabalhando com IA (em comparação com aqueles que não) tinham mais desejo de conexão e eram mais solitários, com as consequências correspondentes: mais ajuda para aqueles que tinham maiores necessidades de afiliação e maior consumo de álcool (em um dos estudos) e insônia entre aqueles que se sentiam mais solitários.

Em geral, esses resultados indicam que quanto mais os colaboradores trabalhavam com a IA — que os ajudava a concluir mais tarefas do que nunca —, mais se sentiam socialmente desfavorecidos à medida que o trabalho consumia o dia todo deles. Essa situação de não estar conectado com outros seres humanos durante a jornada de trabalho despertou um forte desejo de se conectar com outras pessoas no ambiente profissional. Portanto, mesmo que as interações com a IA tenham tornado os colaboradores menos conectados socialmente com seus colegas de trabalho, essa situação os incentivou a tomarem medidas para se reconectar.

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No entanto, apesar destas ações, estes colaboradores ainda relataram se sentir isolados e socialmente à deriva. Em outras palavras, suas interações com a IA os tornaram mais eficientes e capazes de realizar muito mais trabalho, porém também deixaram uma sensação de solidão, levando a uma maior probabilidade de os funcionários recorrerem ao álcool e enfrentarem insônia. Esses são sinais preocupantes de mal-estar social e emocional, que a pesquisa mostra ter impactos negativos na qualidade de vida, humor, função cognitiva, comportamento e saúde geral.

Estas descobertas pintam um quadro complexo dos custos sociais da IA no local de trabalho. Por um lado, o isolamento induzido pela IA pode estimular os colaboradores a investirem mais em suas relações humanas, a procurarem a nutrição social que lhes falta. Mas, em nível mais profundo, ele pode corroer os próprios alicerces dessas relações – o sentido de humanidade autêntica e partilhada que sustenta a verdadeira conexão e colaboração e, como resultado, minar sua saúde física e mental.

O que as empresas podem fazer



Para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades da IA para os colaboradores no local de trabalho, os líderes corporativos precisam equilibrar a busca pela eficiência com um compromisso profundo com o bem-estar dos colaboradores e com a coesão social. Algumas medidas importantes que podem implementar incluem:

Monitoramento do bem-estar



Nossas descobertas ilustram claramente a ironia de que, ao procurar aumentar a produtividade, a dependência excessiva da IA pode, na verdade, corroê-la ao longo do tempo. Colaboradores solitários e descomprometidos provavelmente não darão o melhor de si no trabalho. Eles são menos propensos a colaborar, inovar ou fazer um esforço extra em suas organizações. Portanto, monitore o bem-estar dos colaboradores e sua inserção social na organização, não apenas seu desempenho. Pesquisas regulares, “check-ins” e sessões de feedback podem ajudar a revelar problemas antes que eles se agravem. Métricas como envolvimento, satisfação no trabalho e a percepção de apoio social dos colaboradores devem ser acompanhadas tão de perto como a produção e a produtividade. É este tipo de prática que ajudará a sua organização a agir de forma preventiva para evitar que os colaboradores acabem em um ciclo negativo em que sua saúde mental e física seja prejudicada pela presença dominante da IA em sua vida profissional.

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Redesenhar fluxos de trabalho



Outra maneira de as organizações evitarem que a integração da IA cause efeitos negativos cada vez maiores na saúde dos colaboradores é adotar uma abordagem intencional e centrada no ser humano para a implementação da IA. Em vez de simplesmente sobrepor a IA aos processos existentes, as organizações devem redesenhar os fluxos de trabalho em torno dos pontos fortes únicos dos humanos e das máquinas. Devem criar oportunidades para os colaboradores colaborarem com a IA de formas que melhorem sua autonomia, seu sentido de controle e domínio e a sensação de que seu trabalho lhes proporciona um sentido de propósito. A pesquisa mostra que colaboradores se sentirem no controle e terem uma sensação de autonomia na busca por algo que é percebido como significativo traz benefícios significativos à saúde.

Considerar a IA uma ferramenta



Para evitar os efeitos adversos do isolamento e do desengajamento causados pela IA, as organizações precisam fazer uma mudança fundamental de mentalidade. Em vez de considerarem a IA apenas como um meio de automatizar e otimizar, devem vê-la como uma ferramenta para melhorar a experiência humana no trabalho. O que isso significa para as organizações? Especificamente, o objetivo da implementação de sistemas de IA deve ser melhorar as funções dos colaboradores. A eficiência que estes sistemas criam é uma oportunidade para apoiar as necessidades sociais e emocionais dos colaboradores. Por exemplo, a IA pode assumir mais tarefas e, ao mesmo tempo, os líderes devem criar espaços e horários dedicados para os colaboradores se conectarem pessoalmente. Isso pode significar reservar tempo para atividades de formação de equipe, eventos sociais ou até mesmo só para conversas casuais no café. O objetivo deve ser promover uma cultura onde a interação social seja valorizada e estimulada, e não vista como uma distração do “trabalho real”.

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Em resumo, à medida que a IA se integra mais na estrutura do trabalho, ela não só moldará a maneira como realizamos nossas tarefas, mas também como nos relacionamos uns com os outros como colegas e como seres humanos. Por isso, é essencial que as organizações compreendam que, com a utilização da IA para criar locais de trabalho mais eficientes e produtivos, é necessário assumir a responsabilidade de que a qualidade das interações dos colaboradores e a profundidade das suas relações com os outros sejam mantidas.

A contabilização dos custos sociais quando se analisam os ganhos de eficiência da IA implica que, em vez de tratar a IA como uma forma de substituir os trabalhadores humanos, ela deve ser encarada como uma ferramenta capaz de aumentar o potencial e as competências humanas. E esta perspectiva crescente sobre a IA só poderá ter sucesso se a organização conseguir criar empregos gratificantes e socialmente conectados que tenham um impacto positivo na saúde física e mental dos seus colaboradores.

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David De Cremer é professor de gestão e tecnologia na Northeastern University e reitor Dunton Family na D’Amore-McKim School of Business. Seu website é daviddecremer.com.

Joel Koopman é Professor TJ Barlow de Administração de Empresas na Mays Business School da Texas A&M University. Seus interesses de pesquisa incluem comportamento pró-social, justiça organizacional, processos motivacionais e metodologia de pesquisa. Ele ganhou vários prêmios da Divisão de RH da Academy of Management (Early Career Achievement Award e David P. Lepak Service Award), juntamente com o prêmio SIOP Distinguished Early Career Contributions de 2022, e atualmente atua no Comitê de Liderança da Divisão de RH da Academy of Management.

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