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SÃO FRANCISCO – Em março, o empresário Sohail Prasad lançou um fundo chamado Destiny Tech100. O fundo possui papéis de startups de tecnologia de destaque, como a empresa de pagamentos Stripe, a fabricante de foguetes SpaceX e a empresa de inteligência artificial OpenAI.
Poucas pessoas têm a oportunidade de investir nestas empresas de capital fechado, uma vez que suas ações não são negociadas abertamente. A intenção de Prasad com o Destiny era permitir que o resto do mundo conseguisse uma fatia delas por meio de seu fundo.
Mas pouco depois da estreia do Destiny, duas startups de tecnologia – a Stripe e a Plaid, um serviço bancário – alertaram que o fundo não possuía ações delas legalmente. Um concorrente criticou o Destiny, afirmando que era “bom demais para ser verdade”. O aplicativo de negociação de ações Robinhood interrompeu a compra de ações do fundo alegando que ele foi acrescentado ao aplicativo por engano.
Todo esse alvoroço não surpreendeu Prasad. Esse é um sinal de “um verdadeiro movimento cultural no qual o DXYZ ocupa posição de vanguarda”, afirmou, referindo-se a Destiny pelo seu símbolo.
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As tensões em torno do mercado de ações de empresas privadas, muitas vezes obscuro e enigmático, atingiram um ponto crítico em um momento em que a compra e venda dessas ações estão crescendo mais do que nunca. No centro desse movimento está um debate antigo: todos devem ter acesso às riquezas e aos riscos de investir em startups do Vale do Silício?
O mercado de ações de empresas privadas, também conhecido como mercado secundário, está perto de atingir um recorde de US$ 64 bilhões este ano, o que representa um aumento de 40% em relação ao ano passado, segundo a Sacra, uma empresa de pesquisa especializada em investimentos privados. A Industry Ventures, uma empresa focada em operações secundárias, calcula que há uma década o mercado de ações de empresas privadas valia cerca de US$ 16 bilhões.
O aumento do interesse por ações de empresas privadas também fez crescer as complicações. Se uma empresa for de capital aberto, como a Apple ou a Amazon, qualquer pessoa pode facilmente comprar e vender suas ações. Mas startups tecnológicas privadas como a Stripe normalmente têm um pequeno círculo de proprietários, tais como seus fundadores e colaboradores, bem como pessoas ricas e empresas de capital de risco que forneceram financiamento para o crescimento dessas empresas. As ações delas raramente são negociadas.
Agora, à medida que essas startups amadurecem e não têm pressa para abrir seu capital, cada vez mais investidores estão ansiosos para adquirir suas ações. Surgiram novos mercados on-line que conectaram vendedores de ações de startups com compradores interessados.
E surgiram fundos como o Destiny. O Destiny é uma das poucas opções para investidores de varejo, já que a maioria dos outros fundos e mercados está disponível apenas para investidores “credenciados” com altos rendimentos ou patrimônio líquido.
A atividade preocupa cada vez mais algumas startups, que há muito resistem permitir que suas ações sejam negociadas livremente. Quantas mais pessoas possuírem ações, maior será o número de acionistas, o que, entre outras complicações, pode resultar em dificuldades para cumprir as leis de valores mobiliários. Embora algumas startups permitam algumas negociações de suas ações, outras estão ocorrendo sem sua permissão.
“Estamos chegando a um ponto em que algo tem que acontecer”, disse Noel Moldvai, CEO da Augment, um mercado para ações de startups privadas.
‘Ei, eu tenho um pouco da SpaceX’
Entre os mercados on-line onde é possível comprar e vender ações de empresas privadas está o Hiive, lançado em 2022. Atualmente, ele está oferecendo aos clientes ações da Anthropic, uma startup de inteligência artificial.
Sim Desai, CEO da Hiive, afirmou que a plataforma comprou US$ 15 milhões em ações da Anthropic e está permitindo que investidores comprem fatias tão pequenas como US$ 25 mil. O site supervisiona uma média de cerca de US$ 20 milhões em transações por semana.
Na Augment, que foi lançada no ano passado, investidores interessados em adquirir ações da Stripe podem analisar quatro “ordens de venda”, ou seja, pessoas que estão tentando vender ações da Stripe. A Augment realizou mais de US$ 20 milhões em operações em março, disse Moldvai.
Alguns fundos de investimento – incluindo o Stack Capital, o Fundrise, Private Shares Fund e o ARK Venture Fund, da ARK Invest – também estão lançando a possibilidade de se possuir uma fatia de startups privadas. O Destiny, que é listado na Bolsa de Valores de Nova York e possui participações em 23 startups avaliadas em cerca de US$ 53 milhões, é uma das poucas opções disponíveis para negociação pública.
A atividade tem preocupado algumas startups. Avaliada em US$ 65 bilhões no mercado privado, a Stripe emitiu um comunicado contundente a respeito de ofertas de compra de suas ações. “Qualquer oferta para investir em nossas ações que não provenha diretamente da empresa é ‘muito provavelmente uma fraude'”, afirmava. A Stripe incentivou os acionistas a denunciar tais ofertas às autoridades.
A Stripe e a Anthropic se recusaram a comentar esta matéria.
Mesmo assim, as pessoas continuam ansiosas para adquirir ações de startups, disse Jeff Parks, CEO da Stack Capital, que oferece aos investidores acesso a empresas como a SpaceX e Canva, uma startup de software de design. “Você quer estar no campo de golfe e poder dizer algo como ‘Ei, eu tenho um pouco da SpaceX’”, explicou.
Negócios arriscados
Vendas de ações privadas ocorrem há mais de uma década, e esse mercado sempre pareceu um pouco com o Velho Oeste.
Antes de o Facebook abrir seu capital em 2012, suas ações privadas eram negociadas em mercados como o SharesPost e o SecondMarket. A Securities and Exchange Commission (SEC) alertou que tais mercados eram arriscados “mesmo para investidores experientes” e multou a SharesPost em US$ 80 mil por não se registrar como corretora.
Depois disso, as startups tentaram restringir as vendas de suas ações. Mas intermediários, dentre os quais a Forge Global, à época conhecida como Equidate, encontraram maneiras de contornar isso. Eles popularizaram os “contratos futuros”, que pagavam colaboradores das startups em dinheiro se concordassem em transferir as ações que detinham em sua empresa a um investidor no futuro.
Os contratos futuros se popularizaram em startups como o Airbnb. Quando o Airbnb abriu suas ações em 2020, a Forge supervisionou a transferência de US$ 475 milhões em ações prometidas pelos colaboradores do site de locações por temporada a mais de 100 investidores.
“Foi um pesadelo administrativo”, comentou Kelly Rodriques, CEO da Forge. Desde então, a Forge desenvolveu tecnologia para lidar com esse processo e não fecha mais contratos futuros.
Algumas empresas que permaneceram fora da bolsa por mais tempo, incluindo a Stripe, que tem 14 anos, e a SpaceX, que tem 22 anos, passaram a dar aos seus colaboradores oportunidades frequentes para que vendam uma parte de suas ações por um preço definido.
Embora historicamente as empresas tenham resistido à negociação de suas ações sem abrir capital, cada vez mais estão aceitando a ideia, analisou Rodriques.
“O mercado nunca aceitou tanto a liquidez secundária como agora”, analisou.