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A tão temida “guerra aberta” no Oriente Médio chegou

“Do ponto de vista de Israel, estamos em uma guerra regional desde 7 de outubro, e essa guerra agora é total”, disse Michael Oren, ex-embaixador de Israel nos EUA e um dos diplomatas mais linha-dura do país

The New York Times David E. Sanger

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O cenário de uma “guerra ampliada” no Oriente Médio, temido há tempos, finalmente se concretizou. Nos últimos 360 dias, desde que as imagens do massacre de cerca de 1.200 pessoas em Israel no dia 7 de outubro passado correram o mundo, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, alertou repetidamente sobre o risco de um ataque terrorista do Hamas se expandir para um conflito com outra força proxy do Irã, o Hezbollah, e, em última instância, com o próprio Irã.

Agora, após o assassinato do chefe do Hezbollah, Hassan Nasrallah, pelas forças israelenses e o início da invasão terrestre do Líbano, e após o Irã retaliar na terça-feira com o lançamento de quase 200 mísseis contra Israel, o momento é considerado um dos mais perigosos da região desde a Guerra Árabe-Israelense de 1967.

As principais questões agora são até que ponto o conflito pode se intensificar e se as forças americanas se envolverão diretamente.

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Os últimos dias podem ter marcado um ponto de virada. Desde que Israel matou Nasrallah na sexta-feira, o governo Biden mudou sua postura de advertência contra uma guerra mais ampla para a tentativa de gerenciá-la. Autoridades americanas defenderam o direito de Israel de retaliar contra o Irã, mas Biden afirmou na quarta-feira que não apoiaria ataques diretos às instalações nucleares iranianas, o que poderia fazer o conflito sair de controle. Ele alertou que Israel deve responder “proporcionalmente”.

Esse é o cenário que Biden advertiu repetidamente, mas que não conseguiu evitar, mesmo com 40 mil soldados dos EUA na região.

“Do ponto de vista de Israel, estamos em uma guerra regional desde 7 de outubro, e essa guerra agora é total”, disse Michael Oren, ex-embaixador de Israel nos EUA, historiador e um dos diplomatas mais linha-dura do país. “Estamos em uma guerra pela nossa sobrevivência nacional, ponto final.” Vencer nas próximas semanas, segundo ele, é um “dever” para uma nação “criada no rescaldo do Holocausto”.

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A incógnita agora é como o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, interpretará essa missão existencial ao ponderar como, e não se, retaliará contra o Irã.

Os alertas de Biden começaram cedo, durante sua visita a Israel menos de duas semanas após o 7 de outubro, para demonstrar solidariedade após um dos mais cruéis ataques terroristas dos tempos modernos.

Isso ocorreu antes de Israel devastar a Faixa de Gaza por meio de bombardeios aéreos e enviar suas tropas ao terreno, contrariando o conselho de Biden em uma série de conversas acaloradas com Netanyahu. Foi antes de Israel armar armadilhas em pagers e walkie-talkies usados pelo Hezbollah, que explodiram por todo o Líbano, e antes de Netanyahu aprovar o plano para matar Nasrallah e decapitar sistematicamente boa parte da liderança do Hezbollah.

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Foi antes de a administração Biden sugerir, na semana passada, que Israel havia concordado com um cessar-fogo de 21 dias, apenas para ser desafiada, novamente, por Netanyahu, que autorizou ataques ao Líbano logo em seguida.

Para os críticos de Biden à direita, tudo isso é resultado da hesitação americana, sua relutância em apoiar Israel incondicionalmente e sua tendência de equilibrar toda promessa de ajuda com um aviso para não cometer os erros que os EUA cometeram após os ataques de 11 de setembro.

Para seus críticos à esquerda, o que ocorreu nos últimos 10 dias é mais uma prova do fracasso de Biden em usar a influência americana sobre Israel, incluindo a ameaça de suspender o envio de armas após a morte de mais de 41 mil pessoas em Gaza. Embora várias dessas mortes sejam, quase certamente, de líderes ou combatentes do Hamas, a vasta maioria das vítimas são civis. Para muitos israelenses, essa escalada era inevitável, mais um capítulo em uma luta pela sobrevivência que começou com a criação da nação em 1948.

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Netanyahu tem claramente o aval dos EUA para retaliar contra o Irã. Na Casa Branca, na terça-feira, Jake Sullivan, conselheiro de segurança nacional de Biden, disse que o ataque iraniano havia sido “derrotado e ineficaz”, em grande parte devido aos esforços coordenados entre as forças americanas e israelenses, que passaram meses planejando como interceptar os mísseis. “Deixamos claro que haverá consequências – consequências severas – para este ataque, e trabalharemos com Israel para garantir que isso ocorra”, disse Sullivan a repórteres.

Autoridades americanas acreditam que podem persuadir Netanyahu a retaliar sem desencadear uma guerra total. Mas admitem que o primeiro-ministro israelense pode ver as próximas cinco semanas, até a eleição presidencial americana, como um momento oportuno para tentar atrasar o programa nuclear iraniano por anos. Afinal, o ex-presidente Donald Trump não reclamaria de um grande ataque à infraestrutura militar do Irã, e os democratas não podem se dar ao luxo de serem acusados de restringir Israel após o ataque de terça-feira.

“Israel fará o possível para ser desproporcional”, disse o general Wesley K. Clark, ex-comandante supremo da Otan, à CNN na terça-feira (1).

Funcionários da Casa Branca têm uma visão oposta: dizem que Netanyahu não pode se dar ao luxo de ser nada além de proporcional. Esta nova fase do conflito envolve muitos riscos. Existe o risco de que o Irã, frustrado pelo fracasso de sua força de mísseis em romper as defesas de Israel e dos EUA, se convença de que é finalmente o momento de correr em direção a uma arma nuclear, vendo esse movimento arriscado como a única forma de conter um adversário que penetrou em iPhones, pagers e sistemas de computadores. Existe o risco de que, apesar da eleição de um novo presidente iraniano de perfil moderado, a Guarda Revolucionária do Irã vença as disputas internas e dobre a aposta em seus programas de mísseis e agentes de influência.

“Uma guerra em larga escala, ou mesmo uma mais limitada, pode ser devastadora para o Líbano, Israel e toda a região”, disse Jonathan Panikoff, diretor da Iniciativa de Segurança do Oriente Médio do Conselho Atlântico. “Mas também pode criar oportunidades inesperadas — como enfraquecer a influência maligna do Irã na região, por exemplo, impedindo ativamente seus esforços para reconstituir o Hezbollah. E uma nova administração deve estar preparada para aproveitá-las.”

É isso que as guerras fazem. Elas criam novas dinâmicas de poder, vácuos que precisam ser preenchidos.

Mas permanece o perigo de que guerras amplas, uma vez iniciadas, levem anos para serem contidas. E a presença de armas nucleares, mísseis balísticos e um instinto de escalada criam uma mistura particularmente perigosa.

Este artigo apareceu originalmente no The New York Times.