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Controlar objetos com a força do pensamento não é mais ficção científica. Os chips cerebrais que prometem ajudar pessoas que perderam movimentos – já implantados em animais e em pelo menos um ser humano – ainda são dispositivos incipientes, mas já estão no centro de uma corrida tecnológica que envolve investimentos de altas cifras em em lados opostos do mundo: China e Estados Unidos.
No Ocidente, os esforços vêm do setor privado, com Elon Musk à frente da empresa de neurotecnologia Neuralink, e startups do Vale do Silício que captaram recursos de investidores para desenvolver implantes do tipo. Já a China anunciou que a estatal Beijing Xinzhida Neurotechnology criou um implante capaz de fazer um macaco controlar um braço mecânico. O anúncio, no final de abril, foi feito pouco mais de dois meses após Musk revelar avanços em sua empreitada.
“Mais uma vez, vemos essa dualidade Estados Unidos-China. Temos, assim como nas redes sociais, no 5G, em várias tecnologias, um pouco dessa nova versão da Guerra Fria. Os chips são elementos a mais nesse contexto”, comenta ao IM Business o especialista em tecnologia e inovação Arthur Igreja.
EUA e China: quem investe mais?
Enquanto as empresas que desenvolvem tais dispositivos propagam que o objetivo é ajudar pessoas com limitações físicas, o real alcance da tecnologia ainda é um mistério – assim como suas implicações éticas e jurídicas. Não se sabe, por exemplo, se tais chips serão capazes de acessar os pensamentos de seres humanos e se serão, de fato, eficientes no controle de aparelhos eletrônicos.
Como EUA e China já travam uma disputa global pela hegemonia em inteligência artificial, a corrida para desenvolver chips cerebrais caminha em paralelo, embora os valores investidos nos implantes não sejam totalmente mensuráveis. Mas pode-se ter uma ideia pelo montante destinado à IA, que abrange também os esforços em robótica.
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Até 2027, empresas chinesas pretendem investir mais de US$ 38 bilhões por ano em inteligência artificial, 9% do total no mundo, segundo a agência chinesa Xinhuá, citando um relatório industrial. O Partido Comunista Chinês (PCC) reforçou no Plano Quinquenal com metas até 2025 que a IA está entre os sete domínios tecnológicos estratégicos para o crescimento do país. A meta é que a economia digital passe a representar 10% do PIB chinês.
Nos EUA, por sua vez, o Goldman Sachs Research calculou que o investimento em IA pode chegar perto dos US$ 100 bilhões e, no mundo todo, de US$ 200 bilhões, até 2025.
No campo da IA, especula-se que uma guerra tecnológica esteja em curso também em outras frentes. A China desenvolve robôs humanoides e planeja lançá-los em grande escala em alguns anos, algo semelhante ao que a Tesla, de Musk, pretende fazer.
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O que se sabe até agora sobre os implantes
No final de abril, a chinesa Beijing Xinzhida Neurotechnology desenvolveu um implante chamado Neucyber. O chip teria sido testado em um macaco que teria conseguido controlar um braço robótico com seus pensamentos, segundo informações da Xinhua. O governo chinês destacou que a tecnologia foi “desenvolvida de forma independente”.
A tecnologia usada foi a BCI (Interface cérebro-computador), classificada no ano passado pelo Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação da China como uma “tecnologia emergente de ponta” importante – a mesma desenvolvida pela Neuralink, que liderou os avanços na área.
A BCI coleta a atividade elétrica dos neurônios e transforma estes sinais em comandos capazes de controlar um dispositivo externo. O objetivo da Neuralink, por exemplo, é usar a tecnologia para fazer com que seres humanos com paralisia nos membros consigam controlar um cursor, um teclado ou até um celular, apenas com seus pensamentos.
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Após recrutar voluntários para o experimento, em setembro do ano passado, a Neuralink anunciou em janeiro que implantou seu chip em um humano. O paciente, que possui limitações físicas, teria sido capaz de controlar dispositivos eletrônicos por ‘telepatia’.
Sua identidade não foi divulgada, mas acredita-se ser uma pessoa de 29 anos com quadriplegia por lesão na medula espinhal cervical ou esclerose lateral amiotrófica (ELA), também conhecida como Doença de Lou Gehrig.
Já a China informou que ainda não iniciou os testes em humanos e a Beijing Xinzhida Neurotechnology não estipulou uma data para começar a fase de testes.
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Implicações de uma guerra tecnológica
As potenciais aplicações dos implantes cerebrais são vastas. Além de permitir que pessoas com limitações físicas possam controlar dispositivos pela mente, acredita-se que a BCI pode levar ao aprimoramento da comunicação e ajudar na compreensão de como o cérebro humano funciona.
Por outro lado, as implicações éticas da empreitada e os limites de seu uso pelo setor privado ainda são desconhecidas. Em maio de 2023, a Neuralink obteve aprovação do FDA para fazer testes em humanos e, em janeiro deste ano, já havia anunciado o primeiro ensaio em humanos, mas as informações sobre como o implante funciona ainda são limitadas.
“As implicações éticas e morais são irrestritas e infinitas nesse caso, já que estamos tratando da coleta de dados na fonte, o que é difícil imaginar algo que seja mais sensível, que possa dizer mais sobre o indivíduo”, avalia Igreja.
A falta de transparência por parte da empresa tem gerado preocupações no meio científico. E não têm sido diferentes as primeiras comunicações da China sobre os implantes. Igreja aponta que, no aspecto da China, o desenvolvimento estatal e a própria IA, que segundo ele é “basicamente desmedida e desregrada”, existe também uma grande preocupação em relação à Neuralink.