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Com a aproximação das eleições e a indefinição sobre o novo governo na Argentina, empresas brasileiras passaram a relatar dificuldades adicionais na exportação e no recebimento pelas vendas realizadas ao país vizinho. A crise cambial que atinge os argentinos, sobretudo com as promessas de “dolarização” da economia, feitas pelo candidato Javier Milei – mais votado nas primárias de agosto – fez as divisas do país evaporarem, prejudicando as exportações das companhias do Brasil.
A série de restrições ao pagamento pelas vendas realizadas para lá só piorou. Entretanto, esse cenário de incerteza, que deve perdurar ao menos até que os planos do novo governo sejam revelados, não eliminou a atratividade do país vizinho para companhias brasileiras. A localização estratégica, por conta da fronteira seca, e os acordos de livre comércio e direitos de preferência, assinados com os tratados que regem o Mercosul, explicam essa relação ainda positiva.
“Atravessamos uma situação de muita incerteza política e econômica. Ao mesmo tempo, a Argentina se posiciona como um país que apresenta muitas oportunidades em ativos estratégicos, tanto em recursos naturais como em capital humano, e continua a ser uma das principais economias da América Latina”, disse Cristian Traut, gerente de finanças corporativas do First Capital Group, sediado em Buenos Aires.
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“Acreditamos que o país pode entrar num ciclo de recuperação, se alguns pontos estratégicos puderem ser alinhados, como tem acontecido em outros países da região”, acrescentou. Segundo ele, as dificuldades enfrentadas pelos exportadores são um problema generalizado, que todas as empresas estrangeiras estão enfrentado, principalmente pelas restrições cambiais impostas pelo governo. “Portanto, as empresas devem utilizar a engenharia financeira para conseguir manter suas operações atuais”, pontuou.
Há incerteza, mas também resistência
A instabilidade econômica e política, que se agravou recentemente, já era uma marca da Argentina há alguns anos. Isso explica um grande número de companhias que deixaram o país. Segundo levantamento do First Capital Group a pedido do InfoMoney, com base em divulgações na imprensa local, mais de 60 empresas de diferentes nacionalidades deixaram a Argentina nos últimos sete anos, especialmente em 2020 e 2021. Entre as brasileiras, aparecem Itaú (ITUB4), Bradesco (BBDC4) e Dafiti mais recentemente, alguns anos depois de JBS (JBSS3) e BRF (BRFS3) também terem encerrado a presença por lá.
Na lista global, Zara, 3M, Enel, Met Life, Nike, Asics, Falabella, Walmart, Danone, PPG, GE, Eli Lilly, Fly Emirates, Qatar Airways e Basf estão entre as que saíram do país. “A Argentina perdeu peso relativo nos negócios globais das multinacionais. Ao mesmo tempo, a complexidade operacional das empresas no país aumentou consideravelmente, em termos da relação entre risco e retorno, incluindo uma cenário com muitas contingências”, diz Alejandro Cagliolo, analista sênior de sênior, de Finanças Corporativas, da First Capital Group.
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Mas existe um grupo de companhias que ainda vê valor em permanecer em terras argentinas. É o caso da Natura, instalada na Argentina desde 1994, hoje proprietária da fábrica da Avon, construída em 1970 em Moreno. Segundo Diego de Leone, vice-presidente da Natura América Hispânica e Países Hispânicos Combinados, a Argentina é o mercado externo mais importante para a companhia. É de Buenos Aires que a empresa coordena as operações dos demais países da América Latina em que atua. A empresa tem hoje mais de 300 mil consultoras da marca Natura e 200 mil da Avon. “Temos um compromisso de longo prazo com o país e com os argentinos, buscando promover bem-estar e sustentabilidade”, afirmou Leone. “Reconhecemos a importância de o país gerar condições de desenvolvimento com previsibilidade e regulamentações econômicas”, acrescenta.
Para não perder com a fulminante desvalorização cambial que a moeda argentina se encontra, a Smart Fit (SMFT3), por exemplo, optou por reinvestir os lucros de suas academias até que a crise passe. “A perda cambial seria muito grande, então estamos investindo de maneira orgânica ali até o momento em que eles voltem à normalidade”, explicou o CEO Edgard Corona, em conversa com o IM Business no início de setembro. “É um mercado em que entre 7% e 8% da população faz atividade física e estávamos fora. Abrimos três unidades para testar e vamos reinvestindo. Está crescendo devagarinho.”
A rede não divulga números específicos do país, mas, em seu balanço, cita que a região que abrange academias próprias e franquias na Argentina, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, República Dominicana, no Chile, Paraguai, Peru, Panamá, Equador e em El Salvador e Honduras apresentou crescimento 19% no segundo trimestre deste ano, para 344 academias.
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Em outro nicho, a Valid (VLID3), que produz cartões de crédito e débito e chips de celular no país vizinho até considerou encerrar suas atividades no país quando iniciou seu turnaround há três anos, mas Ivan Murias, CEO da companhia, decidiu manter a operação na Argentina. Para garantir a rentabilidade no país, a companhia aposta em contratos dolarizados e hedges cambiais mais curtos.
A Unipar também mantém operação na Argentina, que é rentável. Ou seja, a companhia não precisa remeter caixa para a unidade do país vizinho e acredita que, passada a instabilidade atual, poderá retomar planos de crescimento. O fato da empresa fabricar produtos indexados ao dólar, como PVC e soda, diminui a exposição cambial.
Valor agregado
Mas o principal efeito que a instabilidade econômica no país vizinho gera é sobre as exportações das empresas brasileiras. Os argentinos compraram US$ 13,64 bilhões dos brasileiros de janeiro a setembro, ficando atrás, apenas, da China (com US$ 78,22 bilhões), União Europeia (US$ 34,34 bilhões) e Estados Unidos (US$ 26,61 bilhões).
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Mais do isso, as compras brasileiras são de produtos de alto valor agregado, como máquinas e equipamentos, artigos manufaturados, entre outros, sem contar bens primários. Portanto, as empresas nacionais encontram um mercado muito diversificado no vizinho, que se beneficia ainda da proximidade e acordos do Mercosul.
Entre as empresas de maior valor agregado estão as do setor automobilístico e de autopeças. E elas também enfrentam problemas, tal qual os setores calçadista e têxtil. Mesmo atuando em quatro continentes e vendendo para 120 países, a Randoncorp (RAPT4) tem parte relevante de sua receita vinda dos vizinhos de bloco econômico.
No primeiro semestre deste ano, porém, essa presença caiu a 37%, de 53% do mesmo intervalo de um ano antes. Em agosto, o CEO da Randoncorp, Sérgio Carvalho, alertou para a redução da demanda na Argentina, por conta do cenário de instabilidade política e econômica. Isso, aponta ele, se traduz em menores volumes vendidos.
“Temos compensado isso, principalmente, com o mercado americano, que apesar do tíquete médio menor, tem um volume maior, o que acaba compensando, no absoluto, a receita”, disse, na ocasião, em referência a vertical montadora.
Em termos de semirreboques, outra importante área para a Randon, Carvalho detalhou que, apesar das vendas estarem em “bons níveis”, a empresa enfrenta “escassez de divisas e barreiras à importação”.
Passos em falso
Em evento online, a coordenadora de Inteligência de Mercado da Abicalçados, associação brasileira de calçados, Priscila Linck, pontuou que as empresas que exportam para a Argentina começaram a observar, a partir deste mês, maiores atrasos na liberação de licenças de importação e maior contenção de pagamentos pelas compras.
“Esses entraves vêm se intensificando, mas, de certa forma, isso já era esperado, por conta do período eleitoral”, disse ela, acrescentando que essa situação deve perdurar até o final do ano. Para 2024, o cenário, contudo, ainda é incerto, “a depender do impacto das reformas (econômicas)” que o vencedor implementar.
“O problema da Argentina é estrutural, de atração de divisas. O país não recebe investimento externo, não tem capacidade exportadora e cria travas, que dificultam a atração de divisas”, opina, em relação a impostos . “Tudo isso compromete a capacidade de importar”, completa Priscila.
A importância da Argentina se observa pelos números das exportações: de janeiro a setembro, foi o principal destino dos pares brasileiros, com a venda de 11,8 milhões de pares por US$ 185,36 milhões. Para este ano, a aposta do setor, porém, é que o mercado interno compense as vendas menores ao exterior.
“A Argentina, apesar de todos os seus problemas, como o represamento de pagamentos e a grave crise econômica interna, é um mercado fundamental para o calçado brasileiro”, pontua Haroldo Ferreira, presidente executivo da Abicalçados.
Uma das maiores empresas de calçados do Brasil, a Vulcabras (VULC3) já alertava em agosto sobre essas dificuldades. No primeiro semestre, as vendas caíram 24%, puxadas pela retração das vendas à Argentina, seu principal destino, com distribuidores locais enfrentando dificuldade na obtenção de licenças de importação.
Têxtil
Assim como no caso dos calçados, no setor têxtil e de confecções, a Argentina também é o maior destino das exportações brasileiras, representando quase 21% das receitas, bem à frente do segundo colocado, que é o Paraguai, com cerca de 10%. Conforme Fernando Pimentel, presidente da Abit, associação que representa o setor, de janeiro a setembro, as exportações caíram 23% em volume e 18% em valores para o vizinho.
“As dificuldades são de toda ordem. Primeiro, que não há dinheiro; segundo, que todas as exigências impostas, para pagamento, são muito demandantes de capital para as empresas brasileiras, sem falar nas incertezas, pelas regras que são criadas para fazer frente a falta de recursos na Argentina”, disse.
Isso se refletiu, também, explicou, nas vendas de lá para cá, que caíram 42% no período. Conforme ele, o mercado local está sendo atendido, fundamentalmente, pela produção local. “Os recursos liberados pelo governo, com mais facilidade, são de bens essenciais, se não o país entra em colapso”, pontuou.
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