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Com disparada da inflação, ninguém mais sabe quanto vale um dólar

Todos sabem que o custo de vida aumentou, mas é improvável que saibam se seu salário está acompanhando

Jeff Sommer The New York Times

O aumento dos preços deprimiu a confiança dos consumidores, apesar da economia em crescimento e do baixo desemprego. Mas é difícil compreender exactamente como a inflação está a prejudicar, a ajudar e a confundir as pessoas. (Chanelle Nibbelink através do The New York Times)
O aumento dos preços deprimiu a confiança dos consumidores, apesar da economia em crescimento e do baixo desemprego. Mas é difícil compreender exactamente como a inflação está a prejudicar, a ajudar e a confundir as pessoas. (Chanelle Nibbelink através do The New York Times)

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A escalada dos preços tem irritado as pessoas. Ela reduziu a confiança dos consumidores, apesar de a economia estar em crescimento e dos baixos índices de desemprego.

No entanto, é difícil compreender exatamente como a inflação está impactando, beneficiando e confundindo as pessoas. Todos sabem que o custo de vida aumentou. No entanto, a menos que alguém tenha constantemente uma calculadora à mão, é improvável que saiba se seu salário está acompanhando a inflação, se o mercado de ações realmente atingiu um pico real, ou se um prêmio de loteria é tão bom como dizem os profissionais de marketing.

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Existe um termo sofisticado que define a falha humana comum de não enxergar além dos preços exagerados, em grande parte causados pela inflação. Esta incapacidade generalizada de reconhecer quanto o dinheiro realmente vale é conhecida como ilusão monetária.

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Irving Fisher, economista da Yale, escreveu um livro sobre isso há quase um século. O economista britânico John Maynard Keynes popularizou a ideia. E os economistas comportamentais a estudaram extensivamente. Mas as percepções tendem a ser esquecidas quando os preços se mantêm relativamente estáveis, como o que vinha acontecendo nos Estados Unidos até cerca de três anos atrás.

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Quando a inflação aumenta cerca de 2% a cada ano, quem realmente se importa com isso? Você pode viver normalmente sem pensar muito na lenta erosão do valor do seu dinheiro, embora os mais atentos percebam que, mesmo com uma taxa de inflação anual de 2%, os preços dobram a cada 36 anos.

Agora, após um período de convivência com uma inflação elevada, todos estão propensos a sofrer da ilusão monetária de uma forma ou de outra.

Consideremos que, de acordo com o cálculo do Índice de Inflação ao Consumidor do governo, um dólar de março de 2021 vale menos de 85 centavos hoje. Quando penso nesse número, os dólares que estão em minha conta ficam parecendo especialmente inexpressivos. (E trabalho em tempo integral desde o verão de 1977. A calculadora diz que cada dólar que ganhei em meu primeiro emprego vale apenas 19 centavos no dinheiro de 2024. Caramba!)

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É claro que todos já sabem que o poder de compra do dólar caiu. Quando os preços dos produtos que você vê todos os dias aumentam – um litro de gasolina, um pão, uma xícara de café – você percebe que os preços subiram.

Mesmo assim, é fácil ficar pensando que um dólar simplesmente vale um dólar, e que sempre valeu.

Ações e loteria

Alguns aspectos do impacto que a inflação tem nos mercados são bem conhecidos, mas acredito que os efeitos profundos da inflação sobre ações e títulos ainda sejam amplamente subestimados.

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Em primeiro lugar, certos parâmetros dos custos da inflação são claros. Devido ao fato de que o Federal Reserve (o Banco Central norte-americano, também conhecido como “Fed”) está lutando contra a inflação, as taxas de curto prazo são altas. E vários meses consecutivos de leituras negativas da inflação tornaram improvável que o Fed reduza as taxas em breve. No mercado de títulos, que reage aos sinais do Fed e à avaliação dos investidores sobre a inflação e o crescimento econômico, os rendimentos dispararam. Por isso, diversas taxas de crédito ao consumidor aumentaram. Dentre elas estão as hipotecas, cartões de crédito e empréstimos pessoais.

Além disso, a constatação deste mês de que o Fed não tem pressa em baixar as taxas de juro paralisou o mercado de ações.

Escrevi recentemente sobre um aspecto menos conhecido da inflação. As frequentes referências entusiasmadas aos novos picos no S&P 500 durante a recente alta não levaram em conta o aumento dos preços ao consumidor. (Elas utilizaram aquilo que os economistas chamam de preços nominais, não reais.) Quando ajustado à inflação, só em março o mercado de ações alcançou um novo pico pela primeira vez em anos. Confiei numa análise de Robert Shiller, economista de Yale, que há muito utiliza dados ajustados à inflação para romper o véu da ilusão monetária. Devido aos reveses das últimas semanas — inflação elevada e um mercado de ações vacilante — o mercado caiu abaixo dos níveis de pico em termos reais.

Utilizar retornos nominais em uma era inflacionária pode levar à conclusão errada de que o mercado está gerando retornos fenomenais.

Outro produto da ilusão monetária que os governos estaduais estão explorando incansavelmente são os prêmios de loterias. Como mencionei em março, muitos dos recentes prêmios enormes foram inflados artificialmente por práticas de marketing questionáveis, altas taxas de juros e inflação.

Quando explorada por profissionais de marketing habilidosos, a ilusão monetária pode deixar pessoas descuidadas tão entusiasmadas que elas acabam investindo dinheiro suado em ilusões, como loterias e mercados de ações efervescentes.

Trabalhadores insatisfeitos

O velho refrão de que o aluguel está alto demais está ressoando agora. Os altos custos habitacionais estão incluídos nos índices governamentais e são responsáveis por grande parte dos recentes aumentos oficiais da inflação.

Salários são outro problema persistente. Várias pesquisas demonstram que muitos trabalhadores acreditam que seus salários não acompanharam o custo de vida. Se acompanharam ou não é discutível. Os dados oficiais sobre os salários médios são voláteis e difíceis de interpretar.

Uma pesquisa meticulosa realizada pelos economistas David Autor, Annie McGrew e Arindrajit Dube mostra que, para pessoas com rendimentos mais baixos, os salários reais aumentaram, eliminando quase 40% da disparidade salarial de longa data que existia entre os trabalhadores mais ricos e os mais pobres nos Estados Unidos.

Mesmo assim, como a inflação de bens essenciais como alimentação, habitação e transporte coloca mais pressão sobre as pessoas com rendimentos mais baixos do que sobre os ricos, não está claro se esses aumentos salariais são devidamente analisados.

Na verdade, uma pesquisa realizada por Stefanie Stantcheva, estudiosa de Harvard e da Brookings Institution, com base em trabalhos anteriores de Shiller, conclui que não é bem assim.

As pessoas tendem a atribuir ao governo a responsabilidade pela dor da inflação e a si mesmas o crédito pelos aumentos que receberam, mesmo quando ficam irritadas porque esses aumentos não parecem estar acompanhando o custo de vida.

Essa é uma questão fundamental quando a inflação está alta.

“Money Illusion” (Ilusão do Dinheiro), um artigo clássico publicado em 1997 pelos economistas Eldar Shafir e Peter Diamond e pelo psicólogo Amos Tversky, demonstra que em períodos de inflação elevada, empregadores podem se safar dando aos trabalhadores aumentos que equivalem a cortes salariais substanciais quando ajustados de acordo com a inflação.

Suponha que a inflação esteja aumentando a uma taxa anual de 4% e você receba um aumento de 2%. Você acabou de ter um corte real em seu salário. Se não existe inflação e seu salário for reduzido em 1%, você também terá um corte salarial, mas perderá menos do que no caso de uma inflação elevada. O estranho é que os trabalhadores tendem a considerar cortes salariais maiores como mais justos.

Isto faz sentido, dizem os autores, quando se leva em conta a ilusão monetária.

Onde estamos agora

Neste momento, as pesquisas de opinião dos consumidores registam uma distorção menor do que a que foi registrada em períodos semelhantes no que diz respeito ao crescimento econômico e emprego. Neale Mahoney e Ryan Cummings, economistas de Stanford, acreditam que a inflação e a persistente insatisfação com os níveis de preços podem ser a causa disso.

Ao analisar períodos anteriores de inflação elevada, eles fizeram alguns cálculos aproximados que mostram que os efeitos negativos da inflação na opinião dos consumidores caem 50% a cada ano. Em outras palavras, eles têm uma meia-vida de cerca de um ano.

Mahoney atualizou a pesquisa a meu pedido.

Nos três anos até março, os preços subiram 17,9%. Segundo o modelo de Mahoney — e, fundamentalmente, presumindo-se que a taxa de inflação caia imediatamente ao nível da previsão do Fed de 2,5% ao ano — haveria um aumento de 8 pontos percentuais na opinião dos consumidores até novembro. Acontece que haverá uma eleição nacional naquele período.

Ambos Mahoney e Cummings atuaram no governo Biden. Se eles estiverem certos e a inflação realmente cair rapidamente e permanecer baixa, a melhoria do estado de espírito nacional poderá influenciar o resultado das eleições.

Mas a inflação tem desafiado os esforços de previsão dos economistas nos últimos anos. Não faço suposições.

Certamente espero que a inflação caia e que seja seguro viver uma vida normal sem pensar na ilusão monetária. Mas demorará muito até que eu deixe de notar a contração no valor do dólar.

NYT: ©.2024 The New York Times Company